domingo, 13 de dezembro de 2009

Saúde e sociedade, Solidariedade e liberdade


NÃO VOU FALAR do Hospital [de Santa Maria]. Outros o farão. Conheço mal a sua história. Sei que terá sido decidido em 1934 e desenhado por Hermann Diestel em 1938. Dizem que os planos de Santa Maria e de S. João, no Porto, são iguais e que deveriam ser de hospitais a construir na Alemanha. Não foram, por causa da guerra. Diz também a lenda que o projecto era vantajoso: saía mais barato sendo para dois! Foi iniciada a construção em 1940, concluída a obra em 1953 e inaugurado a 27 de Abril. Ainda me lembro dos ecos da sua inauguração que chegaram a Trás-os-Montes, assim como, poucos anos depois, os da abertura do S. João. Eram consideradas obras excepcionais, de relevo internacional.

Santa Maria faz portanto agora 75 anos de decisão, 69 de construção, 56 de inauguração e 55 de início da operação. Parabéns pois. Aos seus dirigentes, aos que aqui trabalham e sobretudo aos que aqui foram tratados. Outros vos falarão do Hospital, das suas várias fases de vida e dos melhoramentos recentes que, segundo se diz, têm sido realmente importantes. Não vos posso dar testemunho pessoal, dado que, por sorte minha, não sou frequentador de hospitais. Por enquanto. Mas não esqueço uma frase de João Lobo Antunes, ouvida na rádio, creio eu. Dizia ele que, de manhã, quando se dirigia para aqui, para o trabalho, se sentia feliz. É tão raro ouvir tal que nunca mais esqueci. Pode ser “coisa” dele, esta atitude, mas não poderia ser verdade se o Hospital não oferecesse alguns motivos para essa felicidade. Espero que ele nos diga porquê.

Parece, de qualquer modo, ser verdade que este hospital vive um ciclo de transformação e de modernização que muitos consideram exemplar. Regozijo-me com o facto. Não é frequente ver velhas e gastas instituições serem capazes de se renovar e de transformar os seus hábitos. Parabéns também por isso.

Os anos 50, de criação deste hospital e do de S. João, foram anos importantes em Portugal. Para todos os efeitos, tínhamos saído da guerra sem nela participar. Havia reservas e meios. O regime julgava-se seguro e esperava ser reconhecido internacionalmente, por todos os países do mundo, na ONU, e especialmente pelas democracias ocidentais, na NATO. O que veio a acontecer. Até à ligação à OCDE e à fundação da EFTA, esta última em 1959. O regime, já com cerca de trinta anos, não cedia nas liberdades, mas preparava-se para um esforço extraordinário. Nas infra-estruturas (estradas, barragens, produção e distribuição de energia, organização das corporações, produção de adubos, cimentos e aço...), nas Obras Públicas, no planeamento (Planos de Fomento), na Assistência e na Saúde. Os dois grandes hospitais fazem parte desse esforço. A criação da Fundação Gulbenkian, quase na mesma altura, foi o mais fértil acto de sorte de que os Portugueses jamais beneficiaram e que não deixou de ter efeitos profundos na saúde. Logo a seguir, a criação da Radiotelevisão deu nova dimensão à comunicação, à informação e à integração do espaço, português.

Começa nesta altura um processo gradual de melhoramento da situação social dos Portugueses, com especial relevo para a Assistência e a Saúde. Até então, os Portugueses viviam um estado de pobreza raro na Europa, talvez único, deixando de lado a Espanha, saída de uma guerra civil. No final dos anos quarenta, apenas uma muito pequena minoria tinha acesso a serviços hospitalares e a ajudas assistenciais. Depois, lentamente, talvez mesmo muito lentamente, os apoios vão-se alargando. Os beneficiários da Previdência, por exemplo, começam a ter acesso aos cuidados hospitalares. Mas ainda se trata de uma pequena parte, menos de trezentas mil pessoas. Tal como na Segurança Social: em 1960, apenas 120.000 pessoas usufruem de pensões, o que compara com as actuais 2 milhões e meio! Na saúde, todavia, o crescimento virá a ser mais significativo e ilustrado pelo número de pessoas assistidas pelos serviços médico-sociais da Previdência. Pouco mais de 300.000 no início dos anos cinquenta. Um milhão e meio em 1960. Cinco milhões em 1970 e sete milhões em 1975.

Desde estes anos cinquenta até hoje, o progresso e a expansão foram constantes. Consistentes até 1974 e acelerados depois do 25 de Abril. Todos os indicadores revelam mudanças importantes. Nem todos são de interpretação simples, dado que os modos de organização e os métodos de administração dos cuidados de saúde são hoje muito diferentes do que eram há três ou quatro décadas. Apesar disso, é possível ver os progressos na cobertura nacional, no acesso dos cidadãos aos serviços e no alargamento do pessoal médico e paramédico em serviço.

