A Penitenciária de Lisboa é um
belo edifício do século XIX, feito a partir de um projecto várias vezes
repetido. Trata-se do modelo de um arquitecto inglês, John Haviland, que o
desenhou primeiro para os Estados Unidos, depois para outros países europeus. O
modelo tem nome: sistema de Pensilvânia ou de Estrela. A forma em estrela de
seis pontas é a origem do seu nome. Um romance vagamente autobiográfico de
Álvaro Cunhal tira daí o título. Há mais de cem anos que se fala desta prisão,
tida, nos anos 1900, como modelo de modernidade. Rocha Martins e outros
escreveram sobre ela. A “Ilustração Portuguesa” dedicou-lhe páginas e
fotografias. Na sua juventude, esta Penitenciária seria quase um modelo. Muitas
décadas passaram e já houve, todavia, quem se queixasse das condições de
habitabilidade dos que lá estão e de espera dos que lá vão.
Passo por ali, pela rua Marquês
da Fronteira, com frequência. A certas horas do dia, não falha: há sempre uma
fila de espera. Umas vezes dez pessoas, outras quarenta. São as mulheres dos
presos. Também as mães, quem sabe se as filhas, mas sobretudo as mulheres e as
namoradas. Em maioria africanas, ciganas, romenas e brasileiras. Percebe-se
pela roupagem, pela maneira e pela fala. De Verão e de Inverno, com quarenta
graus ou dez, com vento e chuva, com sol a escaldar ou frio, ali estão elas,
sem resguardo, sem sala de espera, sem poiso, sem uma cadeira para descansar, à
vista de todos os que passam, no que é uma espécie de última humilhação: além
do marido preso, têm de ser vistas pelos passeantes…
Não haverá, dentro de tão vasto
edifício, um poiso? Um abrigo? Uma sala de espera? Um recanto com umas
cadeiras? Um alpendre sem vento nem chuva, sem frio nem sol a escaldar? Será
assim tão difícil encontrar um pouco de conforto e de humanidade? Será assim
tão difícil tratar as pessoas decentemente?
Livro de reclamações - DN, 22
de Novembro de 2015
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