domingo, 24 de junho de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Pormenor da Porta de Ishtar, Babilónia – Esta porta chegou a ser, ainda na Antiguidade, uma das setes maravilhas do mundo (substituída mais tarde, nessa lista, pelo Farol de Alexandria). Foi mandada construir por Nabucodonosor seis séculos antes de Cristo. Havia gravuras desta Porta nos livros de escola e nas revistas de aventuras da minha adolescência. Em 1975, integrei uma comitiva portuguesa de visita oficial ao Iraque. Nessa altura, Saddam Hussein era apenas vice-presidente, mas já o homem forte do ditador al-Bakr. Num dia de repouso, pedi para visitar a Babilónia. Queria ver a famosa Porta. Era Inverno. Chovia. Estava frio. A chegada à Babilónia foi uma desilusão. Não havia Porta. Nem sequer ruínas decentes. Apenas lama e umas muralhas. Vim-me embora com a tristeza de um leitor do Tintim enganado. Dias depois, noutra viagem oficial, desta vez a Berlim, visito o Museu de Pérgamo, na ilha dos museus. De repente, depois do Altar, aparece, deslumbrante, uma enorme secção da Porta, de que este é apenas um pormenor! Parábola para o Ano Europeu do Património… 
DN, 24 de Junho de 2018

Sem emenda - Igualdade e liberdade

Qual é o valor mais importante, a igualdade ou a liberdade? Faz sentido pensar que existe um valor superior? Apesar de estar no centro dos debates políticos e filosóficos há décadas ou séculos, a questão das relações entre liberdade e igualdade nunca foi resolvida.
A verdade é que em cada momento importante de legislação, de acção ou de confronto político, o peso de cada uma, igualdade ou liberdade, é reavaliado. A resolução de tal contenda não é de carácter científico. Não se trata de ciência exacta. A resolução é uma preferência política, doutrinária e cultural.
Para uns, a liberdade não faz sentido sem igualdade. Para que serve a liberdade a um desempregado, pobre, analfabeto e sem abrigo? Só depois de estabelecidas condições de igualdade social será possível usufruir da liberdade. Considerar que a liberdade é o valor essencial significa deixar correr as lutas sociais, os afrontamentos, a competição entre pessoas e classes e permitir que uns ganhem e outros percam, eventualmente que os que ganham o façam à custa dos que perdem.
Para outros, a igualdade é impossível, nem sequer aconselhável, dado que o mérito gera desigualdade e a condição natural das sociedades é a da diferença. Considerar que a igualdade é o valor primordial exige intervenção da autoridade e o estabelecimento de condições à liberdade, a fim de impedir que esta gere desigualdade. Aceitam a igualdade de oportunidades, à partida, ou a igualdade de condição, mas não a igualdade imposta pelo poder ou pela força.
Estas discussões são interessantes. Na verdade, alimentam os debates sobre políticas públicas. Muita gente, tanto à esquerda como à direita, admite facilmente que o sistema educativo universal e obrigatório foi concebido para criar, promover e fazer progredir a igualdade social. Errado. O sistema educativo universal e obrigatório foi feito para criar um Estado ou uma nação, ajudar ao estabelecimento do serviço militar e de defesa nacional e facilitar o desenvolvimento da indústria. Nesse sentido, foi concebido para fazer progredir toda a gente, promover os melhores, alargar a base de selecção dos mais capazes, fazer trabalhar toda a gente, obter o maior número possível de talentos e acalmar a desordem… No máximo, o sistema educativo faz progredir toda a gente ao mesmo tempo, mantendo a desigualdade de origem. No pior, o sistema educativo agrava as desigualdades, pois permite escolher os melhores que acabarão por ser recompensados. Os bons estudantes, os melhores técnicos e os mais qualificados saberão melhor defender-se e subir na vida. Os piores ficarão aquém. São estes os destinos dos sistemas de educação universal e obrigatória.
O mesmo se poderá dizer dos sistemas públicos de saúde. Não são feitos para promover a igualdade. São feitos para defender e desenvolver a saúde e a vida de toda a gente! No máximo, o sistema de saúde público e universal mantém as desigualdades sociais, apesar de melhorar a saúde de toda a gente. Pode todavia admitir-se que os serviços de saúde têm um efeito social interessante: são vitais para as classes desfavorecidas, enquanto as classes com mais meios teriam sempre a possibilidade de recorrer à saúde privada. Nesse sentido, a saúde pública, sem promover a igualdade, combate os efeitos da desigualdade. Mas, no essencial, a saúde pública cura a doença, não a desigualdade.
Os serviços públicos de saúde, educação e segurança social, assim como outros sistemas, muito especialmente o de Justiça, não são concebidos para promover a igualdade, mas sim para ajudar a generalizar oportunidades aos cidadãos. Depois, são as escolhas políticas que promovem ou não a desigualdade! Que promovem ou não a igualdade.
Com liberdade, a desigualdade pode crescer. Certo. Mas com liberdade, pode a desigualdade ser corrigida. Sem liberdade, não. Pelo contrário, com igualdade, pode a liberdade desaparecer. E nascer a tirania. Quem cede em liberdade para obter a igualdade está no caminho do despotismo. Tal via dificilmente abre a porta a reformas. Quem cede em igualdade a fim de obter a liberdade corre o risco da injustiça, mas não reprime quem luta pela justiça social. A igualdade não gera a liberdade. Mas a liberdade pode gerar a igualdade.
DN, 24 de Junho de 2018

