domingo, 6 de dezembro de 2009

«História de Portugal» (*)

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ESTAMOS DE PARABÉNS! O que temos diante de nós é uma “História” que vai marcar o seu tempo. A sua dimensão vai talvez fazer dela uma História popular. É verdade. Mas as suas maiores qualidades são outras. Em primeiro lugar, a clareza e a elegância. Parece simples e fácil, mas não é. Exige muito trabalho, muita sabedoria e uma enorme preocupação com a forma de expressão. Poder-se-ão notar, aqui e ali, diferenças de ritmo, o que também depende da distância temporal a que nos encontramos, mas, no essencial, não parece escrita a três mãos.

Apesar de irregulares, há boas “Histórias” a muitas mãos, mas sente-se esse facto e a fluidez sofre. Como podem ser evidentes as concepções historiográficas dos diferentes autores, o que nem sempre facilita a compreensão. Esta, limitada a três autores, revela uma consistência surpreendente. Só um excelente trabalho de equipa, uma elevada cumplicidade e um grande esforço de coordenação poderiam chegar a este resultado. Prova superada, pois!

Além da fluidez do texto e da narrativa, tenho a sublinhar o facto de poder ser lida por quem quer que seja. Estamos longe, muito longe, dos textos tribais, escritos a pensar nos pares e nos iniciados. Se é verdade que, em Ciências sociais e nas Humanidades, quase tudo o que é complexo pode ser tornado claro, em História, exige-se muito especialmente o cumprimento desse dever. O jargão hermético e os medonhos parágrafos que traduzem uma grande confusão de espírito estão simplesmente ausentes. Estes autores escreveram para todos nós, sem evitar o rigor da explicação e o cuidado no tratamento dos factos.

Tenho ainda de referir o colossal esforço que exigiu este empreendimento. Esforço intelectual e físico. Não é fácil escrever uma “História de Portugal” num só volume: a concentração exige um enorme labor. A razoável homogeneização da escrita e a fluidez da narrativa pediram ainda mais trabalho.
Finalmente, a actualidade da obra é seguramente um dos seus principais valores. Pode aquela notar-se na longuíssima enumeração de fontes e de obras consultadas. É, a partir de agora, a mais actualizada bibliografia e pesquisa de fontes que se pode imaginar. Do manual ao tratado, da monografia ao seminário, do arquivo municipal ao acervo privado e ao catálogo: nada parece ter escapado. Muitas vezes, obras deste género dispensam a consulta de novidades ou evitam a sua referência em livro. Podem ganhar em peso, mas perdem em utilidade. Neste caso de absoluta actualidade, temos um novo e imprescindível instrumento de trabalho.

A actualidade e a riqueza desta “História de Portugal” reflectem o extraordinário desenvolvimento que a historiografia portuguesa conheceu ao longo das últimas décadas. Multiplicaram-se os estudos, artigos e livros, como proliferaram as investigações e as monografias, tanto sobre temas e sectores, como sobre povoações e localidades, famílias e indivíduos, feitos e factos. De toda esta produção, esta “História” é um formidável repositório.

Podem parecer de menor importância estes aspectos aparentemente formais. Não são. Em Portugal, em tantas áreas, faltam os instrumentos de investigação, as obras de base, os trabalhos de iniciação e os livros eruditos de larga difusão. São obras como esta que fazem a ponte entre a academia e a sociedade, entre os consagrados e os principiantes, entre a sabedoria circunspecta de uns poucos e a curiosidade de tantos. São livros como este que estabelecem o contacto entre a “alta cultura” e a “cultura popular”, ao mesmo tempo que põem em crise o velho mito de o povo só se interessar por expressões menores e assuntos triviais. Auguro uma indiscutível utilidade desta “História” para as escolas, tanto no ensino secundário como no superior. É minha convicção que a História tem sido maltratada nos curricula, nos programas, nos manuais e no método. Com um livro deste género e desta dimensão, temos um instrumento que fazia falta.

