domingo, 22 de março de 2009

Reféns da democracia

.
A PROPÓSITO DA ELEIÇÃO do próximo Provedor de Justiça, todos os termos foram já utilizados. Estranho. Grave. Preocupante. Uma vergonha. Todos são adequados. Nascimento Rodrigues, que desempenhou com brio e independência o seu cargo, terminou o mandato há oito meses. Desde então, os dois maiores partidos, PS e PSD, têm vindo a discutir a sua substituição. Como é o segundo mandato do actual Provedor, não pode ser reconduzido. A escolha do candidato que se segue fica na dependência de um voto parlamentar com maioria qualificada de dois terços dos deputados. Isto obriga a um entendimento entre partidos. O que podia ser fácil transforma-se num pesadelo democrático.
.
O CARGO DE PROVEDOR de Justiça fica a dever-se ao 25 de Abril. Foi proposto e desejado por vários democratas, designadamente José Magalhães Godinho, ainda durante o anterior regime. Só após a revolução foi criado, primeiro por lei, depois pela Constituição. Até à data, foram sete os Provedores: Costa Braz, Magalhães Godinho, Almeida Ribeiro, Pamplona Corte Real, Mário Raposo, Meneres Pimentel e Nascimento Rodrigues. Todos se ilustraram pela independência e pela seriedade com que exerceram as suas funções. Defenderam os cidadãos em centenas de casos, tentaram controlar com severidade as actividades administrativas e protegeram, contra o Estado, vítimas de injustiças. Alguns tiveram originalidade na sua actuação, como Almeida Ribeiro que fazia semanalmente um programa na rádio e respondia directamente aos cidadãos que a ele recorriam. Recordo ainda o trabalho de Meneres Pimentel, prosseguido por Nascimento Rodrigues, na investigação sobre a condição prisional. Vários tiveram intervenções marcantes e eficazes na reparação de injustiças cometidas pelos poderes, sejam as Câmaras, seja o Estado central. Nem sempre a Administração e os ministérios responderam com pontualidade ou cooperaram, como era seu dever. Mas a paciência, a isenção e a tenacidade levaram muitas vezes a melhor. Todos fizeram inúmeras recomendações aos governos no sentido de corrigir as instituições públicas e respeitar os nossos direitos. Sem alarde, sem demagogia, todos cumpriram, creio, os seus deveres. A função encontra-se entre as muito poucas que a democracia portuguesa criou e que deve ser acarinhada. Ainda por cima, num país onde a Justiça é cara, o recurso ao Provedor é gratuito.
.
NASCIMENTO RODRIGUES espera há oito meses pela sua substituição. PS e PSD não se entendem para designar um nome com dois terços de votos possíveis. Entregaram-se a mais uma quezília inútil que os desprestigia e que destrói as instituições, tanto a Provedoria de Justiça como a própria Assembleia da República. Pretendem vantagens partidárias, querem-se humilhar reciprocamente e desejam obter uma vitória. Jorge Miranda, se foi proposto e se esteve disposto a aceitar, seria um excelente candidato e, certamente, um formidável e independente Provedor. Envolver a sua eventual designação em querelas miseráveis é a melhor maneira de corroer as virtualidades da possível designação. Por tudo isto, o Parlamento e os dois grandes partidos não têm perdão.
.
ESTA HISTÓRIA obriga a pensar mais largamente. As nomeações parlamentares, especialmente as que exigem dois terços dos votos, deveriam ser reexaminadas. Já outros casos suscitaram interrogações, mas nada foi feito a tempo. Os serviços de informação da República, por exemplo, ficaram longos períodos sem supervisão parlamentar, exactamente pelas mesmas causas, as chicanas partidárias. As entidades reguladoras, as altas autoridades e os conselhos superiores de designação parlamentar encontram-se todos em situações semelhantes, reféns dos partidos e à mercê dos negócios políticos e das vantagens que cada um daí pode retirar. É mais que tempo de olhar para estes processos de nomeação e reflectir serenamente. Não valeria a pena, por exemplo, associar o Presidente da República à escolha destes cargos, trazendo assim um suplemento de isenção e uma contenção necessária perante os negócios partidários? A legitimidade democrática indirecta seria preservada, mas a independência de juízo seria valorizada. Como se sabe, os conselhos superiores, as altas autoridades e as entidades reguladoras são em geral pouco respeitados, porque são sempre suspeitos de uma espécie de falha original provocada pela selecção partidária. Ora, tais entidades são necessárias ao bom funcionamento do sistema político e do mercado. Degradá-las é pior do que liquidá-las. Acreditar numa mentira é pior do que não acreditar em nada.
.
INFELIZMENTE, a esperança em que tal revisão venha a ser feita é diminuta. Os princípios que presidem à organização da Administração e à composição das autoridades públicas não são inspirados pela liberdade ou pela independência. Ao contrário do que se poderia esperar, o regime democrático, em vez de se abrir, de se mostrar mais ágil e de se aproximar dos cidadãos, fecha-se sobre si próprio. Os partidos receiam cada vez mais a sociedade. Ligam-se a grupos económicos que lhes prometem obras e investimentos, mas afastam-se dos cidadãos. Apreciam quem depende de si. Gostam dos áulicos. Comovem-se com os caninos e os rastejantes. Mas temem os homens livres. Já com a Administração Pública, temos um regime de “confiança política” que consagra a propriedade governamental da função pública. A pretexto de obrigar a concursos para os cargos de menor importância, uma lei de 2005 transformou as nomeações dos “dirigentes superiores” em actos de mera confiança política do partido no governo. A ponto de decretar que os mandatos desses dirigentes (directores-gerais, inspectores, presidentes de institutos, etc.) terminam com as eleições e a formação de um novo governo. O que autoriza esses dirigentes a fazer política e campanha, ou a proteger os seus cargos. O que significa, em última análise, que podemos e devemos suspeitar da acção de qualquer dirigente superior: têm um evidente défice de isenção no serviço público. País estranho este que legaliza o favoritismo e legitima a desconfiança!
.
«Retrato da Semana» - «Público» de 22 de Março de 2009

