Em recente intervenção pública,
na abertura do ano judicial, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu-se
com a apresentação da sua proposta para um novo Pacto de Justiça. Consciente de
que tinha havido, no passado, várias experiências efémeras e diversas
tentativas goradas, logo acrescentou que a sua sugestão implicava um novo
método, uma maneira original de elaborar tal Pacto. Não seria recomendável que este
fosse o resultado de negociações partidárias, nem imposto pelas autoridades ou
pelos órgãos de soberania. Pensa-se que a sua ideia era a de que o Pacto
deveria começar a ser preparado pelas “pessoas”, pelas organizações, pelos “agentes”,
pelos “actores” ou pelos “protagonistas” da Justiça.
Por outras palavras, os preparativos
pertenceriam aos Juízes e suas associações, aos Procuradores e seu sindicato e aos
Conselhos de Magistratura, assim como à Procuradoria-geral, ao Provedor, aos
Supremos tribunais, ao Tribunal Constitucional, à Ordem dos Advogados, aos
sindicatos e às associações de oficiais de Justiça, às polícias e seus
sindicatos e associações. Já agora, por que não, aos eternos esquecidos que são
as Faculdades de Direito. Depois de elaborado e após a sua discussão, seria a
vez de os partidos políticos e as instituições (Presidente, Parlamento e
Governo) se pronunciarem e darem força politica e de lei ao que seria esse
pacto.
Vale a pena
fazer um breve exercício de memória e recordar que já houve um Pacto de Justiça
efectivo e várias tentativas. Em particular o Pacto de Justiça entre o PS e o
PSD, durante o governo de José Sócrates, com Alberto Costa ministro da Justiça e
Luís Marques Mendes líder do PSD. O então Presidente da República, Cavaco
Silva, patrocinou o acordo. Depois, já com Luís Filipe Menezes à cabeça do PSD,
o pacto foi denunciado, gesto de que os dois partidos se culparam
reciprocamente. Percebeu-se na altura que o “Pacto de Justiça” era simplesmente
um acordo de conveniência, parcial e parcelar, sem fé nem sinceridade. Não
durou. Não deu frutos. Não teve vida feliz nem longa.
Antes disso, Laborinho Lúcio
tentou, em vários momentos e diferentes posições institucionais. Rui Machete
também se esforçou por isso. António Guterres, líder do PS e Primeiro-ministro,
tentou fazer um pacto, formulado e desenvolvido por Almeida Santos, mas nada
conseguiu. Ainda em 2012, na abertura do ano judicial, o Presidente Cavaco
Silva pedia, sem eco nem resposta, um Pacto de Justiça.
A história recente dos pactos
políticos pode começar lá atrás, nos famosos pactos MFA/Partidos I e II e
incluir acordos políticos que, sem se chamarem pactos, serviram como tal: por
exemplo, a Constituição e suas duas principais revisões. Um pouco de recordação
dá rápidos frutos e lembra-nos vários princípios. Há “pactos” que o não são,
pois resultam da imposição pela força: foi o caso do Movimento das Forças
Armadas em 1975. Quanto aos pactos voluntários, só existem quando um partido de
governo pretende camuflar a sua impotência ou deseja ter um aliado para
partilhar problemas. Segundo, os pactos em Portugal são facilmente denunciados
e por isso mesmo não são levados a sério. Terceiro, os chamados “protagonistas”
(magistrados, procuradores, advogados, policias, etc.) são justamente os
responsáveis pelas principais divergências corporativas e deles, por iniciativa
própria, só se pode esperar guerra e não um início de entendimento. Quarto, não
há elaboração de pacto sem que haja um árbitro com influência, um mediador com
autoridade ou um líder respeitado com legitimidade. Finalmente, não existe qualquer
hipótese de “pacto”, sectorial ou de regime, sobre o que quer que seja, quando
o país está dividido entre esquerda e direita, o que hoje acontece, com
tendência para agravamento. O Presidente da República sabe isto muito bem.
DN, 11 de Setembro de 2016
2 comentários:
Antes de mais, é necessário perceber que há um problema de cultura no seio dos agentes da Justiça em Portugal, bem ilustrado, por exemplo, na entrevista que o juiz Carlos Alexandre deu à SIC na passada quinta-feira, na qual o seu desempenho não pareceu prudente, respeitoso e imparcial, tendo em conta a sua responsabilidade em alguns processos mediáticos ainda em fase de inquérito.
Não sei se este tipo de problema poderá ser resolvido com pactos de natureza político-partidário ou outros. Só sei que, sem justiça, não poderá haver liberdade.
Apesar das dificuldades anteriores e consequentes insucessos, a sua ausência não parece me parece melhor. Não haverá forma de o fazer funcionar com lisura?
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