Já lá vão sete semanas e ainda
não temos governo. Virá em breve. E será aquele que deve ser e é provável, o
dos socialistas com apoio da extrema-esquerda. Esta demora absurda não tem uma
razão justa, nem sequer a certeza dos procedimentos tranquilos que devem
fundamentar a democracia. A culpa destes atrasos reside em causas remotas, na
tradição burocrática, na desconfiança que reina na politica portuguesa, no
receio que todos têm do despotismo dos outros, na inclinação de cada um para o
comportamento tirânico e na falta de história democrática. Mas a culpa do
atraso também reside em causas imediatas, nos comportamentos dos políticos que
temos, na imperícia do Presidente da República, na voracidade do PS, no
oportunismo do PCP, na amoralidade do BE, no parasitismo do PSD e no medo do CDS-PP.
Por culpa dos que precedem, talvez
Portugal nunca tenha estado, em democracia, tão dividido como hoje. Partidos,
classes sociais e instituições. Não há pontes nem vias de diálogo, só berraria.
Os partidos não procuram o confronto, mas sim a guerra. Assistir a uma sessão
parlamentar, das bancadas ou na televisão, é confrangedor, entristece quem
tenha atracção pela urbanidade democrática. Percebe-se que nada daquilo ajudará
o país. Há dois pesos e duas medidas: o que “nós” queremos é sempre bom,
verdadeiro e justo, o que “eles” desejam é sempre errado, corrupto e falso. Os
critérios supremos, naquele hemiciclo teatral, são as relações de força, acima
da lei, acima da moral e acima do costume. Nestas condições, a democracia é
difícil.
Os políticos de esquerda acusam o
Presidente de intruso e de lacaio da direita. Acusam-no impunemente de inconstitucionalidade.
A esquerda acusa a direita de ilegitimidade e nada acontece. A direita acusa a
esquerda de comportamento ilícito e nada acontece. Os partidos usam uma
linguagem crispada, com intenção de difamar e excluir. Descrentes na
autenticidade das suas ideias, os deputados só argumentam com a ilegitimidade e
a ilegalidade, o que repetem como araras. Os partidos nunca reconhecem as
diferenças entre uns e outros, acusam-se simplesmente de ilegítimos e intrusos.
Ora, o actual governo pode não ter condições políticas, mas ilegítimo não é. O
próximo governo pode não prestar, mas ilegítimo não é. O Presidente da
República pode já não ter condições politicas para uma acção de relevo, mas
intruso e ilegítimo não é.
A democracia tem limites. Os da
lei. E os da moral. Mas também tem obstáculos e factores favoráveis. O analfabetismo
é um obstáculo. Como é a falta de experiência. Ou a formação intelectual das
elites. Quanto às condições favoráveis, é indiscutível que o desenvolvimento
económico ou o grau de cultura ajudam, assim como uma Justiça competente. Até
um sentido de cortesia e de decência ajuda. Em Portugal, a democracia é possível.
Talvez até provável. Desde que se removam obstáculos e se cultivem os factores
favoráveis. Se as elites… Se o desenvolvimento económico… Se a União europeia…
Se os partidos políticos… Se a Justiça… Se os grupos económicos… Se a Igreja…
Se os sindicatos… Se… A democracia será possível. Difícil, mas possível.
DN, 22 de Novembro de
2015
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