19 comentários:

Anónimo disse...

As declarações de Nascimento Rodriguez, em entrevista à Visão, só a ele pertencem e em nada dignificam o Provedor, uma vez que este ainda se encontra em exercício de funções.
Quanto a Jorge Miranda, só o PSD não tem perdão.
Quanto ao regime democrático, bem..., ainda não é este tipo de "comédia" que o faz tremer, apesar dos vícios e das heranças.

Manuel Brás disse...

I Parte

Com paciência, isenção e tenacidade
os Provedores mostraram compostura,
a falta de salutar civilidade
é uma marca da nossa cultura.

A actual democracia
idolatra a intriga imoral,
reinando a iliteracia
de natureza visceral!

O juízo seria valorizado
sem estas quezílias políticas,
o mexilhão urbanizado
não tolera mentes monolíticas!

II Parte

São mais negras frustrações
do que verdes esperanças,
as rosáceas ilustrações
deixam vis lembranças.

Este jardim rosado
de indolor fragrância,
deixa o mexilhão arrasado
com tanta manigância!

Epílogo

Tudo querem comer,
para tudo controlar,
isto está a apodrecer
com os “socialistas” a malhar.

Os gregos criaram a tragédia
há milénios já passados,
nós criámos esta comédia
por políticos atrasados!

A comédia é boa para rir
quando ela tem graça,
o mexilhão gosta de se divertir
para espantar a sua desgraça!

Anónimo disse...

De facto, "Somos um país de bananas governados por sacanas".

Anónimo disse...

Pois é Silvia, temos tido mais comédia nestes últimos quatro anos, do que em 30 e tal de democracia. Começando pelo palhaço do Santos Silva, acompanhado à viola pelo camelo do Mário Lino, à guitarra pelo defe Pereira, e todo eles orientados pelo Pinóquio com escola feita na JSD, não poderia de facto haver maior palhaçada. É pena que o circo se mantenha por mais quatro anos.

Anónimo disse...

A prosápia da(s) campanha(s) há muito que deu aqui entrada, a soldo dos tios do costume. Quanto a ti, Cícero, o melhor é pores a língua no seguro, não vá a comédia virar em tragédia. Os acidentes acontecem, pá!

Anónimo disse...

Pois é Sílvia, por certo ainda andavas de fraldas e já eu ouvia ameaças de caramelos. O problema é que esses caciques andavam pelo outro lado. Hoje, pelos vistos, foram arregimentados pelo Pinóquio. O maior acidente que podia ter tido, já o tive, a partir do momento em que vi o partido ser devorado pelas Sílvia(s) e pelas Amélias.