domingo, 17 de junho de 2018

Sem emenda - Simplex e proximidade nas Laranjeiras

Um dia de Junho. Dias depois da organização do festival da Eurovisão, ainda os Portugueses estão felizes com a sua modernidade. Dias antes do início do campeonato do mundo de futebol, no qual Portugal participa após um enorme esforço de talento. Ao mesmo tempo, no Terreiro do Paço, um zepelim anuncia no céu mais um avanço do Simplex na humanização dos serviços públicos.
Na Loja do Cidadão das Laranjeiras, em Lisboa, às oito da manhã, as filas de espera contam com umas centenas de cidadãos de todas as cores, feitios e idades. Alguns chegaram às cinco e meia, para marcar vez. Outros às sete, para tirar a senha. Quando a Loja abre, há longas filas de pessoas. Algumas já não serão atendidas nesse dia.
A Loja, realização de um governo socialista, logo adoptada por todos os governos desde há vinte anos, poderia ter simplificado a vida a milhões de pessoas. Uma só ida para resolver vários problemas. Alta eficiência. Absoluta coordenação entre serviços e total comunicabilidade entre instituições, dizem as leis e a propaganda. Rapidez e prontidão. O cidadão pode ali tratar da Segurança social, do Cartão do cidadão, do SEF, dos papéis para casar, do passaporte, da ADSE, da Carta de condução, do Registo criminal, das Pensões, dos Impostos, das certidões de registo civil e ainda da EDP, da NOS, dos CTT, da CGD, da Via Verde… Foram numerosos os benefícios. Há testemunhos a demonstrar os progressos conseguidos. Mas, como tantas vezes acontece, a rotina e a propaganda levam a melhor. Uma visita às Laranjeiras dá o sentido da realidade. A miséria institucional está à espreita.
Depois de horas de espera na rua, os cidadãos obtêm as senhas. Quem estava ali desde as 7H00, só às 9H10 obteve senhas com números de 95 a 150, conforme os serviços. Quem tentou às 10H00 já não conseguiu! Como era sexta-feira, “Venha segunda”! Não há maneira de obter, dias antes, as senhas com datas. Por vezes, são precisas três horas de espera só para saber o que é preciso.
Há gente a mais. Poucos funcionários para aquela gente toda. Pessoas sentadas no chão. Muitas de pé. Não há cadeiras que cheguem. Nem espaço. Em dia de chuva e frio ou de calor a 30º a situação é aflitiva.
É frequente haver problemas de tradução, de compreensão e de literacia. Em salas com centenas de pessoas, mais de metade são estrangeiros. Africanos, árabes, paquistaneses, chineses, tailandeses e o mais que se queira. Muitos brasileiros. Da Europa oriental já há poucos.
Em certos guichés, como no da Segurança social, para cerca de cem pessoas, há dois funcionários, uma para o atendimento geral, outro para aos prioritários (doentes, idosos, deficientes, grávidas…). Duas horas depois, há três funcionários para o atendimento geral, um para os prioritários. E mais pessoas à espera. Às 10H20, foi chamada a senha A034. Às 11H58, a A062. Ainda faltam 90!
Em poucas horas os funcionários ficam exaustos e nervosos. Uns mal dispostos, outros desesperados. Os cidadãos também. Seguir os números das senhas permite perceber quanto tempo de espera se tem diante de si. Quem chegou às 7H00 e obteve senha às 9H10 foi recebido às 14H50!
Na NET não há indicações sobre o que é necessário preparar, o que faz com que muitas pessoas, depois de passarem horas à espera, ficam a saber que têm de voltar. Como fazem os que trabalham com horários rígidos e não têm folga? E os que não têm em casa uma reformada, um velhote ou um desempregado para tratar destas coisas?
Os grandes sistemas tecnocráticos sustentáveis e as plataformas digitais ultramodernas, todos nossos amigos, todos de grande proximidade, têm o pequeno defeito de não perceber que há gente no fim da linha, que há pessoas de carne e osso, por vezes com pouca cultura e menos escolaridade, outras vezes com escola e leitura, a quem estes sistemas nada dizem. São pessoas que pedem ajuda. Pessoas a quem as Laranjeiras trouxeram promessas. Mas que, sem humanidade, não conseguem derrubar os muros da desigualdade. Pior: da indiferença.

