Já sabíamos que os partidos, nas
últimas eleições, não afirmaram simpatia pelos adversários, antes pelo
contrário, elevaram o insulto à categoria de joalharia. Também sabíamos que, na
hipótese de uma possível ausência de maioria absoluta, nenhum se predispôs a uma
coligação ou viabilização de governos alheios. Lembramo-nos ainda dos partidos
que revelaram com orgulho que votariam contra qualquer governo ou orçamento que
não fossem o deles. Recordamos finalmente a virulência dos ataques do PCP e do
Bloco contra o PS.
Desde o dia seguinte às eleições,
cada um inventou a sua maioria de fantasia: do bloco central (69%), de esquerda
(62%) e de quase todos contra a extrema-esquerda (81%). Como é evidente, todas
essas maiorias são artificiais: não se pode considerar uma maioria uma aliança
não previamente anunciada, nem sequer indiciada. Nenhuma maioria se exprimiu
realmente contra, nem a favor, do governo ou da esquerda. Quer isto dizer que
se está a trabalhar com despojos e programas de circunstância, em nome de
exigências práticas. Nesse sentido, o Presidente Cavaco Silva errou, ao
designar um “procurador” em vez de um “formador”. Contribuiu para a criação
deste tempo alucinado que vivemos. Ele também não pode, aliás, exigir que lhe
garantam antecipadamente o apoio parlamentar a um governo. Isso só se sabe no
Parlamento. Bem sei que é uma ficção, mas, em princípio, os deputados são
livres de votar como entendem. E como tal devem ser tratados.
Havia soluções simples e
compreensíveis. Por exemplo, o partido mais votado, PSD, convidava o segundo
partido mais votado, PS, para uma “grande coligação” de governo e um
“compromisso histórico” que permitissem a saída do ciclo de austeridade, o início
de um período de desenvolvimento e a preparação de projectos de investimento. Teríamos
assim um governo formado pelas duas forças com mais representatividade: o PSD,
o partido que mais fez pelo combate à bancarrota; e o PS, o que com mais
equilíbrio lutou contra os exageros da austeridade. Esta solução não foi
desejada pelo PSD, nem pelo PS. Tudo fizeram para a tornar impossível. Por
motivos menores, por ambição e por sofreguidão. Estes dois partidos ficam
responsáveis pelo que se segue. Instabilidade, agitação social, algazarra, fuga
de capitais, estagnação do investimento, deriva na Administração Pública e
desordem na Justiça.
Seria bom que se visse, nos
programas do PCP e do Bloco, o que estes partidos pretendem do futuro de
Portugal, da democracia em geral, da democracia avançada em particular, da
União Europeia, do Euro, da NATO, da iniciativa privada, do investimento
internacional, do endividamento externo, da negociação da dívida… O PCP, que já
derrubou dois governos socialistas, foi durante quarenta anos um seguro de vida
da direita. A impossibilidade genética de aliança dos socialistas com os
comunistas dava, sem justa causa, uma “folga” aos partidos de direita. Mas era,
do ponto de vista da democracia, razoável. Na verdade, o PCP não faz parte das
soluções democráticas. O PCP integra o sistema democrático, pela simples razão
que a democracia é o regime de todos, incluindo dos não democratas. Essa é a
força da democracia, por vezes a sua fraqueza. Mas o PCP nunca deu provas de
considerar a democracia algo mais do que uma simples transição para o regime
comunista, passando por uma democracia avançada, cujos horrores são conhecidos.
Enquanto o PCP se mantiver fiel a tudo quanto o fez viver até hoje, deveremos
tratá-lo como todos os comunismos e fascismos: combatê-los com a liberdade. A
ter que ficar nas mãos de alguém, prefiro mil vezes os credores aos comunistas.
Destes, sei que não se sai vivo, nem livre.
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DN, 18 de Outubro de 2015
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