Esta será uma História clássica por outras razões. Ignorou as discussões sobre a epistemologia, as escolas de pensamento e as correntes filosóficas que contaminam tantos livros de História nas últimas décadas. Tendo optado por uma História narrativa, primordialmente política, não esqueceu as aquisições e as exigências da História social e económica, cumprindo as regras que sugerem que os factos políticos tenham o seu contexto alargado. Os três autores não perderam tempo a explicar as suas preferências teóricas, pois estas estão implícitas em todo o livro. Não foram complacentes nem vaidosos, por isso não propõem debates estéreis entre funcionalistas e estruturalistas, entre idealistas ou materialistas. Pouparam-nos os sermões filosóficos, assim como as novas modas da “construção” da História, da disciplina como “representação” e da invalidade da interpretação histórica.

Afastada também a concepção de uma história das estruturas sociais e económicas que se pretendia sempre difusa e universal, que dissolvia justamente o Estado e o poder político, isto é, a vontade dos homens e das populações, a decisão das elites e a regra dos dirigentes. Em certo sentido, trata-se de um regresso à narrativa e à história política, enriquecida agora com as aquisições que os movimentos sociais e a longa duração trouxeram.

As questões relativas ao “sujeito” em História, eterna polémica, parecem resolvidas a contento. Quem é o sujeito? Os indivíduos? Os chefes políticos? Os heróis? Os grupos, famílias e dinastias? As classes e suas fracções? Os povos? Os Estados? Será que não há sujeito, em História, isto é, os determinismos, as circunstâncias e as relações sociais são tais que colocam em cena protagonistas involuntários, todos os acima mencionados, que se limitam a desempenhar papéis estabelecidos ou cuja necessidade é determinante? As respostas preferidas a estas perguntas estão na origem de outras tantas correntes de pensamento historiográfico que têm moldado a disciplina ao longo das décadas.

Estes três autores, sem serem salomónicos, nem eclécticos, muito menos bissectrizes, conseguem um “tour de force”, isto é, não se deixam encerrar nas fronteiras de nenhuma destas escolas, cujas insuficiência e esterilidade são conhecidas. Esta “História” consagra a liberdade de decisão dos homens, não sem sublinhar os seus limites e condicionamentos. Os descobrimentos portugueses são o fruto da aventura e da sobrevivência, dos meios técnicos e da pobreza, da ciência e do acaso, da determinação de um homem e da cupidez de vários grupos sociais, da diplomacia e da geografia, da vontade nacional e da necessidade de um continente, da busca do ganho e do imperialismo religioso! E a mesma inteligência explicativa encontra-se na Restauração do século XVII, nas guerras civis do século XIX, no Estado Novo de 1933 ou na revolução de 1974.

Nos capítulos mais próximos de nós, os autores souberam ultrapassar escolhos difíceis e usuais. Não se deixaram impressionar pelas grandes rupturas políticas (a 1ª República, a Ditadura Militar, o Estado Novo e a Democracia), trouxeram-nas à vida com serenidade, sem nunca deixar de navegar entre as mais duráveis continuidades da sociedade e do país, por um lado, e as efémeras e sonantes rupturas políticas, por outro. Assim, percebemos melhor o que cada viragem trouxe, assim como o que a causou, ao mesmo tempo que avaliamos com mais delicadeza o que dela resultou.

A verdade é que nunca ficámos com a impressão de que há “intrusos” na história, defeito recorrente em muitas obras de História contemporânea. Nem o liberalismo, nem o absolutismo, se é que chegaram a existir. Nem, mais tarde, a Monarquia constitucional na sua fase terminal, a República, o Corporativismo autoritário, a tentativa revolucionária ou a democracia. Não há intrusos, nem parêntesis. A História foi o que foi, não há lugar para julgamentos. Qualquer dos regimes políticos modernos que os Portugueses viveram, desde Pombal à época contemporânea, é tratado com igual serenidade académica, sem veleidades para ajustes de contas. E até, antes disso, a dinastia dos Filipes é tratada com invulgar serenidade. Parece fácil, mas não é. Prevejo, aliás, algumas páginas negras na crítica e na recensão que se vão seguir a esta edição: os autores não escaparão a acusações de simpatias políticas. Não porque as exprimam, mas por não terem aceitado o santo-e-senha de grande parte da comunidade académica e política do século XX, isto é, por não terem explicitamente condenado certos regimes e alguns heróis. Tivessem os autores protegido os Jesuítas ou louvado Pombal; elogiado os Miguelistas ou enaltecido os liberais; condenado os Thalassas ou arrasado os pedreiros-livres; vituperado os fascistas ou desprezado os comunistas; e teriam adquirido fidelidade e louvores. Não foi o caso, para nossa felicidade e para bem do conhecimento.

