sábado, 26 de dezembro de 2020

Grande Angular - Provavelmente, o pior…

Pode não ser, desde o fim da segunda guerra mundial, o mais grave. Nem, desde 1974, a pior crise política. Talvez não seja, desde há meio século, o ano da mais difícil crise económica. Nem seja, socialmente, o mais dramático. Mas é tão difícil! Sobretudo porque tudo parece convergir para agravar as dificuldades: política, economia, pobreza, saúde e justiça. Este fim de década é o pior momento de crise e dificuldades que Portugal vive desde a fundação da democracia.

Os mais novos não viveram. Os mais velhos não recordam. Só alguns não esqueceram. Já vivemos tempos muito difíceis. Com os obstáculos e as ameaças à democracia, em 1974. Os repatriados de 1975. As crises económicas e os pedidos de intervenção financeira. A crise da dívida, a assistência internacional e a austeridade. A inflação a mais de 30% e o desemprego a mais de 15%. Mesmo assim, com este tremendo passado recente, vivemos, provavelmente, o pior momento.

Também no mundo já se viveu pior, com efeitos para Portugal. O fim da guerra no Vietname e as guerras asiáticas que se seguiram. As ameaças e os perigos, assim como os violentos episódios de guerra conhecidos, nos Balcãs, no Próximo Oriente e em África. O desmembramento do império soviético e os múltiplos conflitos que se seguiram, da Jugoslávia à Chechénia, da Ucrânia à Arménia. O crescimento incessante das guerras da droga, dos minérios, dos armamentos e dos imigrantes trouxe violência para quase todos os cantos do globo. Também o mundo vive hoje um momento de extrema dificuldade.

A decadência relativa de um poder indiscutível, o americano, projecta sombras sobre a humanidade. As perdas de hegemonia têm sempre consequências temíveis. Em paralelo, a ascensão de novos poderes, de uma nova grande nação à partilha do poder mundial, a China, deixa toda a espécie de interrogações e de novas tensões de efeitos imprevisíveis. E os europeus já estão conscientes de que, sem a América, contra a Rússia e apesar da China, a Europa não resiste à subalternidade.

Note-se bem como quase tudo o que a Europa fez nos últimos anos foi reagir, retomar, equilibrar e salvar. Já não cria, já não avança e já não inova. Reage e resiste. As divisões europeias, o Brexit, a ascensão de movimentos anti-europeus, o recrudescimento do nacionalismo, as divisões entre países e partidos revelam uma Europa a perder o Norte, à deriva e a tentar recuperar o que ainda é possível. Ao que se podem acrescentar as crises de demografia, da imigração e do refúgio. Nunca como agora, nos últimos setenta anos, andaram pela Europa hordas de milhões de vagabundos, esfomeados e doentes, nómadas da sociedade industrial, sem protecção nem futuro, à procura de sobreviver.

Para além da morte e da doença em doses aflitivas, a pandemia revela confrangedora desigualdade entre países ricos e pobres, entre poderosos e destituídos, entre influentes e despojados. Sofre-se nos lares infantis e morre-se nos lares de idosos. É-se mais contagiado nos bairros suburbanos, nos locais de desempregados, nos guetos de imigrados e nas áreas subdesenvolvidas. Há meios científicos, recursos financeiros, poderes políticos e gestão capazes de contrariar a lógica letal da desigualdade e da pobreza. Mas não serão aproveitados, a tempo, tanto quanto se poderia desejar e seria legitimo esperar.

Portugal partilha os problemas da Europa e do mundo, mas acrescenta os seus próprios. Vivemos uma inédita convergência de crises e dificuldades. Sem a tragédia de uma grande guerra, sem o drama dos repatriamentos forçados e dos campos de concentração ou refugiados, mas com a acumulação de crises e ameaças. Iniciamos a terceira década do século XXI com uma enorme crise sanitária; uma ameaçadora crise económica e social; a manifestação drástica de desigualdades profundas; acrescidos fenómenos de pobreza; reduzidas capacidades de criação de emprego e de novas produções; poucos grupos económicos à altura das necessidades de desenvolvimento; sem capitais próprios privados ou públicos; e com soluções políticas de enorme fragilidade. Os grandes sistemas nacionais, saúde, segurança social, educação e justiça encontram-se à beira de uma crise sem exemplo e com difíceis soluções.

Os portugueses não são culpados de tudo, nem responsáveis por todos os factores de crise. Só de alguns e já não são poucos. Mas são responsáveis por grande parte das soluções, das nossas soluções, das soluções que nos dizem respeito, a começar pelas políticas, pela congregação de esforços, pela criação de confiança, pela manutenção da democracia e das liberdades e pela preservação de uma sociedade decente.

As negociações políticas frágeis não anunciam nada de bom. A destruição das grandes empresas nacionais e as vendas injustificadas e em más condições de grupos, empresas e património cortaram-nos as mãos e os meios. A incapacidade de combater a corrupção e de castigar os corruptos é uma deficiência fundamental. Os absurdos termos de “limpeza” e equiparados já surgiram na boca de pelo menos dois candidatos (André Ventura e Ana Gomes), o que apenas traduz impotência e populismo barato.

As eleições presidenciais não vão resolver nenhum destes nossos problemas. Nem sequer vão definir os moldes da acção política futura. Muito menos vão determinar as condições de governação. Em muito especiais circunstâncias, podem ajudar, mas não resolvem. Em finais de Janeiro, ultrapassada que vai estar a eleição presidencial, vamo-nos encontrar no ponto em que estamos, talvez em piores circunstâncias. Mais infectados, mais desempregados e mais pobres.

Apesar de antiga, com tradição e cultura, história e património, a sociedade portuguesa está hoje pobre institucionalmente, tanto na esfera pública como na privada. Tanto na economia, como na política ou na cultura. É, no entanto, aí, que se encontram soluções e meios. No reforço das instituições, públicas e privadas, na consolidação de organizações humanas e sociais capazes de proporcionar a reflexão, de estimular a acção e de dar uma oportunidade aos esforços de construção gradual e racional.

Este próximo ano será exigente como poucos. É possível que se encontrem soluções e remédios para o mais urgente, o que permite sobreviver. Mas de nada servirá o esforço se não preparar o médio e o longo prazo. E podemos ter a certeza: só com instituições mais fortes venceremos. Golpes de sorte e de génio, habilidades e invenções de nada servirão. Instituições e liberdade, sim.

Público, 26.12.2020

sábado, 19 de dezembro de 2020

Grande Angular - Esplendorosa ficção

O balanço global do primeiro mandato do Presidente Marcelo é evidentemente positivo. Muito. Ao contrário do que tanto se diz, os seus maiores trunfos não foram os afectos, nem os seus principais efeitos foram sentimentais. Apesar do frenesim e da agitação, o Presidente trouxe serenidade às instituições. E fez com graça o que outros fariam com solenidade ou fútil popularidade.

Um dos grandes méritos do Presidente Marcelo foi e é o exercício forte e permanente da influência, sem o fazer através das oposições. Isto é, directamente com o governo, por um lado, com a população, por outro. Nisto foi muito diferente de Soares, de Sampaio ou de Cavaco. Aproximou-se dos adversários e distanciou-se dos seus, gesto em que muitos vêm o princípio da traição, mas que é a maior dificuldade na acção de um presidente eleito: ser presidente de todos.

Não exerce a influência que tem graças ao seu poder que, à partida, não tinha. Através da sua influência, conquistou poder. Fez-se sentir útil e necessário. O governo precisou dele. O Partido socialista também. E o primeiro-ministro António Costa nem se fala.

Resolveu um problema delicado: o de articular poder com influência. Já tivemos presidentes com uma e sem o outro. Ou vice-versa. Deu geralmente desastre. Ou insignificância. No seu caso, conseguiu raro equilíbrio.

Popular, combateu o populismo. Jurista, privilegiou a política. Intelectual, exprime-se com impressionante simplicidade. 

O sistema semipresidencialista, iniciado e mal conduzido por alemães, codificado por franceses, com relevo para Maurice Duverger e seguido por devotos portugueses, tem-se revelado útil de vez em quando, inútil quase sempre e prejudicial muitas vezes. Uma revisão histórica dos mandatos presidenciais portugueses mostrará um balanço complexo. Vários parlamentos dissolvidos e governos demitidos por causa da dupla legitimidade constituem um inventário pouco favorável a este sistema. A concorrência de legitimidades provocou mais danos do que êxitos. Esta dualidade, nefasta para a resolução de problemas e de crises, é de especial afecto de muitos juristas e políticos portugueses, amigos de invenções complicadas. Com esta solução, pouco original, não só porque vinha de França, mas também porque se aproximava das primeiras décadas do Estado Novo, os constituintes tentavam evitar Afonso Costa e o seu caos jacobino, mas também as tentações de Sidónio Pais, de Álvaro Cunhal e de Vasco Gonçalves. Com um pouco mais de poderes, o Semipresidente também seria antídoto contra Salazar, adepto do sistema, mas numa variante especial com ditadura do primeiro-ministro.

O primeiro grande mérito do Presidente Marcelo terá sido o de ter conseguido usar o sistema, cumprindo-o, mas colocando-se sempre do lado da estabilidade e do apoio aos poderes parlamentares e executivos. Ao contrário dos seus antecessores, quase todos, não se especializou em dar alento às oposições, nem contrariar o governo com intriga e boatos. Também não criou obstáculos inaceitáveis às leis do Parlamento e não vetou quantidade excessiva de diplomas do governo. Nem sequer, para surpresa de muitos, “plantou” notícias nos jornais ou “semeou” recados nas televisões.

