O modo como os chefes de partido,
que se julgam donos dos deputados, se referiram ao Parlamento, diz tudo sobre o
papel desta instituição. Afirmaram o que lhes convinha, sobre um futuro
governo, sem jamais ponderar a hipótese de que o voto livre de um deputado não seja
totalmente previsível. Até o Presidente da República apelou aos deputados para
votarem de uma maneira ou de outra. Na direita ou na esquerda, o desprezo pelos
deputados sempre foi uma constante. Ora, mesmo que votem com disciplina, como
fizeram para eleger o seu Presidente, têm de ser ouvidos. O problema é que o
Parlamento não passa de uma comissão interpartidária para resolver
formalidades.
A “disciplina de voto”, regime
anticonstitucional, vai vigorar em pleno a partir de agora. Não é novidade que
o PC e o Bloco desprezem a independência dos deputados. Mas custa a ver o PS
alinhar pela mesma medida. Este desprezo pode ir a extremos inéditos: Costa
está pronto a fazer governo, baseado num acordo que ninguém viu, nem
Presidente, nem deputados. Nem o PS! Muito menos o povo.
A décima terceira legislatura
começa da pior maneira. A fractura entre a esquerda e a direita é total. As
acusações mútuas são absolutas. A oposição da esquerda ao Presidente da
República é ríspida. A intervenção deste, na véspera, foi desastrada. O PC
trata o PR de “subversivo”. Os deputados do PS designam o comportamento do
Presidente de “ilegítimo” e “anticonstitucional”. Os hábitos dos comunistas já
contagiaram os socialistas. A primeira intervenção do presidente da Assembleia,
Ferro Rodrigues, foi desastrosa.
Depois da inquietação, chegámos à
incerteza. O Presidente indigitou Passos Coelho. Fez bem. Este, se não
desistir, vai apresentar-se ao Parlamento. Faz bem. O Parlamento deverá
rejeitá-lo. É seu direito. Seria um governo de minoria frágil. Se não lhe passar
pela cabeça manter o governo em gestão durante meses, o Presidente deverá
designar um segundo Primeiro-ministro, que, tudo leva a crer, será António
Costa. Faz bem. O enorme erro do governo de maioria de esquerda não se corrige
com o erro medonho que seria o de o Presidente deixar o país com um governo de
gestão…
Costa, que até hoje se vangloria de ter um
acordo, por enquanto secreto, com o Bloco e o PCP, formará governo, só
socialista ou mal acompanhado, que deve passar no Parlamento. Será um governo
refém e de maioria dependente. Mas passará. Para uma vida breve. O PS e António
Costa ficaram prisioneiros de uma ambição menor e de dois partidos que precisam
dele para o destruir. Ao julgar que os abraça, o PS vai dissolver-se nos seus
aliados de hoje, do momento, mas inimigos de sempre.
O PS deixou de ser um obstáculo à
chegada dos comunistas ao poder. O PCP deixou de considerar o PS como um
adversário. O PS não resistiu à campanha de desgaste levada a cabo pelo Bloco. O
PS deixou de ter relações especiais com os grupos económicos portugueses e
multinacionais. O poder económico e financeiro deixou de acreditar no PS. E o
PS, com as mãos a arder, vai virar-se para a política e deixar a economia…
DN, 25 de Outubro de
2015
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