DN, 17 de Junho de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Turistas em fila de espera, Martim Moniz, Lisboa – Foi há pouco tempo, três anos, e era assim. Os eléctricos, designadamente o 28, estavam em ascensão. O turismo também. Muitos “amarelos” estavam já destruídos, abandonados, vendidos… Mas ainda sobravam os suficientes para a ressurreição. Hoje, não há eléctrico que não esteja sempre esgotado, cheio, à cunha. E muita fila de espera. Em Portugal (e noutros países imprevidentes, deve dizer-se…) é sempre assim: algo com êxito? Fila de espera. Uma coisa interessante? Fila de espera. Cuidado de saúde, segurança social, um procedimento administrativo, uma certidão? Fila de espera. O problema é que as filas de espera para a Arena e o Rock in Rio, por exemplo, são facultativas e dependem da escolha de cada um. Enquanto as filas de espera para os transportes públicos, a Segurança Social e o Centro de Saúde são necessidades, frequentemente urgências e muitas vezes desespero.

DN de 17 Jun 18

domingo, 10 de junho de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Costureiro de homens em Savile Row – Não! Não se trata de efeitos das transformações culturais e de costumes decorrentes da alteração das relações entre géneros… Pelo contrário, este senhor alfaiate e costureiro de roupa para homens é representante de uma velha dinastia ou cadeia de alfaiates homens para homens. Fica numa rua famosa, Savile Row, em Mayfair, Londres. São dezenas os alfaiates que ainda lá trabalham e produzem ou reparam fatos e camisas de excepcional qualidade e também de excepcionais preços… Nesta rua, tinha a sua sede, há muito, a Royal Geographic Society, onde os nossos exploradores de África do século XIX, Serpa Pinto e Hermenegildo Capelo, iam preparar as suas expedições e encontrar os seus colegas locais. Segundo Júlio Verne, o senhor Phileas Fogg, o da “Volta ao mundo em oitenta dias”, vivia aqui. Foi também aqui que os Beatles deram, no telhado de um prédio, o seu último concerto, interrompido pela polícia que o mandou terminar por “excesso de ruído”...