Um dos feitos desta “História” consiste nesta espécie de “normalização” do século XX, marcado por rupturas e polémicas recentes e exibindo ainda feridas abertas. Os autores não se deixaram intimidar por essa contemporaneidade ameaçadora. A narrativa deste século apenas difere da dos outros pelo ritmo: quanto mais próximos de nós, mais os tempos históricos parecem curtos, isto é, mais numerosos são os pormenores e mais vagaroso parece o caminho da História. A “normalização” de que falo reside na serenidade com que abordam três revoluções benquistas ou malditas, assim como os respectivos regimes, sem se deixarem impressionar pelos reflexos condicionados que ainda hoje caracterizam muitos académicos, intelectuais ou políticos. A História não é compatível com as condenações morais e políticas retroactivas, próprias, com certeza, dos cidadãos, mas desajustadas dos profissionais. A facilidade com que se fala entre nós de restauração (da independência, da Pátria, da liberdade, da democracia...) sugere a existência de um Portugal permanente, ideal, talvez eterno, periodicamente vandalizado ou sujeito a interregnos mais ou menos ilegítimos. Apesar das três revoluções, de um sem número de golpes e pronunciamentos, de vários assassinatos de Chefes de Estado e de Governo, de milhares de presos políticos, de deportados, de exilados e de vítimas mortais, o século XX não pode ser uma sucessão de actos ora legítimos ora intrusos, por esta ordem ou pela contrária, conforme as crenças de cada um. À História pertence compreender e não julgar. Os nossos autores parecem obsessivamente apostados a cumprir essa missão.

A diversidade do Estado Novo, assim como a conflitualidade entre as forças que o apoiavam, encontram nesta obra uma consagração devida. Apesar da sua longevidade, da figura de proa do seu ditador e da aparente continuidade, este regime foi diverso e teve várias vidas. Conheceu o isolamento e o reconhecimento internacional. Revelou imobilismo e desenvolvimento. Mostrou hesitação e determinação. Deu sinais de pobreza confrangedora, mas também de crescimento económico ímpar. Afirmou o primado do Atlântico e de África, mas também se virou para a Europa. Só não mudou num ponto essencial, as liberdades. E não soube mudar, já na fase final, a guerra no Ultramar, o que lhe seria fatal.

Dizem que as “Histórias de Portugal” são o fruto do seu tempo. Parece um lugar-comum, mas talvez seja verdade. Mais importante do que isso, as boas “Histórias de Portugal” marcam o seu tempo. E constituem mesmo uma revisão da identidade de um país. É o futuro que prevejo para esta obra. Até porque parece termos chegado ao fim de uma longa caminhada, de um rude trajecto que nos levou de uma História feita de mitos patrióticos e de narcisismo até às versões contemporâneas e às interpretações racionais da história de um povo e de um país. Foram décadas, foram séculos a pensar que Portugal era quase eterno e sempre tinha existido. Que era original e singular. Único e irrepetível. Bafejado pela Graça e construído por um povo excepcional. Separado geograficamente e muito diferente de Espanha. Com uma identidade tão própria que já havia Portugueses antes de Portugal!

Vivi muitos anos com a “História de Portugal” e o “Portugal Contemporâneo”, de Oliveira Martins. Não são propriamente modelos de historiografia, mas, pela inteligência, pela interpretação e pela vivacidade, deixaram-me marcas. Ainda hoje recordo a primeira frase do “Portugal Contemporâneo”: “Sua Majestade fora a Belém comer uma merenda. Era nos primeiros dias de Março. Quando voltou a palácio achou-se, à noite, mal: cãibras, sintomas de epilepsia. Vieram médicos, o barão de Alvaiázere e o valido cirurgião Aguiar. No dia seguinte, o estado do enfermo piorou; e o rei decidiu-se a despir de si o pesado encargo do governo”. Começava assim, acrescento eu, uma série de acontecimentos que o autor designa por um excepcional caos. Era uma “História” animada, frequentemente incrível, mas que nos obrigou, mais do que a maioria dos livros escritos desde então, a reflectir sobre o país.

