segunda-feira, 23 de junho de 2008

Uma história infeliz

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HÁ HISTÓRIAS TRISTES que acabam bem. Esta é triste e, apesar de não parecer, acaba mal. Uma senhora é funcionária pública. Trabalha numa Junta de Freguesia. Algures em Portugal. Foi-lhe diagnosticada doença grave. Sofria de dores violentas nas costas, nas pernas, no corpo todo. Teve baixas sucessivas. Voltava a trabalhar quando podia, mas podia cada vez menos. Os médicos mantinham: estava doente, necessitava de baixas. Ela pediu a reforma. Uma junta médica considerou que estava apta para trabalhar. Ou mais ou menos. A legislação era (é) confusa. Apesar de todas as evidências, a senhora estava obrigada a ir trabalhar. E foi. Empanada, com bengalas e ajudas, apoiada e com coletes e colares para a manter mais ou menos direita. Conseguiu, não sei como, visibilidade nos jornais, nas televisões e nas rádios. A imprensa apiedou-se. A comunicação denunciou. As televisões puderam mesmo mostrar, em pormenor, partes do corpo, ligaduras e outros pormenores. Era tudo tão evidente! Os deputados da oposição protestaram. As televisões insistiram. Até que o Ministro das Finanças decidiu tomar conta do caso. Revogou as decisões das Administração regional, da Segurança Social e da Junta Médica. Apareceu na televisão a considerar que o caso estava resolvido, tinha tomado providências. A senhora foi para casa.
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Está tudo errado. A legislação sobre invalidez. As regras que presidem ao trabalho das juntas médicas. A surdez da Administração Regional da Segurança Social e mesmo da direcção nacional da Segurança Social. A actuação dos médicos. A atitude da Junta de Freguesia. E também, para acabar, o comportamento do ministro. Um ministro não decide só quando é sensibilizado pela televisão. Um ministro não revoga decisões das administrações e dos médicos. Um ministro não toma decisões individuais. Um ministro não vai à televisão comunicar decisões individuais e emocionais. Um ministro não usa de demagogia para cuidar do sofrimento dos cidadãos. As televisões não abusam da intimidade das pessoas, não exibem corpos doentes, nem exploram a dor. A única coisa que correu bem é que, agora, a senhora está em casa. Apesar do sofrimento, está em paz.
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As conclusões a retirar são simples. A Administração Pública, nomeadamente os serviços sociais, não servem. Se alguém, vítima de injustiça, de atrasos, de burocracia ou de despotismo, se quer queixar com eficácia, não deve perder tempo com os trâmites oficiais nem os procedimentos habituais. Deve imediatamente ir falar à televisão, encenar sofrimento e indignação, comover a opinião pública. A isso, os ministros não resistem. Prevejo que este ministro vai receber milhares de cartas. E que as televisões, que adoram o sofrimento, não vão ter mãos a medir.
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Blogue «SORUMBÁTICO» - 14 de Novembro de 2007

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