O acontecimento não tem
precedentes. Dois ministros de um país da NATO e candidato à União Europeia
foram impedidos de entrar na Alemanha e na Holanda, países membros de ambas
organizações, assim como de realizar reuniões com os seus concidadãos.
Pretendiam falar em comícios relativos a um referendo constitucional que vai
realizar-se na Turquia. Os habituais protestos europeus, de esquerda ou de
direita, foram praticamente nulos. O presidente Turco tratou os alemães e os holandeses
de fascistas.
Com 75 milhões de habitantes, um
dos maiores exércitos do mundo, bases americanas activas (equipadas com bombas
nucleares) e uma posição de charneira importante, a Turquia e o seu presidente
Erdogan têm má imprensa e má opinião pública. Porque são turcos, porque são
muçulmanos, porque são de direita, porque o regime é quase uma ditadura e porque
os europeus não os querem na União. Mas também porque há muitos turcos na
Holanda (400.000) e na Alemanha (3.500.000) e porque o tema dos imigrantes,
especialmente muçulmanos, é muito sensível em ano eleitoral.
A complexidade do problema
explica o silêncio. A esquerda calou-se, envergonhada, porque simpatiza com os
muçulmanos e com os imigrantes, porque lhe custa defender a ideia de que os estrangeiros
“de direita” possam fazer reuniões políticas no estrangeiro, porque não gosta
de Erdogan e porque espera que a Turquia fique com os refugiados que estão lá
depositados. A direita calou-se, envergonhada, porque não gosta de imigrantes, porque
não gosta que muçulmanos façam reuniões políticas nos países de acolhimento e porque
espera que os refugiados depositados na Turquia lá se mantenham. Ambas,
esquerda e direita, preferiram o silêncio: era problemático defender os
direitos dos estrangeiros ou dos muçulmanos. Ou dos Turcos.
A questão é difícil. Já se pensou
no que aconteceria se os manifestantes fossem Judeus, Palestinos, Ucranianos,
Russos, Sírios, Iranianos, Arménios, Chineses ou Angolanos? A favor ou contra
os seus governos? A favor ou contra as políticas dos países onde residem? Com
ou sem colaboração dos governos dos países de origem? Os estrangeiros são
legais ou ilegais? A favor ou contra a democracia? Ajudam ou dificultam as
relações entre os Estados? Põem em causa outras minorias? Como é evidente, a
questão é grave e complexa.
Os países europeus reagiram por
conveniência. Sem política geral, nem leis adequadas. Mas essa não é a solução.
Os critérios não podem ser de conveniência, isto é, conforme os manifestantes,
os países estrangeiros ou a cor dos governos.
Há quarenta anos, os estrangeiros
não podiam “fazer política” nos países europeus. Na maior parte, pelo menos.
Nem em relação ao país de origem, nem a propósito de assuntos nacionais locais.
Depois, veio a União, o alargamento, a livre circulação, Schengen, as migrações
em massa, a globalização, o reconhecimento de novos direitos, a possibilidade
de muitos imigrantes votarem em eleições locais e a faculdade de imigrantes
votarem por correspondência nas eleições dos seus países. Além da generalização
da dupla nacionalidade. Por cima de tudo, houve uma tolerância crescente das
democracias europeias. Já se fizeram reuniões, comícios e manifestações de toda
a gente, de todas as origens e a propósito de tudo! Por isso, o que aconteceu
agora é de gravidade imensa. Até talvez haja motivos para defender o que se
fez. Mas a via era a da diplomacia e a da lei.
Não chega afirmar que Erdogan é
um ditador ou quase. Já vieram à Europa dezenas de ditadores muçulmanos,
eslavos, asiáticos, africanos e latino-americanos. Não seria novidade, nem esse
é o critério. Também não chega declarar que não é oportuno, dada a realização
de eleições locais: os direitos dos cidadãos não se alteram com a proximidade
das eleições. A Europa tem de reapreciar a questão dos direitos políticos dos
europeus e dos não europeus e de tomar decisões sérias e dignas, não erráticas,
ao sabor das conveniências e das negociações de circunstância.
DN, 19 de Março de
2017
1 comentário:
Quem defende os valores da direita (liberal), apesar de, por nostalgia, manter o sentimento de pertença à família da esquerda, sabe que tanto a sociedade alemã como a holandesa são sociedades liberais. Sabe também que os holandeses são liberais há muitíssimo tempo e não recebem lições de qualquer newborn sobre esta matéria. Ambos os países são governados por políticas de direita liberal respeitadoras dos Direitos Humanos, regras da UE e convenções internacionais.
O mesmo já não se poderá dizer da Turquia. Como se sabe, a sociedade turca fez, entretanto, marcha atrás na secularização; Erdogan é um déspota, qual sultão do Império Otomano, e o partido que lidera e o mantém no poder parece ter carácter islamita. Assim, apesar de integrar a NATO, a Turquia nunca entrará na UE.
Por isso, nós, enquanto UE, não devemos ter complexos de qualquer espécie em relação aos turcos e não nos devemos submeter a tiranos, por maiores que sejam as suas ambições e os seus exércitos!
Na Europa, nunca vi governantes de um país a deslocarem-se a outros com o objectivo de fazerem aí, junto de concidadãos emigrados, comícios e manifestações no âmbito de uma campanha eleitoral da política nacional. Não confundir, por exemplo, com as reuniões de alguns dos nossos políticos com as comunidades de emigrantes portugueses espalhadas pelos quatro cantos do mundo.
Aos mais distraídos convém lembrar que os governantes turcos foram contrariados nas suas pretensões pelas autoridades daqueles países, mas, mesmo assim, avançaram. Com provocação! À turca!...
Na hora, a Alemanha e a Holanda fizeram o que estava certo.
3 500 000 turcos na Alemanha?! Humm… Com menos, tomaram Constantinopla!...
Sílvia
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