Mal conheci as de Pinheiro Chagas e Fortunato de Almeida. Talvez fossem mais “Histórias”, como hoje as entendemos, do que as de Oliveira Martins. Já a de Damião Peres, a famosa “de Barcelos”, me fez companhia no exílio, durante os anos sessenta. A ideologia irritava-me, o nacionalismo de alguns capítulos também. Também neste caso era logo advertido na primeira página com a afirmação inicial de que Portugal era “territorialmente pequeno, mas grande pela beleza da paisagem, pela suavidade do clima e pelo valor do seu povo...”. Apesar disso, era do que de melhor se fazia e lia. Muito mais útil, interessante e valioso foi, anos depois, o “Dicionário de História de Portugal”, de Joel Serrão, obra ímpar e inovadora, que, aliás, viria a permitir, mais tarde, novas tentativas de interpretação ou de narrativa global. Oliveira Marques, João Medina e Veríssimo Serrão vieram a seguir, tal como José Hermano Saraiva e novamente Joel Serrão, desta vez em parceria com Oliveira Marques. E assim cheguei, já nos anos noventa, ao principal monumento do género, a que foi dirigida por José Mattoso. Citei, deliberadamente, “Histórias” de amplitude e dimensão bem diferentes, mas creio que foram estas as que mais marcaram as décadas.

Deste elenco pessoal, não menciono evidentemente as “Histórias” escolares, que não me deixaram recordações. A não ser a de ter ganho, cinquenta anos depois, um jantar a alguém que não acreditava que um rei português tivesse tido o cognome de “O Gordo”. Com essa ressalva, aquela literatura quase me arredou desta bela disciplina. A ideologia do poder e a apologia do patriotismo mais boçal só foram vencidas por um professor excepcional e pela virtude da curiosidade.

A evolução da História de Portugal foi também a evolução da identidade nacional. Em grande parte, é a primeira que faz a última. E, nessa identidade, as origens do país e a sua configuração inicial ocupam lugar de relevo. Depois de Herculano e também graças a ele, Oliveira Martins ajustou contas com a historiografia nacionalista que, durante séculos, fazia repousar Portugal nos Lusitanos e, com eles, na homogeneidade étnica, na unidade cultural e, mais estranhamente ainda, na singularidade geográfica. A sua História começa, como se deve, com o Condado Portucalense, não sem antes sublinhar o que forma uma nacionalidade: o governo, a história e, subsidiariamente, a cultura, a língua e a religião. Acontece que, apesar de Herculano e Oliveira Martins, o século XX ainda assistiu a um prolongamento atávico da concepção unitária e lusitana da origem de Portugal.

Foi também o século XX que viu desenvolver-se a História de longa duração, transformando-a em História de tudo quanto viveu e aconteceu no território hoje habitado pelos Portugueses. Assim, temos “Histórias” que começam com o paleolítico e o Neandartal, alargando a vinte, trinta ou cinquenta mil anos esta História de 850! São, evidentemente, perspectivas legítimas, curiosas e, por vezes, inteligentes. Mas deixam quase sempre este indelével e desagradável sensação de estarmos diante de uma contínua e persistente jornada, portuguesa e lusitana.

Só gradual e recentemente, se foi afirmando que Portugal partia da diversidade, não da unidade. Os nossos três autores comungam dessa perspectiva. Os primeiros ensinamentos de Herculano tinham dado fruto. Nos anos quarenta, Orlando Ribeiro e, nos anos oitenta, José Mattoso, além de outros, confirmaram e consolidaram a ideia da diversidade e da metamorfose de um povo, afastando a concepção da unidade original. A unidade e a homogeneidade, aliás excepcionais, foram construídas, são ponto de desenvolvimento e de chegada, não de partida.

