É sempre impressionante ver a
maneira como, mau grado os sinais e apesar dos avisos, povos, Estados ou
pessoas podem caminhar para o precipício ou o desastre. Fizeram-se guerras, destruíram-se
vidas, perderam-se liberdades e caíram regimes democráticos. No entanto, muitas
vezes, sabia-se, percebia-se antes… E havia quem tocasse música! E quem não
parasse de se divertir! E quem perdesse tempo com questiúnculas… Talvez não estejamos
em vésperas de grandes tragédias, mas caminhamos tranquilamente para o
desastre.
As transferências para os offshore estão na origem do que será talvez
o mais grave gesto suicida da direita portuguesa. A decisão deliberada de
poupar os grandes capitais e de lhes permitir uma via de fuga e folga, um
caminho expedito para o abrigo e o refúgio ao fisco, com conhecimento do
governo, com identidade… Não se sabe ainda quanta malícia, quanto dolo e quanta
intenção residem nas decisões, na falta delas, nas “falhas do sistema” e nas
tentativas de ocultação. É mesmo possível que o crime seja menor do que se
pensa e se reduza a esta espécie de naturalidade inventada pelo capitalismo
financeiro e que consiste em julgar que é legal, impune e moralmente aceitável
tudo quanto aos mercados diz respeito! A direita pensa que tudo lhe é devido. E
permitido. Tão cedo, não terá a direita portuguesa o benefício de nova
confiança e de algum crédito. Estas operações têm vindo a ser conduzidas com
tanta perícia, por parte do governo e das esquerdas, e com tanta estupidez, por
parte das direitas, que se apagou o papel desempenhado pelos socialistas nos
anos da brasa dos governos de Sócrates relativamente ao grupo Espírito Santo, à
PT, ao BCP ou à Caixa.
Esta espécie de suicídio da
direita é de tal modo evidente que permite ao Governo e aos seus aliados
desencadear um ataque, há muito planeado, contra o Banco de Portugal e o
Conselho das Finanças Públicas. Os governos não gostam de entidades
independentes. Este não é pior do que os outros. Mas também não é melhor. É da
mesma raça de invejosos e déspotas!
Não é só internamente que se
evidencia esta jornada para o desastre, esta maneira de gastar o tempo e os
recursos com futilidades. Na Europa e na União, como é sabido, esta caminhada
desnorteada é chocante e perturbadora. Basta pensar no próximo acto pomposo: a
fim de comemorar os seus 60 anos, a União reúne-se em Roma dentro de dias. Para
a ocasião, o presidente Juncker anunciou a publicação de um “Livro branco”.
Analisado o seu conteúdo, o que se pode dizer mais apropriado é que o livro vai
mesmo branco…
Nunca se viu resolver crises
globais, de política e de destino com cinco cenários! Parece uma associação de
jovens gestores em preparação para um concurso internacional de Play stations e
estratégia! A três semanas da cimeira de Roma e a dias de aprovação de uma
declaração formal de relançamento da União, a apresentação solene, em
Parlamento, de uma colecção de cinco cenários é o mais impressionante atestado
de impotência e de desorientação que se pode imaginar! Nos Estados Unidos e na Rússia,
Trump e Putin preparam-se para apertar os europeus. Entendem ambos que podem encostar
a União ao muro e traçar as suas fronteiras de interesses e as suas
cartografias de intervenção sem ter em conta com uma Europa em crise. Na Ásia,
uma poderosa China saboreia os seus novos poderes e ignora seraficamente avisos
que lhe são dirigidos em nome da liberdade e dos direitos humanos. Dentro da
União, nunca se viveu um tempo como este: ninguém quer entrar, vários querem
sair. Ninguém quer o que está, ninguém sabe o que quer. As eleições nacionais
de seis países vão ditar o futuro dos 27. Na verdade, as eleições em dois ou
três vão ditar o destino de todos. Mas, no deck, à beira da amurada, a
orquestra continua a tocar a Ode à alegria.
DN, 5 de Março de 2017
2 comentários:
AB defendeu, e ainda defende, a austeridade levada a cabo pelo anterior governo, admirando a resistência de Passos & C.ª. Esteve do lado errado. Não vamos esquecer.
Agora não vale mudar de agulhas… Para isso está cá o sempre disponível sorumbático.
“Os governos não gostam de entidades independentes. Este não é pior do que os outros. Mas também não é melhor. É da mesma raça de invejosos e déspotas!”
Uma vez que o Dr Barreto já foi membro de governos deste país, é caso para perguntar:
- António Barreto é de que raça?
Um alarmista e catastrofista que serve os interesses da direita portuguesa e que continua a pensar que a direita é a “estrada real” e a esquerda “o lado errado da vida”?
“A direita pensa que tudo lhe é devido. E permitido.”
Fantástico, AB! Fico comovida com tanta sinceridade! A direita está, não é verdade?
Está no centro do furacão da crise financeira, económica e política de Portugal e UE.
Hummm… Irá chover?
É assim mesmo, o teatrinho da UE, com escolha de cenário e tudo, para entreter os europeus - ou a eles mesmos, participantes no fogo fátuo.
E eu a julgar que, em prol do país, podiam esquerdas e direitas, por uma vez, unir-se. Mas, com as suas vicissitudes, tem sabor agradável esta nossa união das esquerdas.
Enviar um comentário