domingo, 15 de novembro de 2015

Deixem-se de invenções!

Os tempos continuam estranhos! Quase ninguém sabe ou prevê o que pode acontecer. Os mais ousados atribuem aos protagonistas ideias sofisticadas e planos maquiavélicos com que nem os próprios, geralmente simplórios, sonhariam sequer.

As coisas simples vão-se impondo às complexas. Depois de variações insólitas, Cavaco Silva deu posse a Passos Coelho e coligação. Após vicissitudes esperadas, o governo foi reprovado na Assembleia. Esta, depois, mau grado um debate áspero e histriónico, retomou o seu torpor.

Após uma ronda geral de entidades, instituições e outras forças vivas, o Presidente da República, que se esforça por que pensem que ainda é indispensável, dará posse, espera-se, ao governo mal amanhado de António Costa. O arremedo de governo está escorado em três acordos feitos em post it, assinados à sorrelfa, entre duas cadeiras e numa sala devoluta de andar desocupado.

Entretanto, também à socapa e quase na clandestinidade, o governo assina o contrato final de venda da TAP, no que é logo acusado pela esquerda de, pelo menos, crime e inconstitucionalidade.

Não teremos, espera-se, governo de gestão, solução onírica de amantes de chá de tília e de pessoas que querem dar nas vistas pela excentricidade das suas opiniões. Quando se pensava que as coisas se preparavam para seguir o seu rumo, eis que o Presidente vai de visita à Madeira, com o que espera mostrar que tudo é normal. Mas revela que quem deveria saber mais, está, na verdade, temeroso e hesitante.

Melhor ainda, um Primeiro-ministro demitido propõe, destemperadamente, que se faça uma revisão constitucional de emergência, a fim de convocar novas eleições de urgência, a ver se desta vez tem uma maioria absoluta. O PSD não tem meios, votos, razão, tempo nem jeito para pôr em prática este disparate, mas não deixou de dar nas vistas.

Talvez assim se chegue ao governo eventual, dito de Costa ou dos Socialistas, que se vai preparando nos corredores. Já começaram os boatos sobre figuras de proa. As ideias e as políticas deste eventual governo são coisa mais misteriosa. Os acordos assinados pelos signatários revelam as imposições do PCP e as exigências do Bloco a fim de consolarem as clientelas. São cortados os cortes e devolvidas as taxas. São pagos os aumentos e aumentados os subsídios. É distribuído o que estava retido e gasto o que estava poupado. Com que recursos, não se está a ver. Estes acordos são a rendição do Partido Socialista.

Tente saber-se o que pensam os três partidos e meio da corrupção. Nada. Procure-se um esclarecimento sobre a reforma do Estado e da Administração Pública. Não há. Indague-se este bloco de apoio ao eventual governo sobre as grandes opções para a Educação e a Saúde. Nem vê-las. Esforce-se por conhecer os objectivos e os compromissos relativamente à mais séria de todas as reformas, a da Justiça. Não conseguirá. Investiguem-se os fundamentos e os recursos para a mais urgente necessidade do país, um programa de investimentos. Nada se encontrará.

A base programática deste governo eventual não presta. O compromisso político dos partidos que o apoiam não serve para quase nada. As intenções de cada um dos partidos que formam este bloco são as piores e as mais dissimuladas que se pode imaginar. Os objectivos destes aliados são inconfessáveis, eventualmente sinistros. O que se pode esperar em segurança e credibilidade é uma quantidade homeopática. Mesmo assim, o governo tem de ser feito e tem de ser empossado. Quem tem de estar de acordo com o programa do governo é o Parlamento, não o Presidente da República. Não dar posse seria ainda pior. A democracia é capaz de grandes disparates. Mas também de correcções. É mesmo a única maneira de corrigir erros: com democracia.


DN, 15 de Novembro de 2015

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