Correu tudo de tal maneira que o sistema semipresidencialista fica quase reabilitado. Quase! Na verdade, o mandato e a legislatura resultaram porque ambos precisavam vitalmente um do outro, Marcelo e Costa, Presidente e Governo. Nunca se tinha ido tão longe no entendimento. A razão é simples: sem governo, sem partido, sem movimento, sem corpos intermediários e apenas em ligação directa através de abraços e de selfies, Marcelo precisava de um profundo entendimento com o governo. Teve o mérito de o perceber. E de o praticar.

Sem maioria, sem apoio parlamentar inocente, fugindo a uma coligação formal, as habilidades de António Costa alimentaram-se do apoio presidencial, sem o qual de nada serviriam. Sem maioria, prisioneiro da extrema-esquerda, com vontade de liderar um governo moderado no essencial e radical no acessório, o primeiro-ministro necessitava de um presidente. Este foi o seu sésamo e o seu pára-raios.

Com o Partido Socialista de António Costa, Marcelo garantiu uma espécie de bloco histórico (socialistas e sociais democratas, católicos e laicos, esquerda e direita moderadas) e permitiu uma longa duração ao mais esquerdista de todos os governos desde 1976. Num ciclo de queda da direita quase irreparável, Marcelo permitiu a sobrevivência de um estado de espírito e de uma memória da direita democrática.

Em algumas áreas importantes, Marcelo perdeu, não conseguiu ter influência, pelo que se distanciou: na Justiça, no SEF, no financiamento do Serviço Nacional de Saúde, na TAP, no Novo Banco… O que se lamenta, pois foram as nódoas negras que ainda hoje afligem o país. Mas tantos fiascos tiveram um lenitivo: foi de influência decisiva em certos casos dramáticos, como os de Tancos e dos incêndios de Pedrógão e de Castelo Branco.

Há ainda o caso da segurança, isto é, das Forças Armadas e das polícias, dos efectivos e do equipamento, assim como da legislação e dos órgãos de supervisão. O Presidente não pode evidentemente limitar-se a observar. Nem apenas ficar à espera, não se sabe de quê. No seu segundo mandato, espera-se que o sempre difícil problema da segurança mereça do Presidente a atenção que deve. Estranhamente ausente no recente caso do SEF.

As suas qualidades pessoais superam largamente os seus defeitos. É culto, talentoso e tem graça. Tem rara consciência do carácter europeu do país, ao mesmo tempo que guardou uma espécie de afeição pelas antigas amizades africanas. É certamente o presidente que melhor conseguiu conjugar as duas inspirações ou as duas ligações. 

A Presidência de República é, em Portugal, uma ficção. Vistosa e ilusória. Episodicamente, pode revelar-se muito importante. Dá a impressão que tem poder. Julga-se que tem enorme influência. Pode conter drama e paixão. Desperta mais indiferença do que inveja. Raramente satisfaz quem dela espera algo de decisivo. Pede-se-lhe tudo, mas quase nada se obtém. E se nada vem, também não faz mal. Não tem adeptos fervorosos, tem sobretudo áulicos e cortesãos. Mas tem desmedido poder de atracção. É uma verdadeira ficção. Que pode ser uma obra-prima, como se sabe.

Público, 19.12.2020

sábado, 12 de dezembro de 2020

Grande Angular - A Europa de dois gumes

O acordo a que os europeus chegaram esta semana agrada a toda a gente. Aos defensores do Estado de Direito, mas também aos que descaradamente violam alguns princípios, direitos e garantias. Aos países que formam uma maioria estável europeia, mas também aos que procuram excepções, como sejam os do Sul, os do Leste, os “Frugais” e os “Despesistas”. Aos que detêm o poder do livro sagrado dos valores europeus, mas também aos que criam regimes de excepção fundamentados em traços nacionais e na tradição. Mais um fim feliz para esta União, prodígio florentino de arranjos e rendilhados. É possível que assim consigamos viver mais um tempo, anos talvez, mas sabemos que se trata de novo adiamento.

No âmago dos problemas, estão, evidentemente, a questão nacional, a autonomia política dos Estados e a interpretação do ideal democrático que cada país ou família política defende. Nas principais crises europeias dos últimos anos, esteve sempre presente a questão nacional. Na Grã-Bretanha, a independência, como fundamento ou pretexto, está no centro do Brexit. Assim como com as Irlandas e a Escócia. Na Grécia, a nação foi factor de crise iminente. Na França e na Itália, os poderes nacionais estão no centro, real ou retórico, dos conflitos. Agora, na Hungria e na Polónia, os seus dirigentes tão pouco democratas recorrem ao argumento nacional, para contrariar as tendências dominantes da União. No Norte da Itália e na Catalunha, conhecem-se os contornos nacionais e regionais do problema.

Os mais importantes países europeus, assim como a União no seu todo, não souberam tratar deste tema convenientemente. E cada vez que julgam que está resolvido, regressa sempre. A galope! O êxito da direita e dos radicais franceses, italianos, austríacos, alemães e outros ficou sempre ligado à retórica nacional. E entre os radicais de esquerda, comunistas ou não, nunca falta o patriotismo: “cá em casa mandamos nós…”

Actualmente, esta espécie de patriotismo americano de Trump, que nos aflige há quatro anos, foi um bálsamo para as direitas europeias e os “nacionais” de qualquer bordo. Trump ajudou tudo e todos. Ajudou Boris Johnson e o Brexit. Ajuda a Irlanda se esta estiver contra a Europa. Ajudou os iliberais. Ajudou Orban e Morawiecki. Como apoiou Erdogan e Putin. Ajudou os que querem partir a União e enfraquecer a Europa.

Verdade é que a Europa e a UE andam a esticar há vários anos. O establishment europeu limita-se a condenar os patriotas e os nacionalistas, negando o problema. Foi o que fez com os italianos e os gregos. Com alguns espanhóis. Com os húngaros e os polacos. Com os franceses da Frente Nacional. O que é certo é que tudo quanto é antidemocrático na Europa aproveitou a oportunidade para fazer prova de vida.

É bem provável que já não seja possível classificar de plenamente democráticos os regimes em vigor na Hungria e na Polónia. Se admitirmos que a democracia e a liberdade podem ter graus, esses dois países estão certamente em défice. Os sistemas eleitorais, a liberdade de expressão e os sistemas judiciais, pelo menos, revelam já feridas indiscutíveis. Apesar de a União Europeia não ter uma medida nem um medidor, é razoável que os Estados membros e a União possam advertir esses países, dizer-lhes que passaram as marcas e ameaçá-los de represálias. Podem mesmo suspender os seus estatutos ou até expulsá-los. Tudo isso é grave, mas nada disso é surpreendente. A UE tem uma estrutura mais ou menos democrática, mas apoia-se ou reúne países democráticos. A democracia é a sua inspiração. Quem não a respeita vai-se embora, sai ou é expulso.

A imposição de regras de direito, de normas políticas e de procedimentos democráticos aceites pelos membros da UE, em países que têm uma versão própria da democracia, que tolhem a justiça, que condicionam a magistratura independente, que limitam as liberdades de informação e de expressão, é legítima e bem-vinda, mas totalmente absurda! A UE não pode vender nem impor democracia, a não ser por medidas de suspensão e expulsão. A Europa tem experiência suficiente para saber que a imposição de regras democráticas à força, com dinheiro ou exércitos, é uma receita desastrosa. Em África, na América Latina e na Ásia, nunca resultou.

Cada vez que os nossos aliados americanos, alemães ou ingleses têm uma qualquer reticência relativamente à política portuguesa e à nossa concepção de justiça, logo se ouvem reclamações de dignidade nacional e de independência. Protestamos contra a imposição de qualquer regra vinda do exterior, mesmo da União, mas, se nos faz jeito impor regras a outros, nomeadamente para receber fundos, não nos importamos com a ideia de exportar ou impor a democracia.

A UE e os seus países mais fortes não podem pretender trocar liberdades por dinheiro, democracia por fundos. As violações à liberdade ou à democracia pagam-se politicamente, não financeiramente. Acertem-se os sistemas de votação e revejam-se as condições de permanência, mas não se tente impor o direito e a democracia à força, com dinheiro.

É bom que os portugueses percebam que, se e quando chegar a nossa vez, teremos perdido a legitimidade para invocar a “dignidade nacional”. Se os países da Europa do Norte ou os países ricos da União ou qualquer outro grupo de países entende pôr em causa o valor do Estado de Direito em Portugal a tarefa é fácil. Os atrasos da justiça, especialmente em casos de corrupção; a prática impune de violação do segredo de justiça; a desigualdade de tratamento, pelo sistema judicial, dos pobres e das mulheres; o primado do Estado em qualquer processo entre os cidadãos e a Administração Pública; o mais desbragado machismo em casos de violência doméstica; a distorção, sempre desfavorável ao cidadão, do processo judicial fiscal; a existência de cláusulas secretas em alguns contratos de parceria público privada; as regalias e os privilégios de que gozam os arguidos muito ricos; estes factos chegam para pôr em causa o Estado de direito em Portugal e seriam suficientes para interromper os fluxos de fundos da União!

Ao mesmo tempo que a União deu prova de resposta concertada, no caso da pandemia, esta crise veio mostrar a fragilidade da construção europeia. Ora, mais uma vez se comprova que a Europa foi longe de mais. A União foi longe de mais. Recuar é difícil, mas vai ser necessário. Como é evidente, compete aos povos polaco e húngaro, assim como aos vizinhos do grupo dito de Visegrado e aos bálticos, guardar e enriquecer a democracia local. Como fizeram os americanos com o seu ameaçador presidente.

