Os primeiros dias de Setembro
recordam rotinas e despertam saudades… Há melancolia no ar, mas também energia
renovada. Os corpos ainda trazem sinais do mar ou da montanha. As olheiras do
cansaço desapareceram por um tempo. O urbano retoma o seu império. Aliviados
durante umas semanas, os acessos às cidades ficam congestionados e recomeçam as
filas de carros e as horas perdidas. Nas ruas das cidades, fazem-se as obras
mais vistosas, pois o ano que aí vem é de eleições. Os filhos vão para as
escolas. Recomeçou a cena dos manuais a preços incompreensíveis. Veremos se,
este ano, volta a haver o drama da colocação de professores, mas tudo leva a
crer que não: os sindicatos querem poupar o governo. Nas universidades, acolhem-se
mais umas dezenas de milhares de novos alunos. Uma grande parte dos mais velhos
entrega-se ao prazer sádico anual, a praxe, que convive com o alcoolismo, a
pornografia e a violência. E a impunidade.
A Justiça inicia o seu ciclo. Ou
antes, recomeça o ano judicial, não necessariamente a Justiça. Aproximamo-nos
do fim de prazos agora famosos. Os grandes processos, “les causes célebres”,
continuam a sua penosa caminhada sem que se adivinhe o fim. Talvez nunca! Os
banqueiros, bancários, gestores, empresários, governantes, deputados, autarcas
e altos funcionários indiciados, arguidos, julgados, condenados ou em recurso
esperam. Os cidadãos também.
Pelo país fora, no mundo mais
sensível à natureza, é tempo de mudança. E de continuidade. Por matas e florestas,
entre os queimados, fazem-se balanços, à espera de indemnizações e ajudas que
só tarde chegam. Os últimos cereais foram guardados. Acaba a fruta de Verão. Ainda
se corta a cortiça. Em breve se começará a preparar a terra para o ano
seguinte. Mas o tempo é de vinho: em grande parte do país, fazem-se vindimas.
Cheira a mosto nos campos, nas aldeias e nas vilas.
Na Assembleia da República,
limpa-se o pó das bancadas e das poltronas. Prepara-se a liturgia do orçamento.
Serão longas semanas de trabalho, debate e berraria. A despesa e a receita de
2017 estão em discussão. Governo e oposição vão defrontar-se com rara aspereza.
A novidade é que os apoiantes do Governo, mas que dele não fazem parte, querem pretextos
para apoiar, sem perderem a face nem os eleitores! As fricções, dentro do bloco
do governo, serão tão ríspidas como as que se verificarão entre Governo e
oposição. Só que mais discretas.
É tempo dos balanços a que o
orçamento obriga. Confirma-se que o produto cresce pouco ou nada. Que o consumo
interno não cresce. Que a poupança está no mais baixo de sempre. Que o
investimento continua a diminuir. Pior: vamos verificar, com factos e números,
que o produto nacional e por habitante não aumenta desde o principio do século!
Há quinze anos que o crescimento é zero! De 2000 a 2015, a preços constantes,
com pequenos altos e baixos, estamos agora ao nível de então. A média anual do
período é praticamente zero! É o mais longo período de estagnação económica da
história moderna!
Após estes quinze miseráveis anos,
era necessário estudar e rever. Era necessário verificar o que bateu certo e o
que correu mal. Globalização? Euro? Crise financeira? União europeia? Troika?
Demagogia política? Corrupção? Falta de reformas? Falta de investimento? Estado
a mais? Investimento público a menos? Um bom debate, no parlamento e na
sociedade, nas televisões e nos jornais, talvez ajudasse a rectificar. Ou, pelo
menos, a esclarecer com mais inteligência e menos algazarra. Mas não. Vamos
assistir ao habitual passa culpas. O que corre mal deve-se ao governo anterior.
Sempre. Ou antes desse. Ou ao actual. Os maus resultados deste ano são já
visíveis. Neles, o PSD e o CDS procuram o seu contentamento. Deles, o PS acusa
o governo anterior. Por causa deles, o Bloco atira sobre a União Europeia. E o
PCP faz pontaria ao capitalismo.
DN, 4 de Setembro de
2016
2 comentários:
Eu gostava de Setembro. A luz de Setembro é ainda clara e derrama-se em restos de verão. Era bom recomeçar ignorando tanta coisa que agora sei, apenas acreditando que era possível. Hoje não penso que Setembro seja um recomeço; é uma retoma, retomam-se assuntos e vida que ficaram pendentes em Agosto.
As praias acalmam de gente e encandeiam nos oblíquos de sol, o mar ainda cálido engrossa a voz, sobre as águas as gaivotas volteiam vagares, a reclamar território. As marés trazem as primeiras algas e bandos de pássaros são pressa de nuvem a escurecer junto ao rés da água. Há uma leve melancolia no ar
Os incendiários não conseguiram queimar a Constituição e as leis da República e os "jacobinos", esses malandros, ainda não decretaram o fim do outono (...e da poesia!), portantes, tudo como dantes...
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