Curiosamente, para os nossos três autores de hoje, a narrativa começa com a chegada dos exércitos muçulmanos à Península. É um sinal dado nas primeiras páginas: Portugal nasceu contra! Parece que os autores sugerem: serão os séculos de conquista que formarão Estados e povos. E formarão Portugal. Sabe-se hoje, sempre se deveria ter sabido, não fora a ideologia, que há mais diferenças entre as regiões portuguesas do Norte, do Centro e do Sul, do que entre estas e os seus prolongamentos galegos, castelhanos e estremenhos. População diversa, povo plural, território heterogéneo, mas poder central e unitário, concentrado, com reduzida negociação, desde o Condado Portucalense. Neste paradoxo, a singularidade portuguesa. Mas que não se trata de uma singularidade excepcional e única: todos os países são singulares, caso contrário não seriam países. E é com alegria que vejo o título do último capítulo desta História: “Uma democracia europeia”. Nas minhas palavras, um país como os outros! Parece banal e resignado. Mas é uma vitória da razão.

Estamos longe das concepções redentoras da pátria, segundo as quais, antes de Portugal, já havia portugueses, mesmo se com outro nome. Ultrapassada também a ideia de que a nação precedeu e criou o Estado, estes autores sublinham e confirmam uma outra, a de que foi o Estado, isto é, o poder político organizado ou em vias de organização, que criou a nação, o que durou séculos, a ponto de só recentemente se poder falar de um país inteiramente integrado, de uma sociedade articulada, de mercados entrosados, de cidadãos livres e de uma consciência nacional que deixava de ter como horizontes as planícies ou as montanhas que a vista alcançava!

Que país, que Portugal resulta desta História? É difícil sintetizar, tanto mais que este volume não inclui ensaios propriamente teóricos sobre o tema. Além de que não houve tempo para ler e reler tão compacto volume. Mas não deixo de sublinhar vários fenómenos.

A determinação política de um povo e de um Estado que persistiram em existir e afirmar-se contra todas as probabilidades. A ideia de que Portugal nasceu contra alguém e contra alguns. A certeza de que o país e o Estado se mantiveram graças a poderes exteriores, do Vaticano a Paris e a Londres, passando pelo concerto de todas as potências europeias.

A periferia europeia que os Portugueses transformaram em proximidade do mar e dos outros continentes. A falta de recursos que foram procurar alhures. O emprego que foram criar noutros sítios. A falta de sábios e cientistas suprida com a imigração de Europeus. A míngua de capital, de empresários e de organização, colmatada com a importação do necessário. A certeza de que os Portugueses nunca souberam sobreviver nem puderam melhorar a sua vida apenas em Portugal.
A habilidade com que, através dos séculos, os dirigentes nacionais souberam jogar as suas fraquezas na cena internacional e aproveitar as alianças e o acaso para sobreviver como país, quando os factores adversos eram evidentes.

A omnipresença de um Estado que desempenhou todos os papéis, o de inovador e o de conservador, o de revolucionário e o de reaccionário, o de motor e o de obstáculo ao desenvolvimento, o de abertura e o de fecho ao mundo exterior, o de déspota e o de liberal. Parece que quase tudo começou e acabou no Estado. Conquista e reconquista, expansão e retracção, instrução e obscurantismo foram obra de um Estado que pouco espaço deixava para a sociedade de classes, grupos e homens livres e independentes.

O ponto de partida, marcado pela pluralidade e pela diferença, de um país que construiu a sua homogeneidade, rara na Europa e no mundo, agora novamente contrariada por uma diversificação humana, cultural e religiosa em curso e que, em trinta anos, já mudou a sociedade.
Apesar da homogeneidade social e humana e da pequenez territorial e económica, uma integração nacional e respectiva consciência muito tardias, com os mercados, a moeda, a escola, o exército, a burocracia, a justiça, as comunicações e a política a articularem-se e a cobrirem todo o país e toda a população já nas décadas do século XX.

A mediania económica, resultado da falta de recursos naturais e da reduzida população, mas elevada a quase prosperidade durante um tempo de descoberta e de exploração de outros continentes, seguida do empobrecimento que, até quase aos nossos tempos, marcou grande parte da história moderna e contemporânea.

A consciência sofrida e frustre do atraso diante das outras nações por parte de uma elite, primeiro, de um povo inteiro, depois, que conheciam a riqueza de outros, que sabiam dos progressos alheios, mas que não os conseguiam radicar entre nós.