Público, 12.12.2020

domingo, 6 de dezembro de 2020

Grande Angular - O caso da Justiça

 A actuação do competente, intolerante e autoritário ministro Eduardo Cabrita, assim como dos seus dirigentes, designadamente da Directora do SEF, é reveladora e inadmissível. Sem explicações, sem vigor nem rigor, sem desculpas nem escrúpulos, consideram-se imunes e ao abrigo de qualquer crítica. Os seus erros são virtude e as suas falhas inexistentes.

 O caso do cidadão ucraniano detido, batido, torturado e assassinado por agentes da polícia de estrangeiros nos corredores esconsos do aeroporto já deveria ter suscitado, pelo menos, uma atitude de arrependimento, de correcção ou de julgamento. Conforme está, fica-se pelos piores terrenos, os da indiferença, do despotismo e da insuportável arrogância dos virtuosos no poder.

 

Sabemos que os tempos não são bons e não correm de feição. Toda a realidade está dominada pela pandemia. Toda a vida social e económica está hipotecada pela doença e pelas tentativas de a combater. Mal ou bem, as autoridades fazem o que podem e o que sabem. O problema é que parecem poder pouco e saber menos. Felizmente que as soluções estão a ser encontradas no quadro da União Europeia, o que permite que os países menos apetrechados, como o nosso, tenham respaldo.

 

Não sabemos como as autoridades se vão sair desta tragédia, nem sabemos como vão dirigir a campanha de vacinas para a qual não há evidentemente treino, meios e equipamentos. Por enquanto, imagina-se que haja algumas competências institucionais, boas vontades profissionais e dedicação individual, mas, como se sabe, nada disso chega para resolver o essencial: vacinar uns milhões de pessoas em pouco meses. Já se preparara o mercado negro de vacinas. Já há planos para as cunhas, os favores, as falsas prioridades, a ruptura de stocks e os atrasos injustificados. É neste terreno da organização que as causas se ganham ou perdem. E que em Portugal tantas vezes se perdem, como com os incêndios, os temporais e respectivas reparações.

 

Obcecado com a política, as sondagens e as futuras eleições, o governo entregou-se à infinita habilidade de António Costa e a uma poderosa máquina de comunicação que de tudo faz propaganda. Até da doença. O principal plano do governo parece resumir-se a uns pontos claros. Não precisar da oposição. Governar sozinho. Obter os dinheiros da União Europeia. Aguentar as sequelas do desastre económico. É pouco.

 

Da oposição, não vem mais nem melhor. Uma oposição de esquerda vendida e calculista. Uma oposição de direita desorientada e oportunista. Oposições unidas num desígnio maior: o de vigiar de perto a impotência do governo e espreitar os seus erros para aproveitar eleitoralmente. Nunca, na história recente, se viu tamanha sarna à espera que o governo falhe e que a população sofra uma tragédia. Uns esperam que a pandemia destrua o governo, outros gostariam que a impotência das autoridades se pague com uma derrota. Conhecemos a frase feita: quanto pior, melhor! É o santo e a senha das oposições contemporâneas.

 

A aprovação do orçamento foi um caso aberrante. Berros e negociações inadmissíveis, chantagens e oportunismo por excesso, perda de vista de tudo o que é essencial, com visível favor a tudo o que possa ser resolvido com as habilidades do costume. Um governo de um país em séria crise que depende, para os seus orçamentos, de duas deputadas independentes caprichosas e rebeldes, de abstenções tácticas e com reserva mental e de dádivas de medidas que se prestam à demagogia barata… Não é boa receita. Não é auspicioso. Nem bom sinal. O governo que faz estas coisas, que assim se porta, que perde de vista o que é essencial, não merece confiança nem nos dá esperança.

 

Bastavam a dívida pública, a TAP, o Aeroporto de Lisboa e o Novo Banco para exigir um governo com autoridade, maioria e estabilidade. Com a pandemia e as consequências desastrosas para a economia e a sociedade, um governo com autoridade é ainda mais necessário. Até porque não se trata apenas de resolver os problemas visíveis e urgentes, a começar pela saúde, pelas falências e pelo desemprego. Trata-se também de não perder de vista que há um país adiado, atrasado, impune, que não sabe resistir à intriga, ao roubo e à corrupção.

 

É bem possível que, um dia, vacinada a população, consolidada a imunidade e depois de feito o luto necessário multiplicado por milhares, regressemos aos nossos problemas, à economia e à sociedade, com relevo para a justiça, que não deveria ficar mais uma vez adiada ou, pior, suspensa até mais ver, sem dia marcado.

 

As intenções legislativas, excelentes mas pouco práticas, da Ministra da Justiça, no combate à corrupção, parece ficarem em terra de ninguém. Algumas novas directivas da Procuradoria-geral da República levantam as mais sérias dúvidas em quase toda a comunidade judicial. As negações de justiça de que são vítimas tantas mulheres são arrepiantes. Valerá a pena recordar os casos de Justiça? Isto é, a lista estonteante de casos não resolvidos, de casos eternos, de casos à espera, de casos sempre adiados, de casos de que não se vê fim nem solução?

 

Será que temos de esperar com indiferença pela prescrição, pelo mistério e pela decisão inconclusiva, relativamente aos casos do nosso subdesenvolvimento político e moral? Será que estamos condenados a deixar passar os processos que mais prejudicaram o país e que mais honra destruíram? Será que a falta de maioria política, a ausência de uma clara legitimidade democrática e a obsessão com a habilidade nos vão condenar a deixar passar os arguidos da Operação Marquês, os responsáveis visados pela Operação Monte Branco, os trafulhas dos Vistos Gold e os culpados citados pelas operações do BES, do GES, do Banif, do BPN, do BPP, da PT e da EDP?

 

Será que estamos mesmo condenados a ter os mais ilustres corruptos e bandidos da Europa, em cujo elenco se incluem Primeiro ministro, ministros, secretários de Estado, deputados, presidentes de câmara e vereadores, directores-gerais, secretário-geral de ministério, presidente de Instituto, chefe de polícia, magistrados de primeira instância e da Relação, alguns dos mais importantes banqueiros, gestores e administradores de algumas das mais importantes empresas privadas e públicas, oficiais das Forças Armadas e dirigentes de polícia militar?

 

A pandemia não pode ser desculpa para a injustiça. Nem para a falta de Justiça.

Público, 6.12.2020

sábado, 28 de novembro de 2020

Grande Angular - O melhor também é possível

Por entre desastres e ameaças, os últimos tempos também nos trouxeram boas notícias. A derrota de Donald Trump e a vitória de Joe Biden estão nesse número. Assim como as primeiras vacinas contra o vírus covid-19.

Os cientistas e a sua investigação acabam de prestar inesquecível serviço à humanidade. Raramente ou nunca os esforços dos profissionais e dos laboratórios chegaram tão depressa a resultados tão promissores. Sabe-se que há concorrência excessiva, com propaganda e mentira à mistura. Sabe-se que há muito dinheiro em causa e que, com a competição descomunal, se perdem meios e recursos. Que há quem exagere na demonstração de bons resultados e quem esconda as insuficiências. Que as vacinas estarão prontas para uns, mas não para todos. Que os que têm mais poder, mais dinheiro, mais reputação e a nacionalidade certa terão vacinas mais rápidas e mais eficazes do que os outros. Que há quem, pessoa, governo, empresa ou Estado, use as vacinas para obter vantagens económicas, comerciais ou políticas, legítimas ou não. Sabemos isso tudo.

Também sabemos que, para certas doenças, não se encontram facilmente vacina e tratamento. E quando ambos existem, nem sempre estão acessíveis. Sabemos que doença de pobre não tem vacina fácil nem cura pronta. Como sabemos que doença de todos ou de país rico depressa tem tratamento e vacina. E não ignoramos que, por vezes, mesmo quando há vacina, tratamento e cura, não chegam sempre a todos e a tempo. Tudo isso e muito mais não impede que o que se está a conseguir, neste ano de triste memória, é motivo de regozijo e encanto. E admiração.

Dá alegria viver com a certeza de que, em certas circunstâncias e sob determinadas condições, as capacidades técnicas e científicas estão de tal modo desenvolvidas que nos é possível ter confiança na humanidade. Habituámo-nos às missões espaciais que exigem uma precisão e uma coordenação inacreditáveis e consideramos que são banais, que qualquer um pode chegar lá. A ponto de pensarmos que a ciência e a técnica são coisas de todos, banais. É com facilidade que julgamos que uma peça musical barroca, um escultura gótica, um belo romance ou um grande filme contemporâneo são o supra sumo da criação e da inteligência, enquanto admitimos que qualquer dispositivo técnico ou um adiantamento da ciência fazem parte da rotina. De um cientista ou de um engenheiro, rapidamente diremos que “não faz mais do que as suas obrigações”, mas de um poeta ou de um pintor, não hesitamos em classificar de genial a sua obra. E assim não deveria ser.

O que uns milhares de cientistas fizeram, em menos de doze meses, sob enorme pressão humanitária, merece o aplauso universal e é credor de admiração sem reservas. E deixa-nos uma réstia de esperança, a certeza de que o espírito humano, a organização científica e o esforço dos profissionais são capazes de feitos memoráveis. São equipas e organizações como estas, em vários países, em muitas universidades, em diversos laboratórios e em diferentes empresas que nos reconciliam com o tempo presente. Não conhecemos ainda as consequências e a eficácia de tais vacinas. Nem percebemos os êxitos obtidos nas áreas do tratamento e da cura. Mas sabemos já que um grande empenho científico, sem entraves artificiais, com nenhumas ou poucas distorções políticas, produz obra de que a humanidade se pode orgulhar.

