domingo, 17 de junho de 2018

Sem emenda - Simplex e proximidade nas Laranjeiras

Um dia de Junho. Dias depois da organização do festival da Eurovisão, ainda os Portugueses estão felizes com a sua modernidade. Dias antes do início do campeonato do mundo de futebol, no qual Portugal participa após um enorme esforço de talento. Ao mesmo tempo, no Terreiro do Paço, um zepelim anuncia no céu mais um avanço do Simplex na humanização dos serviços públicos.
Na Loja do Cidadão das Laranjeiras, em Lisboa, às oito da manhã, as filas de espera contam com umas centenas de cidadãos de todas as cores, feitios e idades. Alguns chegaram às cinco e meia, para marcar vez. Outros às sete, para tirar a senha. Quando a Loja abre, há longas filas de pessoas. Algumas já não serão atendidas nesse dia.
A Loja, realização de um governo socialista, logo adoptada por todos os governos desde há vinte anos, poderia ter simplificado a vida a milhões de pessoas. Uma só ida para resolver vários problemas. Alta eficiência. Absoluta coordenação entre serviços e total comunicabilidade entre instituições, dizem as leis e a propaganda. Rapidez e prontidão. O cidadão pode ali tratar da Segurança social, do Cartão do cidadão, do SEF, dos papéis para casar, do passaporte, da ADSE, da Carta de condução, do Registo criminal, das Pensões, dos Impostos, das certidões de registo civil e ainda da EDP, da NOS, dos CTT, da CGD, da Via Verde… Foram numerosos os benefícios. Há testemunhos a demonstrar os progressos conseguidos. Mas, como tantas vezes acontece, a rotina e a propaganda levam a melhor. Uma visita às Laranjeiras dá o sentido da realidade. A miséria institucional está à espreita.
Depois de horas de espera na rua, os cidadãos obtêm as senhas. Quem estava ali desde as 7H00, só às 9H10 obteve senhas com números de 95 a 150, conforme os serviços. Quem tentou às 10H00 já não conseguiu! Como era sexta-feira, “Venha segunda”! Não há maneira de obter, dias antes, as senhas com datas. Por vezes, são precisas três horas de espera só para saber o que é preciso.
Há gente a mais. Poucos funcionários para aquela gente toda. Pessoas sentadas no chão. Muitas de pé. Não há cadeiras que cheguem. Nem espaço. Em dia de chuva e frio ou de calor a 30º a situação é aflitiva.
É frequente haver problemas de tradução, de compreensão e de literacia. Em salas com centenas de pessoas, mais de metade são estrangeiros. Africanos, árabes, paquistaneses, chineses, tailandeses e o mais que se queira. Muitos brasileiros. Da Europa oriental já há poucos.
Em certos guichés, como no da Segurança social, para cerca de cem pessoas, há dois funcionários, uma para o atendimento geral, outro para aos prioritários (doentes, idosos, deficientes, grávidas…). Duas horas depois, há três funcionários para o atendimento geral, um para os prioritários. E mais pessoas à espera. Às 10H20, foi chamada a senha A034. Às 11H58, a A062. Ainda faltam 90!
Em poucas horas os funcionários ficam exaustos e nervosos. Uns mal dispostos, outros desesperados. Os cidadãos também. Seguir os números das senhas permite perceber quanto tempo de espera se tem diante de si. Quem chegou às 7H00 e obteve senha às 9H10 foi recebido às 14H50!
Na NET não há indicações sobre o que é necessário preparar, o que faz com que muitas pessoas, depois de passarem horas à espera, ficam a saber que têm de voltar. Como fazem os que trabalham com horários rígidos e não têm folga? E os que não têm em casa uma reformada, um velhote ou um desempregado para tratar destas coisas?
Os grandes sistemas tecnocráticos sustentáveis e as plataformas digitais ultramodernas, todos nossos amigos, todos de grande proximidade, têm o pequeno defeito de não perceber que há gente no fim da linha, que há pessoas de carne e osso, por vezes com pouca cultura e menos escolaridade, outras vezes com escola e leitura, a quem estes sistemas nada dizem. São pessoas que pedem ajuda. Pessoas a quem as Laranjeiras trouxeram promessas. Mas que, sem humanidade, não conseguem derrubar os muros da desigualdade. Pior: da indiferença.

DN, 17 de Junho de 2018

1 comentário:

bea disse...

Os socialistas fazem imensa coisa, mas só de língua. Porque depois se vê no que implementam a debilidade na mudança estrutural.E assim vamos andando.