A rapidez com que, em vários séculos, as elites souberam importar ideias de vanguarda e adoptar modelos e procedimentos progressistas ou mesmo revolucionários, sempre nas formas legais, quase sem cuidar da sua exequibilidade, de modo a que as grandes inovações, como eram sentidas em seu tempo, esbarravam depois numa sociedade de valores e comportamentos atávicos.

A evidência dos factores externos no desenvolvimento e na consolidação do país. A África e o Brasil, o Oriente e o Atlântico, a Europa e as Américas, a EFTA e a União Europeia estão na origem dos ciclos de crescimento e de prosperidade, em contraste com os períodos de fechamento, mais vizinhos do empobrecimento.

Não sou historiador, nem este é o momento para analisar em pormenor um volume destas dimensões e desta ambição. Ao apresentá-la, presto-lhe a devida e merecida homenagem. A hipótese crítica teria certamente validade, como, por exemplo, perante a ausência de um olhar mais profundo sobre os costumes, as mentalidades e a cultura, a menor atenção prestada às empresas económicas ao longo dos tempos modernos ou a análise superficial das estruturas produtivas. Talvez lamente ainda, nos últimos séculos, mais largas referências ao contexto internacional, sem o qual alguns mistérios da evolução de Portugal não se compreendem bem. Mas são pormenores de reduzida importância em comparação com o esplendor da obra conseguida. Por isso, sem esforço, me curvo diante dos seus autores. Rui, Bernardo e Nuno, vocês fizeram obra duradoura, que liberta os Portugueses de fantasmas, que despreza mitos e que, em poucas palavras, dá prazer à inteligência.
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(*) «História de Portugal» - Rui Ramos (coordenador), Bernardo Vasconcelos e Sousa, Nuno Gonçalo Monteiro. Esfera dos Livros, Lisboa 2009

6 comentários:

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O miolo do pão:
Bem se afadigam lavradores a sol escaldante
lançando na rasgada terra mínimas sementes.
Bem se dão incansáveis ceifeiras,
com golpes certos, à seara.
Malha-se na eira,
destrinçando na palha loiras espigas
e nas loiras espigas precioso grão.
Mós remoem o que será terna farinha.
Afanam-se aclarando a noite empoados padeiros:
Amassadas, a forno levam fornadas e fornadas.
Inquietam-se motoristas, e ajudantes:
Em carrinhas brancas trazem bênção à alta antemanhã.
Cuidam comerciantes em abrir portas
pra darem a dinheiro desejado pão.
Cristãos rezamos aO Pai para o pão quotidiano nos prover,
porém no planeta da fome produz-se armamento e falta o bem pedido.
Homem com boa vontade, olha para o pão.
Quando o partires, julgues tu que ninguém ouve, diz obrigado.
Talvez por sorte um coração magoado multiplique por mil o cereal grão
até aos irmãos desesperados,
recôndita alegria.
(Sonhadas Palavras)

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Da última grande ode:

‘Se O omitirem,
as pedras e os menino O gritarão,
loucura para o mundo,
sabedoria para os simples,
única medida…’
Ser-vos-á servida quantidade acubulada, a transbordar:
Fará com que vos senteis à mesa, preparará refeição,
e vos atenderá, caso estejais vigilantes, dias, noites, cingidos
rins, vestidos com rigorosíssimo traje, e compunção.
‘O sol se deu resplendendo,
as boas e as más horas,
igual pra justos e injustos.’
Não criastes, artistas, filósofos, economistas,
estudiosos da praxis, sociólogos, um mundo ao avesso,
sufocados p’la vossa absoluta cultura,
com o Sim e o Não a equivalerem-se?
Que é daqueles que tratastes de somenos?
‘Um Brot, um Brot, um Brot!’ ‘De profundis clamavi!’
Donde esse vosso estranhamento perante a morte,
outro tempo, natural como respirar.
Pedi que a Hora não vos interrompa em meia viagem.
Alcance-se do Amigo Único A Antiga Palavra:
‘Venenos, espancamentos, pestes, serpentes não temereis…’

(Sonhadas Palavras)