Notícias boas também as que chegam da América. Eleições muito renhidas deram uma vitória clara a Joe Biden, um sensato e cinzento democrata, contra Donald Trump, uma das maiores ameaças contra as liberdades e o equilíbrio das nações. Não foi vitória simples nem folgada. Para surpresa de muitos, os resultados eleitorais do presidente Trump foram muito altos para uma presidência tão contestada. A verdade é que foi a democracia que impediu os riscos que a democracia corria. Como é sabido, também os sistemas democráticos podem destruir as democracias e as liberdades. Uma decisão democrática não é necessariamente justa, solidária e livre. Como se sabe hoje, as democracias “caem por dentro”, quantas vezes através de processos democráticos. Como se vê hoje na Europa, na América Latina, em África e na Ásia.

Há vinte anos que a democracia conhece um processo de inversão ou de captura. Há duas décadas que forças radicais ameaçam eleitoralmente as democracias, conquistam posições nos parlamentos e até tomam conta de governos. Na América Latina, graças a eleições com demagogia e populismo, os maiores e mais ricos países daquele continente têm hoje democracias frágeis ou fictícias. Em África, quase todas as experiências auspiciosas de poder democrático fizeram uma reversão, retomando estruturas de poder violentas, procedimentos contestáveis e governos de absoluta hipoteca partidária, militar e tribal. Na Ásia, enquanto alguns países nem sequer ergueram estruturas aparentes de democracia, a maior parte recorre a esses procedimentos e na verdade os governos estão cada vez mais prisioneiros de famílias, empresas e partidos. Na Europa, países de antiga e sólida democracia vêem crescer movimentos e partidos não democráticos e antidemocráticos, radicais de direita ou de esquerda, enquanto países de novas e recentes democracias dão já sinais inequívocos de quererem, com apoio do eleitorado, aprisionar e manipular a democracia.

Estes têm sido anos de dificuldade democrática excepcional. E os democratas nem sempre parecem ter percebido ou terem meios de obstar, por vias democráticas, ao declínio da democracia. Donald Trump e os Republicanos causaram danos à democracia americana e ao mundo ocidental cujas consequências não conhecemos ainda. Felizmente que os eleitores americanos, isto é, um pouco mais de metade deles, reagiram, reduzindo assim a quatro anos pretéritos o período de verdadeira violação da democracia que se anunciava para durar muito mais. Os eleitores americanos acudiram a tempo, por pequena margem, acrescente-se, mas por vias democráticas. A mensagem enviada ao resto do mundo é clara: é possível que a América e os americanos não embarquem em períodos de democracia alucinada, quem sabe se iliberal e caprichosa. É possível, dentro da própria América, encontrar forças de resistência a todas as tentativas demagógicas que proliferam por esse mundo.

A democracia também é o regime dos não democratas. E dos antidemocratas. É a sua força. E a sua fraqueza. Dentro da democracia, está o seu próprio veneno, a sua morte. Mas também está o seu remédio. A sua salvação.

Público, 28.11.2020

sábado, 21 de novembro de 2020

Grand Angular - O pior é possível

 A coligação de esquerda promovida pelo PS de António Costa e a criação do partido Chega de André Ventura são os dois acontecimentos singulares mais importantes para a remodelação do panorama político e partidário. Em conjunto, militam seriamente a favor do pesadelo político que, cada vez mais, se anuncia como inevitável: a separação do país ao meio, esquerda e direita, ou a criação de dois blocos compactos, o de esquerda e o de direita, ou ainda a divisão dos portugueses em dois grupos irreconciliáveis, o de esquerda e o de direita.

Há, todavia, uma diferença notável entre a criação do Chega e a coligação de esquerda. A primeira surge das margens e é uma mera borbulha, enquanto a segunda emana do centro do poder e é um gesto com peso e medida. De comum, têm o facto de tentarem promover a alteração da vida política e o de estarem na origem de percepções catastrofistas do futuro do país. Já se berra por aí “abaixo o fascismo” e “fora o comunismo”!

Há anos que estava nas cartas, mas que foi sempre sendo recusado. A tão desejada bipolarização, defendida por muita gente à esquerda e à direita, não era mais do que isso. Ou antes, era uma versão do que realmente se escondia, o receio do “bloco central”, considerado este como o alfobre da corrupção, o viveiro do compadrio e a incubadora da partidocracia. Nos seus tempos mais viçosos, a defesa da bipolarização utilizava argumentos tentadores. Esclarecia a vida política, dizia-se. Ficava a saber-se melhor quem era quem, julgava-se. Terminava com as meias medidas e os meios-tons. Afastava as águas mornas e pantanosas. Ajuizadamente, nunca se fez realmente. Nem nos tempos de Cavaco Silva ou de Sócrates. Mas quase se fez nos de Passos Coelho. E agora, mais do que nunca, está aí à porta.

A divisão do país entre esquerda e direita, nas actuais circunstâncias históricas, determinará uma fragmentação partidária muito mais acentuada, assim como a divisão entre o público e o privado e o fomento da luta das classes a graus desconhecidos há quarenta anos. A bipolarização não vai permitir mobilizar interesses e classes, recursos e criatividade suficientes para idealizar e concretizar o progresso do país nas próximas duas décadas. Depois da pandemia, cujos efeitos não são ainda totalmente previsíveis, mas que serão sempre piores do que se espera, vai ser necessário um enorme esforço de reorganização e de investimento. Assim como de protecção social. E também de paz social. Não de “união nacional”, mas de convergência maioritária coesa e programática. Ora, infelizmente, nada na actualidade parece apontar nesse sentido.

Os dois mais importantes partidos da democracia portuguesa, obviamente o PS e o PSD, preparam-se para um ciclo terrível de divisões internas. Um porque não tem poder, outro porque não o tem suficientemente. Um porque se quer chegar à direita, outro porque quer rumar à esquerda. Mas isso não é importante. O que realmente conta é a percepção generalizada de que nenhum dos dois poderá jamais voltar a ter uma maioria absoluta. Pode acontecer, mas é improvável. O essencial é que os seus eleitores e os seus militantes estão convencidos de que tal não é possível. Assim, as facções internas e os grupos habituais começaram a preparar uma batalha que se anuncia sangrenta e longa. Não necessariamente ou não apenas pelo poder dentro do partido. É muito mais do que isso e muito mais importante: o que está em causa é a união das esquerdas e a união das direitas, a formação de dois blocos irredutíveis, adversários e rivais. Inimigos, mesmo. Tanto à direita como à esquerda, há quem tal não queira. Mas são minorias quase insignificantes.

As divisões dentro dos dois grandes partidos vão ser perigosas. Não parece haver, em qualquer deles, personalidade, equipa ou doutrina à altura de forjar a unidade ou de federar tendências. Além disso, os objectivos de luta não são puramente internos. Dado que são externos e dizem respeito a toda a direita e a toda a esquerda, a luta será renhida e provavelmente acabará em mais um processo de fragmentação, como ainda não houve em Portugal, mas cujos riscos são cada vez maiores.

Perigo de fascismo? Ridículo. Ameaça de comunismo? Risível. Possibilidade de aventuras revolucionárias populistas de esquerda ou direita? Certamente. Mas só terão hipótese de concretização se os dois grandes partidos, PS e PSD, não forem capazes de suster a deriva populista e a fragmentação. O Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista nunca governarão Portugal, mas, por causa deles, os dois partidos correm riscos de mutação, deslize, afundamento e descaracterização. É muito pouco provável que qualquer destes partidos tenha uma influência preponderante no governo do país. Mas têm seguramente enorme influência no pensamento e nas políticas do PS e do PSD, caso estes dois partidos não sejam capazes de resistir às suas tentações e aos seus próprios receios e não tenham força suficiente para se afirmar e defender as suas políticas. O Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, tão diferentes nas suas histórias, tão distintos na sua organização e nas suas doutrinas, poderão ter, no futuro, se os deixarem, uma enorme capacidade de destruição dos dois grandes partidos da democracia portuguesa.

Infelizmente, estes dois grandes partidos não dão sinais de terem percebido o que está em causa, nem de se prepararem para evitar o declínio, a fragmentação e a divisão. No PS e no PSD, há “anjos” convencidos de que a melhor maneira de evitar o Chega, o PCP e o Bloco consiste em trazê-los para a democracia, na convicção de que mudarão. O mais provável, todavia, é que sejam os dois partidos a mudar e a aproximar-se mais dos projectos radicais.

Nenhum dos grandes problemas nacionais do presente se esgota ou resolve com uma política de esquerda ou de direita. O Serviço Nacional de Saúde, o investimento económico, a criação de emprego e a Protecção social não se compadecem com um governo de esquerda ou um governo de direita. Também a reforma da Justiça e a da Educação exigem muito mais do que isso, do que uma política sectária de esquerda ou de direita.

A divisão da política portuguesa em dois blocos de esquerda e direita é a destruição de qualquer hipótese sensata de social-democracia e de socialismo democrático ou de democracia social. E é uma diminuição das hipóteses e da riqueza da democracia liberal.

Público, 21.11.2020

sábado, 14 de novembro de 2020

Grande Angular - Basta de Chega!

