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A UNIÃO EUROPEIA está num impasse. Dizem eles. Há vários anos que a Europa se encontra em crise institucional, política e económica. É impossível gerir a União. Com 27 países, as instituições estão pesadas e as regras de funcionamento são verdadeiros obstáculos à competitividade. O desenvolvimento é difícil. A Europa estaria a perder perante os Estados Unidos, o Japão e a China. Desde a rejeição, pelos franceses e pelos holandeses, do projecto de Constituição, que a palavra “crise” faz parte do discurso quotidiano e obrigatório dos dirigentes e dos funcionários europeus. A União não fala a uma só voz. É preciso mais Europa. Mais União. Dizem eles.
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Por isso, os governos da União preparam-se para aprovar, esta semana, em Lisboa, ou mais tarde em qualquer outra capital, a absurda Constituição, ora rebaptizada de Tratado. Os referendos negativos deixaram marcas. Refez-se uma Constituição, praticamente igual à anterior, como garantem os seus autores e se pode verificar nos textos já disponíveis. O Tratado é tão diferente da Constituição derrotada com um ovo branco é diferente de um branco ovo. No essencial, em tudo o que importa, a Constituição é a mesma. As mais importantes diferenças residem, por um lado, no nome. Por outro, no método. Isto é, os governos vão tentar tudo o que estiver ao seu alcance para não realizar mais referendos e não correr mais riscos. A elaboração deste Tratado foi feita em circuito fechado. A discussão em segredo. A aprovação será furtiva. Para os dirigentes europeus, a União é mais importante do que a democracia. E a Europa mais importante do que os povos europeus.
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Evitar os referendos, despachar a aprovação do Tratado e contornar o debate público são as prioridades de quase todos os dirigentes europeus. Que não se esquecerão, depois, de carpir sobre o “défice democrático europeu” e a “distância crescente entre dirigentes e cidadãos”. Portugal, em especial, tem os mais medíocres pergaminhos democráticos. Nunca o povo se pronunciou sobre qualquer decisão relativa à Europa, nem a adesão, nem os grandes tratados. Assim continuará. Está definitivamente assente que todas as questões europeias se resolvem de uma só maneira: com dinheiro. Um dia se perceberá que os fundos não resolvem e que o dinheiro não compra tudo.
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Salvar a União da crise parece ser a grande causa que inspira os seus dirigentes e que os leva a tentar convencer os seus concidadãos. O problema é que eles mentem descaradamente. Tanto os membros da Comissão, como os Primeiros-ministros. Ou antes, fazem propaganda enganosa e oferecem ilusões. Na verdade, a Europa vai bem. A União também. Nestes anos de “crise”, a Europa tem-se portado bem. Sem Constituição, sem federação, sem presidente, sem ministro dos negócios estrangeiros europeu e sem as novas regras de funcionamento, a União e a Europa viveram em paz, sem riscos evidentes. Exibem (com a excepção de Portugal) taxas de crescimento económico interessantes. Quase todos os seus membros (com excepção de Portugal) conseguiram reduzir o desemprego. Cumprem, melhor do que os outros, os objectivos ambientais. Estão a realizar, uns devagar, outros mais rapidamente, reformas da segurança social e dos sistemas de saúde pública, duas das maiores dificuldades de todos os Estados providência. Foi-lhes possível, sem desastres nem querelas fatais, tomar posições diferentes, muito diferentes, a propósito da guerra do Iraque. Em conjunto, estão a tomar a dianteira no esforço humanitário no Darfur. Em conjunto, tomaram iniciativas interessantes no Próximo Oriente. Alguns dos seus membros, especialmente a Grã-Bretanha, têm mesmo conseguido, sem Constituição europeia e sem euro, crescer economicamente e progredir socialmente mais do que vários dos seus parceiros. A União tem resistido bem aos efeitos negativos ou ameaçadores da globalização, da deslocalização de empresas, da desregulação de vários mercados e da concorrência de países de trabalhos forçados. Mesmo a ovelha ranhosa da União, Portugal, cuja economia cresce pouco e cujo desemprego sobre muito, tem um razoável estado de saúde. Tudo isto, sem Constituição, em “crise” e a viver num “impasse”!
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Ainda não se sabe se, nesta semana, os Primeiros-ministros conseguem ou não ultrapassar as reservas da Polónia e da Grã-Bretanha, além de outras menos faladas. Mas essas discussões são já o prato do dia destas reuniões. E as dificuldades processuais ampliadas são parte integrante da encenação europeia, cujo desígnio é o de desviar a atenção para estas peripécias, a fim de convencer os cidadãos dos grandes feitos levados a cabo nestas reuniões. As “grandes vitórias” de Sócrates, de Sarkozy, de Merkel e de todos os outros serão anunciadas brevemente. Tarde ou cedo, haverá acordo e Tratado. E quase todos estão disponíveis para evitar os referendos e proceder assim, sem a voz dos povos, à liquidação dos parlamentos nacionais. Estes serão, de futuro, tão importantes como uma Associação de Antigos Estudantes ou como a Confraria do Besugo. Os dias que aí vêm são o princípio da morte da democracia nacional. Sem que haja uma democracia europeia que a substitua e a melhore. É pena que a presidência portuguesa seja a agência funerária. Que o Primeiro-ministro português seja o mestre-de-cerimónias. E que o cangalheiro, presidente da comissão, seja também português. Triste vocação!
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«Público» de 14 de Outubro de 2007-c.a.a.
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