DN, 10 de Junho de 2018

Sem emenda - Mistérios por desvendar

Hoje é Dia de Portugal! Dia das Comunidades! Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas! Dia da Raça! Dia da Raça portuguesa! Dia de Camões! Cada designação vale um regime, um tempo e uma moda. Uma boa maneira de comemorar o país seria conhecer melhor e estudar mais. E desvendar mistérios.
Onde estão realmente as fontes da profunda desigualdade social em Portugal? Na lei? Na propriedade? Nos sistemas de sucessão e herança? No fisco? Nos costumes? Na religião? Na falta de liberdade? No analfabetismo? Na pobreza? Por que razões Portugal é mais desigual do que países com menos rendimento (Polónia, Roménia), parecidos (Grécia e República Checa) e com mais rendimentos (Reino Unido, França)?
Por que razões a mobilidade social é tão reduzida em Portugal? Por que é tão difícil “subir na vida”? Por que motivos o crescimento do produto, tão impressionante nos últimos quarenta anos, teve tão pouca influência na diminuição dos graus de desigualdade?
Por que motivos teve Portugal taxas de analfabetismo únicas na Europa em 1900 (80%, contra 2% a 10% nos países do Norte) e até aos anos 1960 (mais de 35%)? E ainda está hoje em último lugar entre todos os países industrializados? Onde estão as causas? Pobreza? Catolicismo? Ausência de Reforma? Atraso geral? Ignorância das elites? Ruralidade? Falta de indústria? Fraqueza da sociedade civil? Centralismo do Estado?
Como se explica o facto de a Justiça em Portugal não se ter reformado nem modernizado depois do 25 de Abril? E por que razão foi tão difícil ou impossível a Justiça adaptar-se à democracia, ao Estado de Direito, à integração europeia, ao capitalismo e à economia de mercado?
Quem são hoje os militares em Portugal? Que influência têm na sociedade e na política? Que pensam dos assuntos públicos? Exercem cargos ou funções de poder? Serão simples burocratas ou funcionários públicos? São meros contratados? Há que recear alguma intervenção política dos militares nos próximos anos? Ou há que desejar uma sua intervenção?
Como se explica o facto de não haver liberalismo em Portugal? Nem liberais? Nem partidos liberais? E o facto de “liberal” ser mesmo um insulto político?
Por que nunca se contou, com investigação rigorosa e completa, a história das reprivatizações em Portugal, com passagens de pessoal dos partidos para as empresas e vice-versa, com homens de palha e testas de ferro  dos partidos que eram mandatários de capitalistas, com “barrigas de aluguer” da política portuguesa que serviam de intermediários de aventureiros que não podiam concorrer directamente? Por que ainda não se fez um verdadeiro “Gotha” dos governantes, deputados e gestores que fizeram carreira na política, nos partidos, nas empresas públicas e depois, alternada ou sucessivamente, nas empresas privadas que eles próprios reprivatizaram?
Por que não se sabe realmente o que se passou com as escutas telefónicas (relativas a Sócrates) mandadas destruir por Noronha do Nascimento e Pinto Monteiro? Quem ficou a ganhar com tal destruição? Se não tinham importância, por que foram destruídas? Se eram muito importantes, por que se destruíram? Por que se diz hoje com tanta insistência que, afinal, não foram destruídas?
Quem foram os responsáveis pela quase destruição do BCP, da PT, da CIMPOR, do BPN, do BPP, do BANIF?
Como foi realmente possível fazer um buraco de mais de 5 mil milhões no BPN? Onde está esse dinheiro? Como foi possível fazer um buraco de mais de 9 mil milhões no Grupo Espírito Santo? Onde está esse dinheiro? Como foi possível que, já depois da “resolução”, ainda tivessem fugido do BES mais de três mil milhões de euros?
Quanto é que a CGD gastou, empatou e perdeu em negócios estranhos levados a cabo por decisão política, designadamente no BCP, no BES, no GES, no BPN, no BPP e na PT?
Por que nunca se fez um “atlas” ou um elenco completo de todas as Parcerias Público Privadas, uma a uma, com indicação dos beneficiários, dos bancos envolvidos, dos sobrecustos suportados pelo Estado, dos riscos atribuídos sempre ao Estado e dos benefícios sempre concedidos às das empresas privadas?