 Nunca tal se viu! Um partido, com um só deputado, provoca verdadeiros terramotos na vida política nacional! Ocupa debates parlamentares e canais de televisão, artigos de jornal e comentários de rádio. A vida política e a imprensa ofereceram assim, gratuitamente, o maior investimento em comunicação a que jamais um partido poderia aspirar.

É verdade que se trata de um partido, ou antes, de um deputado com raras qualidades de demagogo e de oportunismo e que usa com mestria uma espécie de vacuidade de pensamento com garantidas consequências epidérmicas e temperamentais. Mas nada justifica tanto barulho. Nada, a não ser os defeitos dos democratas registados e dos políticos consagrados.

Muitos democratas, como alguns do PSD, receiam o Chega e pensam que aceitá-lo é a melhor maneira de o condicionar. Muitos democratas, como alguns do PS, temem-no e pensam que denunciá-lo com veemência, como se ele tivesse votos e exércitos, é suficiente para o limitar. As esquerdas, como algumas do PCP, do Bloco e até do PS, estão convencidas de que denunciar, segregar, banir e eventualmente proibir são as soluções para este problema. Todos, por junto e atacado, consideram o Chega “uma ameaça”. Fracas entidades que assim se sentem em perigo!

É curioso que a maior parte dos que precedem não perceberam que são exactamente esses tratos que permitem que o Chega cresça! Não fosse o acolhimento que os partidos estabelecidos lhe reservam e o Chega estaria hoje reduzido a um grupelho passageiro. Todos, mais ou menos democratas, de esquerda ou de direita, incapazes de ver os seus erros e os seus defeitos, não percebem que são eles próprios, em grande parte, a causa dos Chegas deste mundo. Se quiserem encontrar algumas das verdadeiras causas do Chega, procurem em São Bento.

Realmente, o Chega não é grande coisa. Nem política, nem esteticamente. Nem doutrinária, nem culturalmente. Procurem-se argumentos e reflexão, tente encontrar-se uma doutrina, experimente-se detectar elementos de identidade e de reconhecimento e rapidamente se perceberá o imenso vazio, a inconsequência confrangedora e o comportamento reduzido a tiques previsíveis e a reflexos próprios do grau zero do pensamento.

Então, o que faz com que o Chega exista? Nasce por defeito. Quem faz o Chega? Os defeitos dos outros e os seus próprios.

Os defeitos dos outros são os erros da democracia e dos democratas. O cosmopolitismo exacerbado pela globalização fragmenta os sistemas políticos nacionais. A perda de sentido de identidade desenraíza cidadãos. Para as democracias estabelecidas, especialmente europeias, é quase crime procurar o “seu país” ou a “sua comunidade”. O desprezo pela história transforma os cidadãos em apátridas. Os sistemas políticos desumanizados vivem de artifícios, de encenação e de propaganda que põem em causa qualquer forma de sinceridade. O amor pelo dinheiro e pelo êxito a qualquer preço, próprio da economia, contaminou a política. A desigualdade social e económica crescente é particularmente severa em tempos de crise. A corrupção e o nepotismo desnaturam a democracia. A insuportável arrogância de muitos democratas aliena cidadãos e eleitores. A intolerável superioridade intelectual de tantos políticos mete medo ao cidadão comum. O descontrolo dos movimentos de populações e a impotência política perante as migrações criaram sentimentos de insegurança difíceis de contrariar. O crescente desprezo pelo trabalho e pela dignidade do cidadão na sua comunidade e no seu país reforça o sentimento de alienação. Eis algumas das causas do Chega.

Os defeitos próprios são mais conhecidos. Os ambientes de crise da democracia, da economia ou da sociedade são particularmente propícios ao surgimento de reacções salvadoras e justicialistas. Do clima de incerteza nascem pulsões regeneradoras ou vingativas. A que não faltam preconceitos e erupções irracionais. O Chega comunga desses defeitos todos, sem ter a doutrina, a solidez e a consistência de outros movimentos e grupos afins, uns de esquerda outros de direita. O Chega quer o óbvio automático: arrasar os partidos, limpar o Estado e a Administração Pública, castigar os corruptos, sanear a justiça, dar novo orgulho à nação, demitir os políticos e dar voz ao verdadeiro povo. O Chega bate na tecla do nacionalismo, o mais velho reflexo condicionado para tempos de crise. O Chega procura, em certas formas de racismo e de machismo, os necessários sucedâneos do espírito e da doutrina. Do ponto de vista do pensamento e do programa, o Chega é filho de pais incógnitos.

Dito isto, o Chega tem todo o direito à existência e à sua actividade. Mais uma vez se repete: a democracia é o regime de todos, incluindo os não democratas e os anti-democratas. Erra quem quiser banir o Chega. A livre existência de partidos políticos e movimentos não pode ter barreiras, a não ser as da lei. Esta última só pode punir, castigar ou proibir comportamentos, actos e factos ilegais, ilícitos ou criminosos. Não pode sancionar ideias, palavras, expressões ou pensamentos. Como também erra quem quiser aliar-se ao Chega. Mas essa decisão é política e quem a tomar paga as consequências.

            Como já se percebeu, socialistas e social-democratas renunciam às maiorias absolutas parlamentares de um só partido. Como fogem dos governos de “grande coligação”, procuram, cada um de seu lado, soluções para formar governo. Começam a ganhar consistência as soluções que sugerem a formação de um grande bloco da direita, incluindo o Chega e a IL, enquanto se forma um grande bloco das esquerdas, com o PS, o BE, o PCP, os Verdes, o PAN e não se sabe mais quem.

É o pior que se pode fazer! Não resolve o problema da eficácia do governo. Não dá soluções pragmáticas para a economia. Não encontra recursos para a protecção social. Reconhece a extrema-direita e a extrema-esquerda como forças integradoras da democracia, isto é, do governo. Em vez de evitar o crescimento de extremos não democráticas à direita e à esquerda, é-lhes dado alento para fazer parte dos governos. E o direito de trazer para a política nacional limites aos direitos dos cidadãos, assim como oposição à integração europeia e à política de alianças externas de Portugal.

Este é o problema. O Chega é um pretexto. Para a direita, uma tentativa de voltar a sonhar com o governo. Para a esquerda, é como quem se lava nas águas do Ganges, ou antes, do antifascismo.

Público, 14.11.2020

domingo, 8 de novembro de 2020

Grande Angular - América, América!

Com algumas notáveis excepções, como Tocqueville, Einstein, Kazan, Hitchcock ou Kissinger, os europeus nunca gostaram da América. Ainda menos dos americanos, que odeiam ou desprezam com a mesma intensidade.

Grande parte da direita europeia é ciumenta, não gosta da meritocracia, não preza a liberdade, não tem especial afecto pela tolerância nem pelo igualitarismo e despreza aquilo que considera ser a vulgaridade americana. Essa mesma direita acha que os americanos são boçais, dominadores e ignorantes. Ao lado dos americanos plebeus e sem maneiras, a direita europeia considera-se aristocrática. Democratas ou não, europeus de várias direitas como De Gaulle, Franco e Salazar, detestavam os americanos.

A maior parte da esquerda europeia detesta a América e os americanos. Estes seriam imperialistas, arrogantes, sem sofisticação cultural, barulhentos, racistas e violentos. A maior parte da esquerda europeia detesta o liberalismo em geral, o americano em particular. A esquerda europeia considera-se sofisticada e culta, despreza o que acredita ser a rudeza americana, condena a brutalidade dos americanos e critica asperamente a alegada inclinação para a violência e a pornografia de metade da América e o fanatismo religioso e ignorante de outra metade.

Direita e esquerda europeias não gostam do dinheiro, do liberalismo, da eficácia e do individualismo americanos. Esquerda e direita europeias detestam o facto de terem sido ajudados, defendidos e libertados pelos americanos nas duas grandes guerras. Esquerda e direita europeias adoram e cultivam, em segredo, quase tudo o que condenam publicamente nos americanos.

Ao afastar Donald Trump, líder popular e carismático, presidente dos EUA durante um período de excepcional crescimento da economia e do emprego (sem contar o ano da pandemia) e que conseguiu, na tentativa de reeleição, aumentar em sete milhões de votos os resultados de 2016, os eleitores americanos prestaram insigne serviço ao mundo e às liberdades, quem sabe se à paz. É verdade que sobram problemas enormes, para os Estados Unidos e o mundo, como seria de esperar. Mas o certo é que Trump era um claro obstáculo ao entendimento racional entre Estados e uma ameaça, que agora parece estar removida.

Trump é um desordeiro narcisista, mentiroso, sem escrúpulos, arrogante, machista, violento e paranóico! Certo. Mas metade dos cidadãos americanos votou nele uma vez e repetiu, com vantagem, quatro anos depois. E ninguém parece queixar-se de ter sido enganado. Entre muitos que votaram nele, contam-se milhões de mulheres, trabalhadores, agricultores, negros e hispânicos.

Não há diferenças absolutas entre os eleitorados de Biden e de Trump. Ou antes, há pequenas diferenças (idade, educação, residência, classe social, emprego, trabalho…), duas ou três mais significativas. A maioria dos “não brancos”, dos residentes nas grandes cidades e dos negros e latinos votou Biden. Nada absolutamente distinto, mas o suficiente para separar algumas áreas. Realmente distintos e definitivos são as preferências políticas. Dos que se consideram liberais, 90% votou Biden, só 10% Trump. Dos que se consideram conservadores, 85% votaram Trump e só 15% Biden. Quer isto dizer que a opinião política pesou mais do que as habituais categorias de classe, de idade, de sexo, de educação e outras.