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Fecha-se o livro, solta-se louvor:
Cheio é o Orbe das Tuas maravilhas,
Santo, Imenso e Bom Senhor.
Criaturas aladas, levai meu ai.
Névoas, neblinas, regatos, ribeiras,
anjos, e meninos, bendizei.
Mártires d’amor, cantai.
Poetas, aedos, bailarins expressem
minuciosas belezas inumeráveis.
Seja desmesuradamente prolongado
o saltério aOs Celestes Prodígios.
Arquitectos, artistas, dramaturgos, cinéfilos,
informáticos, jornalistas Te proclamem.
Urzes, giestas, estevas, tílias, margaridas, lilases,
fremi a única alegria.
Aragens, brisas, fogueiras anunciem O Pleno.
Relâmpagos, raios, tempestades, gritai.
Répteis, peixes, batráquios, fugitivos animais, louvai.
Luz matinal, aclama O Que Em Ti.
Pedras, terras, orlas, explodi um canto novo.
Flores, verduras e florestas, mares e nuvens, esplendei.
Luzeiros, astros, sóis, estrelas, clareiras e galáxias, ecoai.
Abscôndito, em Teu Nome houvemos força.
Onde haja torpor nos fira incólume Teu sorriso.
101
A que resulte, para o peregrino, renascido amor.
A que não esqueça Lázaro:
Tenha abertas as portas da choupana.
Filho de David, reencontra as reses desgarradas.
Traz a teu redil quantos Te magoam.
Teu entranhado Enlevo seja comum bênção.
Como algodão hidrófilo, Teu jugo;
pacientíssima, até aos fins,
Tua expectativa quanto a cada um.
Entreguemos na raiz da Cruz tribulações:
Provê, a todos, o melhor bem:
A rodos derrames consolação.
P’los agradabilíssimos Átrios,
Te elevemos diferente Louvor.
Bebamos Vaso Pleno.
AjudasTe-nos quando o Egipto sofremos;
saciasTe-nos com A Terra Prometida.
EndireitasTe-nos os molestos ossos;
guardasTe-nos
nO Coração
mais Coração
dO Coração.

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À Nossa Mãe do Céu e da Terra:

Mãe, dissesTe pra parar.
Repetidas vezes ouvi a linda voz que bem entendo.
Mas reincidi teimando.
Cale agora o sussurro rouco, a confusão,
a turva inquietação, logro meu.
Soe simples louvor a Teu Silêncio Imenso.
Obediente paciente amiga, perdoa.
Recomece, determinado, a aprender morrendo.

Mãe, pega-me ao colo.
Salva-me Tu os nulos dias.
Faz com que adormeça
o peso que aqui me tomba.

Ângelo Ochôa

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Este choro desta mulher e mãe junta-se ao choro de muita e muita mulher e mãe neste planeta sem rumo. China, Tunísia, Coreia, Cuba, Sahara, são, como antes nós aqui Portugal, lugar de indignação contra a indignidade, e, amiga, jamais será demais apelar à sagrada Dignidade a Respeitar universalmente do Humano Ser, o mesmo é dizer de nós próprios; que alguém disse, e com razão às carradas, «enquanto houver no planeta um humano não livre, eu não serei livre».
in
http://anabelapmatias.blogspot.com/2009/12/palavra-aminetu-haidar.html

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Quem diria, Anabela, que os papões salazarentos regressariam hoje em dia em grande forma?
Zeca é hoje mais actual ante os comedores de dinheiro, na expressão de Manuel da Fonseca.
Só falta colocarem-nos em clandestinidade e vasculharem-nos casa a intempestivas horas.

No primeiro Sábado
rejubilou o bom Deus:
Era pura, plena, a criação.
Eva, Adão, & Filhos, Limitada,
com o imperativo de dominar mãe terra,
a conspurcaram.
Homem Outro, flébil espírito, quis,
no oportuno tempo, reconstruir
comum habitação.
Bem sopra onde quer Um Vento Novo,
e chora a fio a boa Mãe…
Bué estopada, fim sem fim…
Tudo pior que estragado.

11 de Dezembro de 2009 13:05 in
http://anabelapmatias.blogspot.com/2009/12/zeca-afonso-vampiros.html