domingo, 30 de outubro de 2016

Sem emenda - Quem ganha, perde


Já lhes chamaram “win-win situation”! Todos ganham! O Estado, as empresas, os empreiteiros, os bancos, os contribuintes, os clientes e os trabalhadores! É a solução milagre: fazer já aquilo para que não há dinheiro. É a resposta à pressão da necessidade para mostrar obra e pagar depois. As empresas têm encomendas. Com garantia de Estado, os bancos emprestam. Os clientes e os contribuintes não vêem a factura. A Europa financia e subsidia. A euforia, há mais de vinte anos, foi total. Rapidamente, depois da primeira, a da Ponte Vasco da Gama, Portugal passou a ser o país da Europa com maior número de parcerias público privadas…

No início da década de 2010, contavam-se cerca de 120 parcerias em concurso, construção ou exploração. O total de investimentos previstos ultrapassava os 80 mil milhões! Numa versão mais restrita de 32 parcerias, em 2016, o total quase chega a 30 mil milhões. Os pagamentos líquidos anuais rondam os 2 mil milhões!

Quando se percebeu que alguma coisa estava errada, começaram os inquéritos, cujas conclusões foram prometidas, mas nunca chegaram. Houve renegociação, mas os resultados são vagos. Em finais de 2015, em nove contratos renegociados, a UTAP (Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos) indicava uma possível poupança de 2,9 mil milhões. Porquê? Fez-se menos obra? Onde? Reduziram-se preços? Quanto? Eliminaram-se lucros excessivos? De quem? Ainda hoje não se sabe.

Por que razão o governo não publica uma lista pormenorizada das parcerias nas áreas dos transportes, dos portos e aeroportos, da energia, da saúde, das comunicações, da segurança digital, da emergência, do ambiente, da água e dos resíduos? Por que razão nenhum jornal, agência de informação, canal de televisão ou estação de rádio investigou e publicou uma lista completa, pormenorizada, de todas as parcerias?

Essas listas são fáceis de fazer, quase toda a informação está publicada em relatórios discretos. Seria possível, por exemplo, ter a data de assinatura dos contratos, com os nomes dos signatários por parte do governo, das empresas interessadas, das firmas de advogados e dos bancos envolvidos nas operações. Também seria possível ver as datas de inicio das obras e da concessão, os prazos previstos, as datas de acabamento efectivo ou de termo previsto, assim como os valores contratados e a sua evolução, isto é, os valores e os prazos iniciais, mas também os valores e os prazos revistos.

Não seria possível ver as cláusulas secretas (os governos sempre negaram, mas nunca um banco ou grupo económico o fez explicitamente), nem os documentos “em falta”, de que o Tribunal de Contas se queixava quando analisou algumas dessas parcerias. Mas seria possível saber quanto se investiu efectivamente, quais foram os encargos previstos até 2030 ou 2040, qual o esforço financeiro que os Portugueses têm ainda de fazer até meados do século XXI, quanto era a margem de lucro dos parceiros, quais foram as vantagens que o Estado obteve desses contratos e quais foram os descontos que resultaram das negociações e das arbitragens.

Todos os governos quiseram fazer parcerias. Todos criticaram os “governos anteriores” por não terem feito tantas e tão bem. Todos anunciaram que iriam fazer melhor, renegociar e obter condições vantajosas. Não se cumpriram estas promessas. Já se falou de poupanças da ordem dos 4 mil milhões! Quer isto dizer que se desistiu ou fez menos obra? Ou se baixou o preço e reduziu o lucro excessivo? Qualquer que seja a resposta, era interessante que os Portugueses soubessem, com números e nomes… E que o governo, o parlamento, os partidos, os jornais, as televisões e o Tribunal de Contas cumprissem os seus deveres. Isto é, que informassem.

A verdade é que o universo das parcerias é o meio de cultura adequado à promiscuidade, à troca de influências e favores, aos negócios paralelos e de proximidade… Sem informação, continuaremos a desconfiar. E a deixar que a intriga floresça!
DN, 30 de Outubro de 2016

3 comentários:

António Barreto disse...

O Juiz, jubilado, Carlos Moreno, explica quase tudo no seu livro. Está lá tudo, com todos os detalhes. Ninguém ligou! Há um grave problema institucional na democracia Portuguesa que radica no défice de maturidade cívica e política da população. Talvez a herança cultural do catolicismo e do Estado Novo associada ao pós modernismo das novas gerações constituam a causa deste imbróglio.

Anónimo disse...

Qualquer pessoa informada sabe que o regime jurídico das PPP e o Código dos Contratos Públicos impõem a publicação dos contratos no Diário da República. Saberá também que o Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade da despesa pública e as contas do Estado, efetivando responsabilidades em casos de infração financeira, para além de outras competências atribuídas por lei, ver, por exemplo, esta auditoria

http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2016/2s/rel007-2016-2s.shtm

Depois, claro, há aqueles que não percebem nada de economia e que constroem convicções sobre as PPP com base naquilo que ouviram outros dizer.

Mas também há aqueles que, desesperados, aproveitam o tema para descredibilizar o PS e o Sócrates. Vendem o seu produto, manipulam a malta e dão dicas ao Carlos Alexandre. Três em um.

Unknown disse...

Conheço o livro do Juiz Carlos Moreno. Muito interessante e útil. E ele sabe do que fala, dadas as funções que exerceu durante anos. Todavia, muito do que sugiro para publicação e avaliação, não está disponível naquele livro.
Nesta correspondência, o que mais me surpreendeu foi o nome do signatário. António Barreto? Homónimo? Pseudónimo? Brincadeira?
AB