A América pós Trump tem pelo menos tantos problemas quanto tinha antes. A América está, gradualmente, a deixar de mandar no mundo. Por razões internas e externas. Muitos americanos não querem isso. Desejam continuar a mandar, a ter uma voz especial e a ter mais peso do que qualquer outro país. E a verdade é que a América tem a força, o dinheiro, a ciência e a técnica suficientes para querer mandar no mundo e para não passar a ter uma posição subordinada ou igual aos outros. O que não quer dizer que os outros devam aceitar essa hegemonia.

Mandar no mundo tem vantagens. Em importância, respeito dos outros, bem-estar e lucros. É o que faz com que metade dos americanos queiram ter uma “América grande, outra vez” e não queiram perder tempo com o multilateralismo ou a ONU. Mandar no mundo, receber proveitos, ter interesses em todo o planeta e ser receado tem essas vantagens. Metade dos americanos não quer ceder! Trump é igual a metade da América, a esses americanos que querem mandar no mundo.

Nada de grande se faz sem grandes defeitos. Vale a pena recordar a escravatura, o massacre dos Índios, o banditismo e a violência armada que fazem parte da América? Será necessário recordar que o racismo, o machismo e a arrogância encontraram, na América, terrenos férteis? É tudo verdade, tal como o facto de a liberdade, a criação, o mérito, as letras, as artes, as ciências, os museus, as bibliotecas e as universidades terem ali terras acolhedoras e quase ilimitadas oportunidades. Como também é verdade que a justiça encontrou terra eleita, enquanto os grandes combates pela liberdade e pela dignidade das mulheres, das crianças, dos negros e das minorias ali tiveram alfobre e estufa!

O caos e os excessos desta eleição. A violência verbal inexcedível. As ameaças presentes na rua. A divisão radical da América. Os perigos das reacções dos derrotados e o vácuo doutrinário dos vencedores indiciam uma crise americana inédita. A ponto de nos interrogarmos com tristeza. Que é feito do pensamento liberal? Que aconteceu à liderança democrática do mundo? Onde está a tradição cultural do cinema americano, da grande literatura, da mais avançada ciência do mundo? Será que desaparece a capacidade de atrair gente de todo o planeta, emigrantes de todos os países, trabalhadores de todos os continentes? Que é feito da tradição americana de acolhimento de dezenas de milhões de imigrantes e refugiados do mundo inteiro? 

Onde está a tradição dos limites ao poder? Das instituições fortes, independentes e autónomas. Do poder civil. Dos “checks and balances”… Temos todos os motivos para ficar inquietos. A América, cuja decadência se anuncia há décadas, cujo fim da hegemonia se prevê há cinquenta anos, continuará a ser militarmente poderosa, assim como cientifica e economicamente muito forte. Mas tem cada vez menos influência política. Este contraste entre o excesso de poder militar e a falta de influência política pode estar na origem de crises e desastres.

Para onde foi aquele orgulho na independência das instituições que parece estar ser substituído pela sede de conquista partidária? Onde está a terra de esperança que, durante décadas ou séculos, alimentou os sonhos de tantos povos? A América sempre esteve entre Deus e o Diabo. Sempre foi Deus e Diabo.

Público, 8.11.2020

 

 

  

domingo, 1 de novembro de 2020

Grande Angular - O elogio da instabilidade

Se, dentro de um mês, as últimas exigências do PCP forem satisfeitas (e tudo leva a crer que sim), ficará aprovado o orçamento de Estado. Sem maioria, com abstenções estratégicas e despeitados votos contrários. Sem se deixar tentar excessivamente pela chantagem dos defuntos parceiros, o governo cumpriu o seu dever. Mas é pouco. 

É natural que o governo seja impotente e incompetente: a crise é tal que dezenas de outros países se encontram em situação idêntica ou pior. Por isso o futuro é uma entidade incerta, como alguns gostam, mas misteriosa, como muitos receiam. Com o que temos e sabemos, o Governo fez o melhor possível. Mas não é suficiente.

A receita foi simples: fundos europeus, benefícios sociais e habilidades. Serve para um ano. Até pode servir para uma legislatura. Mas não serve para uma economia, nem uma sociedade, muito menos um país. O Governo cumpriu os mínimos. Fez o necessário para sobreviver. Fez o que era preciso para evitar um quase desastre a curto prazo. Cumpriu. Mas não chega.

O Governo fez um orçamento com defeitos. Como não havia melhor, fica este. Como não houve mais, aprovamos este. Não é certo que fosse possível fazer muito mais e muito melhor! Países com mais recursos têm dificuldades semelhantes. Parece que ninguém, à esquerda ou à direita, propôs fazer mais e melhor. Se assim é, ficamos com o que temos. Mas convém recordar que gesso não trata cadeira partida! E penso rápido não cura infecção!

Sabemos que um orçamento não é um plano a prazo. Nem um programa de relançamento da economia. Muito menos um plano de reformas necessárias. Certo. Mas um orçamento pode apontar caminhos. Pode ser claramente a programação anual de um plano mais ambicioso. Pode sugerir uma política de investimento e uma profunda reforma da Administração Pública e da Justiça. Pode dar indicações de reformas da educação, para já não falar do Sistema Nacional de Saúde actualmente sob enorme pressão. Pode dar sinais das suas prioridades relativas ao investimento, privado ou público, interno ou externo, ocidental ou asiático. Não foi esse o caso. Este orçamento parece ser tão rico e ambicioso com um código da estrada. É o que há.

Ninguém, no Parlamento, brilhou por especial competência ou por justa ambição. Todos cumpriram os seus deveres mais curtos, limitaram-se a seguir as regras de trânsito. Perante as iniciativas do Governo, os restantes partidos mostraram que estavam ali para as sobras, na esperança de um desastre futuro. Naquela escuridão parlamentar, a luz bruxuleante do governo distinguiu-se. Foi bom para ele, mas indiferente para os cidadãos, empresários, trabalhadores ou funcionários.

Gerir a crise sanitária com um olho na saúde e outro na política dá isto: descrédito e desconfiança! Nem sequer com um olho na política de saúde ou na política económica. Apenas na política. Na política pura.

Sabemos que todos se esforçam o mais possível e que ninguém tem o monopólio da compaixão ou da solidariedade. É certo e seguro que nos hospitais, nas escolas e nas empresas se sofre e receia, como raramente na vida, ao mesmo tempo que sabemos que muitos dão o que têm e o que não têm para cumprir os seus deveres e cuidar dos outros. E temos consciência de que as autoridades, mesmo dando a impressão de que dominam os factos e controlam os cenários, estão sobretudo desnorteadas com a crise e seus desenvolvimentos. O que dá esta sensação temível de que as autoridades correm atrás dos acontecimentos e se limitam a prever o passado.

Por outro lado, a obsessão com a imagem e a disposição para vender a alma a benefício de votos nas sondagens e de “gostos” nas redes fazem com que tantas decisões sejam e pareçam inconcebíveis. A Páscoa, o 25 de Abril, o 1 de Maio, Fátima, o Avante, Fado, a Fórmula 1, o Dia de Finados, o Dia de Todos os Santos e até o Surf na Nazaré: eis um percurso inesquecível, só comparável ao das negociações orçamentais com todos os partidos à procura do momento de ruptura proveitosa, com a vontade obsessiva de não chegar a acordo com nenhum!

Sem crise, estaríamos agora a viver momentos difíceis de recuperação, de relançamento e provavelmente de instabilidade política. Com a crise sanitária, rapidamente degenerada em crise social e económica, a instabilidade é uma ameaça fatal. Que nos pode retirar meios e com a qual podemos perder tempo precioso. Sem maioria parlamentar, sem contrato de governo, sem doutrina, sem bloco social de apoio, sem capacidade de congregar, sem autoridade democrática fundamentada, sem esforço colectivo e sem programa, não é possível. Parece que ninguém pretende ceder a fim de obter as melhores condições para o país. O governo deseja que o seu poder, mesmo instável, seja o suficiente para destroçar as oposições. Estas limitam-se a esperar pela desgraça de todos e pelo desastre do governo.

Governar à bolina é sempre governar à deriva. Sobreviver com acordos pontuais. Governar com habilidade. Com manha e expedientes. Em vez de governar com programa e doutrina. E com maioria sólida e estável. O PS que sempre desejou, sem confessar, ter uma maioria, mas que cultiva o mito dos governos minoritários de acordos pontuais, tem culpas nesta cultura da instabilidade. Mas os outros partidos também. Os seus passos são sempre cálculos muito elaborados: que ganho eu com isso? O que interessa mais é o bom governo ou o desastre dos rivais? Como liquidar um pequeno partido? Como influenciar um grande partido? Todos os partidos da oposição partilham o mesmo sonho: o do desastre do governo, o famigerado “quanto pior, melhor”!

O que será preciso para que, em Portugal, as ideias de acordo de legislatura, de contrato escrito e de pacto entre partidos não sejam excomungadas e banidas dos costumes? O que é necessário para que um entendimento temporário entre rivais possa criar uma maioria parlamentar capaz de tratar de situações excepcionalmente complexas e de crises particularmente graves? É inevitável que um esforço de convergência suscite imediatamente os epítetos de união nacional, de autoritarismo ou de bloco central de corrupção? Noutros países, em outros locais, em todos os tempos, há experiências de coligação, de maioria articulada e de convergência que brilharam pela eficácia e pelo contributo que deram ao país. Em Portugal, são condenados. Para os políticos portugueses, a instabilidade é uma virtude. Pobre país!