DN, 10 de Junho de 2018

domingo, 3 de junho de 2018

Sem emenda - Dados e cidadãos

O debate público sobre a protecção de dados prossegue. Os mails cruzados a este propósito, diariamente, por pessoas e organizações, são às dezenas e às centenas. Todos tentam proteger-se ou adoptar os novos procedimentos legais. A pressão vinha de trás, a União Europeia ocupava-se do assunto há muito, mas as aldrabices do Facebook e as intrusões russas e americanas aceleraram tudo. Ficámos com receio legítimo dessas poderosas máquinas, das multinacionais maléficas e do capitalismo internacional. Assim como de todos os serviços de espionagem e similares, americanos, pois claro, ingleses, os mais inteligentes, israelitas, os mais eficientes, russos, os mais selvagens, chineses, os mais não se sabe bem o quê. Verdade é que a desconfiança aumenta. Com a ideia de que estamos a proteger os dados, corre-se o risco de passar ao lado do essencial. Na verdade, aquilo de que deveria tratar-se era de proteger os cidadãos. Evidentemente, uma coisa leva à outra e vice-versa. Mas é mais interessante colocar a tónica no cidadão. É por ele que se devem proteger os dados. Não o contrário.
As dívidas dos ricos à banca, designadamente à Caixa Geral de Depósitos, estão também no centro dos debates. As razões são especiais, mas estamos novamente no domínio da protecção de dados e de cidadãos. Como se trata de ricos, ninguém parece incomodar-se muito. Mas estamos a entrar em zonas perigosas. É difícil perceber por que razão é moralmente aceitável publicitar as dívidas dos ricos e não as de toda a gente. Ou por que será razoável divulgar qualquer dívida que seja. Como, além de ricos, estão em causa alguns aldrabões, não só ninguém se importa, como é crescente o número dos que aplaudem. Mas o certo é que os aldrabões também são cidadãos. O tema é mesmo muito sério.
Outro assunto que diz respeito ao cidadão e aos dados e vem mesmo a propósito é o das facilidades que o Multibanco e os terminais do comércio de retalho oferecem à devassa. E quem sabe se ao roubo e à chantagem. Esta semana, num restaurante, um indivíduo entregou o seu cartão para pagamento da factura que lhe foi apresentada. O mesmo aconteceu a uma senhora, sem relações com o anterior, que ia pagar o que comprou numa loja do centro comercial. Em ambos os casos, as pessoas em questão não sabiam se tinham dinheiro que chegasse. Para evitar vergonhas, disseram qualquer coisa como “Não sei se há saldo disponível. Se não houver, diga-me para eu mudar de cartão. Ou pagar em notas”. Solícitos, os empregados disseram mais ou menos o mesmo: “Mas olhe que eu posso ver o saldo”. Os clientes ficaram surpreendidos e acederam. Depois de digitar o PIN, como se fosse para pagar normalmente, os empregados mostram, a um, o saldo que tem no banco (não apenas dos movimentos do Multibanco, mas sim em toda a conta bancária); à outra, oferecem-lhe uma longa tira de papel impressa na qual estão enumerados, com nomes e montantes, todas as receitas e despesas na sua conta, incluindo renda de casa, serviços domésticos, débitos directos, levantamentos, vencimento, prestações, aforros, etc. Não é possível imaginar maior devassa!
Dá para pensar no que acontece ou pode acontecer cada vez que num comércio o funcionário diz, com ar desolado, “Pode por favor digitar outra vez o seu PIN? É que houve uma anomalia…”. Com que direito, com que autorização, um serviço fornece os dados pessoais de uma conta bancária? Compreender-se-ia, provavelmente, que esses serviços dissessem ao comerciante que aquele cliente, naquele momento, tinha saldo para cobrir aquela quantia. Mas desvendar os movimentos, os saldos, as entidades que pagaram ou receberam, com datas e montantes, tanto do serviço de Multibanco como da conta bancária… Não lembra ao diabo!
Os bancos sabem o que se passa? Como se defendem? As autoridades reguladoras e outras conhecem estes mecanismos? E permitem? A Comissão Nacional de Protecção de Dados está ao corrente desta situação? Fez alguma coisa? A União Europeia e o BCE sabem e permitem? Nos outros países europeus também é assim? Os nossos governantes e os deputados sabem disto? E aceitam? E não se importam?

DN, 3 de Junho de 2018