Anónimo disse...

É por haver "caramelos" à esquerda e à direita com esse teu discurso inqualificável de bota-abaixo que muitas Améliazinhas se transformam em Amélias, em qualquer lugar, contra, quiçá, os profetas da desgraça que com esta pretendem fazer carreiro(a), sabe-se lá para onde.

Anónimo disse...

E eis que entretanto se dilui a discussão central...
Acerca da qualidade da democracia.
O estribilho do "mais vale esta que nenhuma" é perigoso e tem sido paralizante.
Pois eu acho que mais valem todos os excessos a esta é mas não se diz...
Srª D. Silvia, respire pois decerto tem lugar na casota dos cães de guarda.
Cícero deixemo-nos das meras invocações trágicas e tenhamos a coragem de desordenar esta falidaa forma de governar.
Caro Prof. A- Barreto, tende paciência pois nós humanos estamos sedentos por podermos mandar uns quantos para a ...
Já agora o "pai da constituição" será a a melhor pessoa para aferir as suas deficiências???
Mantenho o meu anonimato covarde não vá alguém lembrar-se de malhar..

Anónimo disse...

Anónimo,
Há covardia e insulto a mais neste país dos quais V.Exª parece viver e gostar. Há gosto para tudo...
Quanto à minha fidelidade canina na defesa das liberdades, direitos e garantias conquistadas em Abril, acredite, será para SEMPRE!...

Anónimo disse...

Alguém nos proteja das venerações caninas e reaccionárias das Donas Sílvias deste país.

Aliás: “cães de fila” não joga lá muito bem com os ”ideais de Abril”!

M. M.

Anónimo disse...

Minha Senhora Insulto é perverter este espaço de reflexão ética transformando-o num arraial de vómitos do sistema como V. Exª faz...
Cuidado que um dia alguém despeja os ocupantes da casa grande os cães terão por destino as fábricas de sabão como nos filmes...

Anónimo disse...

Boa, Anónimo!

Depois desta, a balofa vai ficar a vociferar.

M.M.

Anónimo disse...

Anónimos,
A vossa prosápia até faria sentido caso a "D. Sílvia" fosse uma militante ou simpatizante da "casa grande", ou se tivesse votado nela nas últimas legislativas, ou se mesmo andasse por lá, quiçá, à procura de uma cadeira confortável. Mas, nada disso é verdade. Nada mesmo.
Agora, vossas senhorias pretendem saber porque é que metem tanto nojo à D. Sílvia a ponto de lhe provocarem tanto vómito?
Não sabem?!...
Olhem para dentro de vós, lá encontrareis a resposta.

Anónimo disse...

Desta venho não aqui dizer nada, não quero agravar o estado de saúde da D. Sílvia. Só venho deixar aqui o meu nom para não permitir que a Dona tenha a última palavra.

Anónimo disse...

Ó Cícero, essa do "espaço de reflexão ética" teve piada. Devias estar a pensar nas catilinárias, ou nem por isso? Pena é que tenhas de esbarrar com o ruído de uma dona de seu nariz. De qualquer forma, tá descansado; AB não se deve importar muito com isso, até porque ele não gosta, nem precisa, do teu ámem e das lambidelas que grassam por aqui.

Anónimo disse...

Ó Sílvia, a "srª." tem piada! Mais lambidelas das que dá!?!

Abjecta é a forma como se exprime.
É do E. Básico, não é? Vê-se!

O Cícero está pleno de razão. Este blog merece comentários com outra plenitude intelectual.

M. M.

Anónimo disse...

"Comentários com outra plenitude intelectual" é coisa que, sinceramente, também gostaria de ver por aqui.

Anónimo disse...

Ah Ah este anonimato cauteloso temente das investidas animais vem reclamar autorias.
Não sou cícero nem poeta trágico.
Sou Anónimo por crença gosto de lançar polémicas . Não alinhado/a
Eu defendo o espaço de reflexão crítica.
Não procuro tachos pois prefiro porcelana.

Anónimo disse...

«Estranho. Grave. Preocupante. Uma vergonha»

Se não fosse assim, estaríamos em Portugal? Seria Portugal o mesmo?
Quero dizer: este caso, devia ter sido abordado há um ano, doze meses.
Num país normal, que se respeite. Dirigido por profissionais. Por gente séria.
Portanto, nada a fazer?
JB