Público, 1.11.2020

domingo, 25 de outubro de 2020

Grande Angular - A morte e a democracia

O debate em curso sobre a eutanásia acabou rapidamente por se dividir em duas discussões: uma sobre a matéria propriamente dita e outra sobre o processo de legislação.

A proposta de lei que propunha a realização de um referendo não foi aprovada. Teremos, assim, um debate parlamentar seguido de aprovação, ou não, da lei sobre a eutanásia, na sua versão final, após negociação e discussão na especialidade. O Parlamento fez bem em reprovar esta proposta. Por uma razão essencial: a pergunta a referendar estava mal formulada, designadamente porque colocava no mesmo pé eutanásia e suicídio assistido. São duas coisas diferentes, no modo e nos fundamentos. A ideia de que os referendos exigem uma pergunta clara, não tendenciosa, a fim de obter uma resposta simples que se possa formular com o “sim” e o “não”, é um requisito excelente. O tom (“matar outra pessoa”…), a equiparação de duas realidades diferentes e o acrescento da expressão “em quaisquer circunstâncias” estão ali sabiamente colocados para tornar a pergunta insidiosa.

Por outro lado, tendo em conta com as diferenças existentes entre suicídio assistido e as modalidades de eutanásia (activa e inactiva, voluntária ou involuntária, etc.), seria indispensável bem distinguir o que está em causa. É possível e moralmente aceitável ser contra ou a favor de todas as formas que precedem, ou ser a favor de certas modalidades e contra outras. Há diferenças essenciais, morais e deontológicas entre as diversas formas citadas. O que quer dizer que uma só pergunta referendável não responde às exigências. E um referendo com cinco ou seis perguntas, que ainda por cima exigem uma discussão serena, não se afigura prático. Esta é uma das principais razões pelas quais os referendos à eutanásia são discutíveis e eventualmente desaconselhados.

O problema não fica por aí. Na verdade, os argumentos dos que defendiam ou negavam a realização do referendo obrigam a uma reflexão mais complexa. Como é fácil verificar, tanto das esquerdas como das direitas e do centro, há uma espécie de padrão de comportamento. Quando o tema convém e as previsões são favoráveis, o recurso ao referendo é fácil. Pelo contrário, quando as sondagens sugerem que o resultado pode contrariar as pretensões, logo surgem os argumentos políticos e filosóficos que negam a hipótese de realizar um referendo para certos temas. Quando a maioria parlamentar é desfavorável, surge uma hipótese de referendo. Quando a vitória está assegurada, o referendo é afastado. Quando a matéria divide um partido, o referendo é a solução. Certo é que muita gente em Portugal é a favor ou contra os referendos conforme lhe convém. O aborto e a regionalização foram bons exemplos. A eutanásia também.

A democracia tem riscos. Como se sabe. No último século, foram muitos os exemplos de eleições de fanáticos e déspotas e de referendos inesperados e danosos. Acontece que eram as decisões dos povos e dos eleitorados. Veja-se o percurso de eleições e de referendos na Alemanha, na Itália, em França, na Venezuela, na Grã-Bretanha, no Brasil, no Irão, na Argélia… A história da democracia eleitoral e referendária é uma história com surpresas e desastres. Mas não deixa de ser assim mesmo: os riscos são elevados, mas os perigos de não haver eleições nem referendos são piores!

Conhecendo esses riscos, tentando não utilizar o referendo como arma oportunista e demagógica, há medidas de segurança que permitem que o recurso à democracia directa não seja destruidor da própria democracia. Por exemplo, um longo prazo (vários anos) entre a decisão e a realização do referendo pode ser uma condição eficaz para diminuir a carga emotiva excessiva ou a pulsão conjuntural que impede uma decisão serena. Outra medida de segurança é a necessária aprovação pelas instituições que devem pronunciar-se sobre a realização de referendos, assim como sobre as perguntas. Se umas dezenas ou centenas de milhares de cidadãos o pedirem, se uma maioria parlamentar estiver de acordo, se o Presidente da República aprovar e se o Tribunal Constitucional concordar com os termos, não há razão para que uma qualquer questão não possa ser submetida a referendo. Era assim que deveria ser, incluindo as normas constitucionais, os direitos e os impostos. Nem sempre é assim, infelizmente, pois a Constituição proíbe certos temas. Mas tenhamos consciência de que se trata de normas constitucionais pouco democráticas e medrosas.

Em suma, o Parlamento decidiu bem, mesmo se foi por maus motivos. Na verdade, os deputados pretenderam subvalorizar o instituto do referendo e criticar a sua utilização, quando o grande argumento era o da forma e do conteúdo da pergunta.

Quanto ao conteúdo do referendo, a eutanásia e o suicídio assistido, estão aprovados os cinco projectos apresentados. Uma lei final poderá vir a ser o resultado de negociações e de cooperação entre os diversos partidos que apresentaram os seus próprios projectos.

Nunca se perceberá o encarniçamento de alguns partidos de esquerda com a eutanásia. Não parece uma questão essencial e urgente. Nem tem especial efeito eleitoral. Mas tem aspecto de ser mais uma “questão fracturante”, daquelas (como o aborto, a objecção de consciência, o casamento homossexual, a adopção de crianças por homossexuais, a inseminação com sémen de homem falecido, etc.) que agradam a uns para incomodar outros.

Os projectos aprovados não faziam rigorosamente as distinções que deveriam ter feito: eutanásia activa (intervenção directa para pôr um termo à vida), eutanásia passiva (não fazer, interromper ou cessar tratamentos), eutanásia voluntária (o próprio exprime o desejo), eutanásia involuntária (o próprio está incapaz de decidir e é outra pessoa, médico ou não, que decide) e suicídio assistido (o próprio executa as operações, mas os dispositivos, produtos ou instrumentos são fornecidos por outra pessoa).

O suicídio assistido é a solução mais clara. A intervenção exterior é instrumental, a decisão é do interessado e a execução é do próprio. É esta a solução que melhor respeita a vontade da pessoa, o seu livre arbítrio e a sua escolha informada. Já a eutanásia, com os seus equívocos e as suas diversas modalidades, revela aspectos muito negativos, a começar pela modalidade involuntária, isto é, pela decisão sem escolha prévia do paciente.

São de condenar todos os métodos que desviam a decisão para outra pessoa que não seja o paciente. Só a decisão e o gesto do próprio respeitam as exigências de liberdade pessoal e de dignidade.

Público, 25.10.2020

domingo, 18 de outubro de 2020

Grande Angular - Médicos e professores

 Com ou sem crise, no início do ano lectivo ou em pleno período de exames, por altura das matrículas ou na época das avaliações, uma evidência parece impor-se, de tal modo é proclamada: não há professores que cheguem! Os professores estão velhos, há demasiados alunos por turma, há alunos sem aulas por falta de professores… É verdade que faltam auxiliares, os edifícios estão em mau estado… Mudam os programas e mudam os manuais… Mas um tema se sobrepõe: faltam professores!

Na saúde, há fenómenos paralelos. Fora da actual crise (em que tudo falta, evidentemente), em qualquer situação sanitária, com as gripes de inverno ou os calores do verão, com as centenas de milhares de pessoas em espera de cirurgia e consulta, na evidência de uma enorme desigualdade social no acesso aos cuidados de saúde, na polémica entre o público e o privado, na discussão sobre o orçamento ou no debate sobre as carreiras… um tema sobressai: faltam médicos! Episodicamente, os enfermeiros entram em cena: além de médicos, faltam enfermeiros. A insuficiência destes profissionais, aliás, seria a responsável pela ineficiência dos serviços de saúde. Na verdade, médico sem enfermeiro é problema.

Não é claro que outras profissões sejam afectadas pela mesma reputação de insuficiência ou de carência. Mas estes casos são clássicos e merecem conferência. Vale a pena olhar para os números e as comparações internacionais. Mesmo sabendo que se trata de médias e de categorias muito gerais e tendo a certeza de que os contextos são diferentes, as comparações são interessantes. E ajudam-nos não só a perceber, como também a fazer as perguntas adequadas. Com a ajuda da PORDATA, do INE, do EUROSTATe da OCDE, preparemo-nos para algumas surpresas.

O número de médicos por habitante pode ser um indicador do estado de desenvolvimento de um país ou da prioridade que a política confere à saúde. A média europeia é de 378 médicos por 100 000 habitantes. Num total de 27 países, Portugal figura num honroso terceiro lugar, com 515 médicos. O primeiro europeu é a Grécia, com 610, o último é a Roménia, com 301. Na Europa, com mais médicos do que Portugal, só a Grécia e a Áustria. Com menos, contam-se 23 países, entre os quais os mais ricos e com sistemas de saúde mais famosos.

O número de médicos de clínica geral mostra também realidades interessantes. Portugal encontra-se em primeiro lugar na Europa. Já na saúde dentária a realidade é menos brilhante, mas Portugal não está nos últimos lugares. Com 101 dentistas por 100 000 habitantes, Portugal está longe da Suécia (173). Onze países têm melhores indicadores do que o nosso, mas oito estão pior. O caso dos enfermeiros é diferente. Os resultados portugueses são medíocres. Com 716 enfermeiros por 100 000 habitantes, Portugal está muito longe dos 1 722 da Alemanha. Quinze países estão em melhor situação, mas ainda há sete com menos enfermeiros do que Portugal.

