Está aberto um novo ciclo político.
Como já houve noutros tempos, de má memória, antes e depois do 25 de Abril. São
tempos de fanatismo. De exclusão. De afrontamento sem tréguas. São tempos de
esquerda contra a direita, que geram tempos de direita contra a esquerda. Há
quem goste. Há quem considere que essa é a grande política, o regresso da
política e outras banalidades. Mas sabemos que não é verdade. Com o país assim
dividido, perdem-se meios de acção e oportunidades de compromisso e de
cooperação.
Há com certeza esquerda e
direita. Em muitas coisas, são diversos e querem coisas diferentes. Mas há
muito mais. O país e a política não se resumem a isso. Há a cultura, a nação, a
religião, a etnia, a região, a idade, a arte, a ciência, o trabalho, o
desporto, o amor, boa parte da economia, a educação, a saúde, o património e
muito mais onde esquerda e direita não têm qualquer espécie de importância,
podem até ser nefastos.
O que nestes tempos de fanatismo
marca a diferença entre esquerda e direita é o autor. O que a direita faz é de
direita. O que a esquerda faz, de esquerda é. A autoria marca o conteúdo, não o
contrário. É o estilo dos déspotas. A mesma coisa, feita por alguém de esquerda
ou de direita, é de esquerda ou de direita. Austeridade, poupança, frugalidade
ou rigor: se os responsáveis forem de esquerda, é de esquerda. Se forem de
direita, é de direita. Medidas da responsabilidade de partidos da direita são
fogo para a esquerda, devem ser condenadas e consideradas roubo. Se postas em
prática por gente de esquerda, são detestáveis para a direita e consideradas
assalto.
Diminuição das garantias, redução
das liberdades individuais, restrição de direitos, violação do segredo bancário
e do sigilo de correspondência: estes gestos têm duas interpretações. Feitos
pela esquerda, de esquerda são, festejados pelas esquerdas e repudiados pelas
direitas. Feitos pelas direitas, de direita são, aplaudidos pelas direitas e
vilipendiados pelas esquerdas. Gastos com a defesa, despesa com a segurança e
equipamentos para as polícias: conforme o governo, assim estes orçamentos serão
de esquerda ou de direita, apoiados pela tribo apoiante, condenados pela tribo
oposta.
Negócios com capitalistas,
entendimentos com multinacionais, favores a empreiteiros, incentivos a
investidores, projectos de equipamento e parcerias: são empreendimentos de
esquerda ou de direita, conforme os governos que as fazem, não conforme os
méritos da obra.
Corrupção, crime e delinquência:
é muito fácil, perante uma qualquer destas realidades, verificar que esquerdas
e direitas se comportam de modo simétrico. Simpatizam, toleram ou condenam consoante
o autor. As políticas e as medidas contra o terrorismo e a violência têm o
mesmo destino: se vierem da esquerda, são de esquerda, aplaudidas pela esquerda
e condenadas pela direita. Se vierem da direita, são de direita, festejadas
pela direita e opostas pela esquerda.
Quase já não há matérias em que a
esquerda e a direita democráticas sejam capazes de, sem trauma, estar de
acordo. Quase já não há valores comuns. Com esta divisão exclusiva, toda a
esquerda deixa de ser democrática para a direita e vice-versa. Nos debates
parlamentares, já se fala de esquerda e de direita como se fossem pestes ou
pragas sem salvação.
É natural que haja “paz social”,
isto é, ausência de greves, enquanto os sindicatos de esquerda tenham acesso ao
poder e os partidos de esquerda possam frequentar os corredores do governo.
Também é natural que haja “clima optimista” para os negócios, enquanto os
patrões tenham fácil contacto com os governantes e os partidos da direita sejam
bem-vindos nas antecâmaras dos ministérios. Tudo isso é natural e faz parte do
jogo político. Infelizmente.
DN, 2 de Outubro de
2016
4 comentários:
É ou parece irremissível: os homens são cada vez mais os mesmos. Incapazes de se unir em função de um bem maior e mais amplo que a bipolaridade esquerda-direita. Perigoso por muito motivo, mas sobretudo porque traz ao povo o cansaço da politiquice à portuguesa, a descrença nas organizações partidárias e a falta de caminho por onde andar. Pode originar uma deriva.
Que exagero!...
Este texto revela uma visão apocalíptica da atual situação política nacional com a qual se pretende lembrar e incutir medos e insegurança de antanho aos portugueses. Trata-se, portanto, de uma peça a incluir na estratégia concertada levada a cabo também por outros fazedores de opinião como, por exemplo, Rui Ramos, José Manuel Fernandes e Fátima Bonifácio, para quem o engenho político do atual governo lhes provocou uma ferida profunda ainda em carne viva. Quase toda esta gente cresceu na estrema esquerda e, agora assediados à direita, pretendem dar lições de democracia às gerações mais novas, porém, só os velhos e analfabetos reverentes os seguem, como se poderá constatar nas caixas de comentários espalhadas por vários lugares.
Na verdade, a direita portuguesa, a partir do momento que percebeu que a tradição já não é o que era e que “as esquerdas” deixaram de ter apenas uma função decorativa no parlamento, entrou em paranoia, o que não deixa de ser preocupante. Esta gente delira e vê marxismo-leninismo em todo o lado. Até já se lembraram de trazer o PREC à colação para provocar os medrosos…
A nova geração de portugueses não tem paciência para fanatismos, revivalismos nem para liberais de pacotilha e não parece querer reduzir o seu discurso político e cívico à dicotomia esquerda /direita.
Por aquilo que me é dado observar, verifico que as gerações mais jovens parecem libertas dessa carga ideológica. Será para essas que teremos de olhar e não para o passado, por mais que nos esteja ainda atravessado.
Em vez de "estrema esquerda" deve ler-se "extrema esquerda". Sorry!
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