A despesa com a saúde é outro indicador frequentemente citado. Na Europa, doze países têm mais recursos do que Portugal, enquanto onze têm menos. Quer isto dizer que nos encontramos a meio da tabela. Mas os 1 870€ por ano e por habitante ficam muito longe dos 5 226€ da Dinamarca. Em percentagem do PIB, rácio indispensável, Portugal fica na metade superior, com oito países em melhor situação, mas dezasseis em pior. Os nossos 9,5% não estão muito longe dos 11% alemães.

Finalmente, a esperança de vida. Portugal está acima da média da UE, com 16 países revelando menos anos de esperança de vida e 15 com mais.

Com excepção do número de enfermeiros, todos os indicadores quantitativos revelam uma situação confortável, em franco progresso. São resultados surpreendentes, quando pensamos nas filas na recepção, nos tempos de espera para cirurgia e consulta, nas demoras com a Internet, no acesso tão difícil aos pobres e aos que não têm recursos para a medicina privada! O que está errado? Serviços mal organizados? Os médicos trabalham pouco? Acumulam funções no privado e no público? Os serviços e os hospitais estão mal equipados?

Na educação, há paralelos possíveis. A falta de professores é um dos temas mais frequentes em toda a discussão sobre aulas e escolas, êxito e insucesso, literacia e abandono. A falta de professores é tida como responsável pelos maus resultados, pela má preparação de tantos profissionais e pela reduzida qualificação dos portugueses. A exigência de contratação de professores é unânime.

Todavia, as comparações quantitativas internacionais não traduzem essa falta. No caso do número de professores do ensino básico (1º e 2º ciclos), Portugal fica a meio da tabela com 12 alunos por docente, abaixo da Roménia (19) e acima da Polónia (8). Com mais alunos por docente, há doze países, mas quinze com menos. No caso dos docentes do ensino secundário, há na Europa 19 países em piores condições (com mais estudantes por professor) e oito países em melhores condições (isto é, com menos estudantes por professor). O número de professores do ensino superior também não envergonha Portugal, antes pelo contrário. Na óptica dos estudantes por docente, Portugal fica no primeiro terço, com 6 países em melhores condições, mas 21 em pior situação. A despesa com educação atinge em Portugal cerca de 6,3% do PIB, o que coloca o país em quinto lugar, num total de 27.

Sabemos que os progressos, em Portugal, ao longo das últimas décadas, foram enormes. Também sabemos agora que, na saúde e na educação, certos indicadores revelam condições e realidades que não confirmam o sentimento de catástrofe e a noção de carência tão usuais. Mas também sabemos que a ineficiência dos serviços públicos, a má qualidade das prestações e sobretudo a desigualdade social no acesso são relevantes e notórias.

Com excepção dos enfermeiros e dos auxiliares de educação, a falta de profissionais não parece ser uma causa importante dos atrasos, da ineficiência e da desigualdade. Nem as percentagens da despesa no produto. Há que procurar causas e remédios noutras áreas. Na organização dos serviços? Na disciplina de trabalho? No poder excessivo das organizações profissionais? Nas relações entre privados e públicos? Na falta de autonomia e de responsabilidade das instituições? Na indiferença das autarquias? No centralismo burocrático? Na interferência do poder político? Na insuficiência dos orçamentos? Na falta de professores e de médicos não é com certeza.

Público, 18.10.2020

domingo, 11 de outubro de 2020

Grande Angular - Recursos milagrosos

Vão chegar a Portugal, vindas da União Europeia, as dezenas de milhares de milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (que designação tão estúpida!), também intitulado “bazuca” (epíteto não menos estúpido). É, para todos os efeitos, uma boa notícia e poderá ser um bom contributo para o desenvolvimento económico e social e para a democracia portuguesa.

As reacções habituais dizem tudo sobre os seus autores. Milagre! É a salvação de Portugal. Vai tudo para os trafulhas! Agora é que vai ser corrupção. Ninguém controla com honestidade e independência. Vai ser tudo gasto no curto prazo. Quem vai ficar a ganhar são os milionários habituais. Os partidos no poder vão ser os principais beneficiários. É uma extraordinária prova de solidariedade europeia. É muito mais do que o Plano Marshall. É o que a Europa deve a Portugal. Há recursos para relançar o crescimento e fortalecer o Estado Social. É mais uma solução de facilidade que alivia os portugueses, mas que também os ajuda a fazer menos pela vida.

É tudo um pouco verdade. Tanto os críticos como os entusiastas têm carradas de razão. Mas nenhuns têm só ou toda a razão.

Verdade é que nos piores momentos das últimas décadas, nos maiores apertos ou para pagar as mais desatinadas loucuras, houve sempre recursos extraordinários que ajudaram milhões de cidadãos a sobreviver e a salvar a democracia. Não há dúvidas que o essencial foi feito pelos portugueses, trabalhadores e empresários, agricultores e técnicos, militares e civis, todos eles eleitores: é seguramente deles o principal contributo para garantir as liberdades e algum equilíbrio do sistema social. Foram eles que fizeram a democracia e são eles que a têm mantido.

Mas, com que meios? Esse é o aspecto mais curioso. Os Portugueses não conseguiram produzir mais do que consumiram. Nem sequer tanto quanto gastaram. Nem investir o que era necessário. Tiveram de se endividar, já sabíamos. Mas, ano após ano, foi possível segurar as pontas soltas, estancar hemorragias iminentes e evitar bancarrotas prováveis. Houve o necessário para distribuir um mínimo indispensável à paz. Foi possível guardar um pacote para alimentar a política, a administração pública, o serviço de saúde e de educação, a segurança social e as pensões cujo número nunca cessou de se alargar e com o que se aguentou a democracia sem estremeções excessivos e perigosos. Foi possível, através dos mecanismos indesejáveis e imprevisíveis, sossegar os mais nervosos e contentar os mais ambiciosos, assim como pagar a demagogia e o desperdício.

Foi necessário pagar a revolução, a contra-revolução e a consolidação da democracia, assim como uma nova segurança social sem contribuições prévias suficientes. Foi necessário cobrir os défices externos, a produção insuficiente e o Estado social sem receitas. Foi necessário alimentar os circuitos de economia paralela e de empresas marginais. Foi necessário encontrar recursos para acalmar empresários descontentes, trabalhadores com altas expectativas e funcionários atordoados ou ambiciosos. Foi preciso alimentar os desvios de fortunas para offshore de conveniência e ajudar ministros de vários governos a enriquecer depressa.

Em poucas palavras, foi necessário manter a paz, aguentar as faltas e cumprir os mínimos, sem o que não haveria paz social nem democracia partidária. Até os revolucionários diletantes, os teóricos radicais marginais, as máfias, os capitalistas sem escrúpulos, os contrabandistas e os traficantes de influências tiveram de ser “contentados”, “cuidados” ou “tratados”, sem o que se entregariam a actividades ilícitas, conspirações políticas e actos de terrorismo ou de sabotagem.

Tudo isto custou muito dinheiro. Que foi distribuído de várias maneiras: dinheiro vivo, pensões, aumentos salariais, saúde e educação, subsídios para a habitação, rendimento mínimo, fomento da exportação, concursos públicos para obras úteis e inúteis, adjudicações directas para parcerias público privadas, bolsas de estudo e privilégios do funcionalismo público. Custou muito caro e não foi tudo graças ao esforço, ao trabalho e ao investimento dos portugueses. O crédito e o endividamento pagaram muito. Mas mesmo estes e os respectivos juros tiveram de ser pagos e reembolsados. Com que recursos se pagou tudo isto?

Em primeiro lugar, as reservas de ouro e divisas do anterior regime. Ajudaram a revolução. Financiaram o desperdício e a demagogia. Pagaram centenas de milhares de novos funcionários. Alimentaram o sistema democrático. Evitaram, em cima do risco da catástrofe, a ruína e a bancarrota.

Depois, as nacionalizações e as ocupações da banca, de empresas, de propriedades agrícolas, de edifícios e de habitações, tudo sem indemnizações. Fez-se o que as revoluções fazem, justa ou injustamente: o Estado e os revolucionários foram buscar os recursos onde eles estavam. Destruíram-se os grupos económicos portugueses e expropriaram-se os ricos, mas arranjaram-se recursos para manter viva uma base económica de produção e emprego. E um pouco de democracia.

Há ainda que contar as receitas das privatizações e das reprivatizações, muitas delas precedidas de expropriações e nacionalizações efectuadas sem indemnização prévia. O Estado democrático e o sistema político encontraram aqui recursos importantes para aguentar uma década e manter a democracia. Venderam-se, a privados e a Estados estrangeiros, as melhores empresas nacionais.

Finalmente, outro contributo excepcional é o dos fundos europeus nas suas várias remessas, desde os tempos da ajuda de pré-adesão, passando pelos famosos Fundo Social Europeu, PEDIP e PRODEP, chegando aos programas de coesão ou 2020 e agora à recuperação e resiliência. Foram muitas, muitas, mesmo muitas dezenas de milhares de milhões de euros, não produzidos pelos portugueses, nem trabalhadores, nem empresários, nem políticos.

Foram ajudas e apoios irrepetíveis. Por entre enormes dificuldades, Portugal democrático e os portugueses mantém-se graças a receitas extraordinárias e a fundos excepcionais. Alguns do passado, outros do exterior. E muitos do futuro, por via do endividamento e das parcerias público privadas. Não é bom sinal continuar a esperar pelos recursos milagrosos e não cuidar da riqueza que se produz ou da poupança que se estimula. Não se pode viver sempre ligado ao ventilador ou ao milagre. Muito menos à espera de solidariedade. Viver do alheio, do crédito e da dádiva não é um bom programa de vida.

Público, 11.10.2020