O número de médicos passou de cerca de 6.000 para mais de 35.000. Podem distinguir-se três períodos. O primeiro, de crescimento lento, até 1975. O segundo, de aumento rápido, de 1975 ao final da década de oitenta. O terceiro, de estabilização e de desenvolvimento gradual, desde então. De pouco menos de 80 médicos por 100.000 habitantes, em 1960, chegou-se actualmente a uma taxa de mais de 300. Aumentos semelhantes verificaram-se ainda com as outras profissões: dentistas, enfermeiros e técnicos de diagnóstico.

Uma avaliação da eficácia e dos resultados de um serviço público de saúde não se pode fazer apenas a partir dos dados quantitativos. Mas a verdade é que o sistema conheceu um crescimento considerável. Este poderá ser confirmado pelas informações relativas ao acesso aos estabelecimentos de saúde públicos. Os internamentos passaram de 460.000 por ano para perto de dois milhões. As consultas de cerca de 8 para mais de 43 milhões por ano, o que equivale a 4,2 por habitante. As urgências saltaram de 588.000 para 15 milhões por ano.

A assistência ao parto registou igualmente uma evolução notável. No início deste período, apenas 18% dos partos ocorriam com assistência médica em estabelecimentos hospitalares e equiparados. Hoje, é praticamente a totalidade dos partos que se verifica nessa situação. Também a propósito deste indicador se pode distinguir uma primeira fase de crescimento lento, até ao princípio da década de setenta; e uma segunda, a partir de então, de progresso rápido.

A mortalidade materna e infantil reflecte cabalmente o alargamento e a universalização dos serviços de saúde. A mortalidade infantil geral desceu de 77,5 por mil, em 1960, para menos de 6 por mil no fim da década de noventa e para pouco mais de 3 por mil actualmente, naquela que é uma das mais baixas taxas do mundo.

Uma observação superficial dos dados relativos a causas de óbito revela também uma situação que sublinha a melhoria dos cuidados de saúde. Com efeito, certas doenças que denotam especialmente os atrasos dos serviços de saúde pública, como a tuberculose e as doenças infecciosas e parasitárias, registaram descidas notáveis, sendo hoje responsáveis, em conjunto, por cerca de 1% das causas de óbito, quando o eram por 13% em 1960.

A todo este desenvolvimento do sistema correspondeu um aumento considerável da despesa pública com a saúde: só entre 1980 e 2007, mais do que triplicou. Independentemente da qualidade, da prontidão, da eficácia e do conforto dos serviços de saúde prestados aos cidadãos, a verdade é que o sistema público cresceu muito significativamente nestas quatro décadas. Em certo sentido se poderá mesmo dizer que foi neste período que estes serviços nasceram, dado que, anteriormente, apenas uma parte da população tinha realmente acesso aos cuidados essenciais. Até porque os serviços de saúde estavam longe de cobrir integralmente o território. Os dados relativos à esperança de vida, assim como às taxas de mortalidade infantil e materna, sem esquecer os de certas causas de óbito, reforçam a ideia de que a saúde pública se generalizou no período em estudo.

As comparações com os restantes países europeus confirmam tanto o atraso inicial de Portugal, como os rápidos progressos verificados. Por exemplo, Portugal tinha o menor número de médicos por habitantes; encontra-se hoje muito próximo das médias europeias, colocando-se mesmo acima de vários países. Também os dados relativos a indicadores físicos (estabelecimentos hospitalares e camas) confirmam o atraso inicial de Portugal, assim como o facto de, hoje, o país se encontrar próximo das médias europeias.

Dois indicadores demográficos, a esperança de vida e a mortalidade infantil, traduzem apropriadamente certos aspectos da eficácia dos serviços de saúde. Em ambos os casos, a evolução de Portugal confirma o que se tem vindo a afirmar. À partida, o país registava valores que revelam indiscutivelmente o seu atraso: a mais baixa esperança de vida e, de muito longe, a mais alta mortalidade infantil. Em finais da década de noventa, a esperança de vida dos portugueses, tanto no caso dos homens como no das mulheres, continua a ser a mais baixa, mas já praticamente ao mesmo nível dos restantes países europeus. Quanto à despesa pública e privada com a saúde, Portugal revela um dos mais altos valores. Em relação ao produto, a despesa portuguesa, com cerca de 8%, situa-se entre os primeiros.

Do ponto de vista político e social, deverá sublinhar-se o momento em que se começa a falar de “direito à saúde”, no início da década de setenta, ainda timidamente. Poucos anos depois, com a Constituição de 1976, é o pleno reconhecimento dos direitos sociais e, com eles, o do direito à saúde. Logo a seguir, é criado o Serviço Nacional de Saúde, uma das mais interessantes realizações da democracia portuguesa. Estamos já longe dos períodos em que a caridade individual, a assistência e a previdência foram sendo, progressivamente, os métodos de socorro à doença e à destituição. É possível afirmar-se que, mau grado diferenças e desequilíbrios, a saúde e a medicina chegam a todos os espaços geográficos e a todas as classes sociais.

Há evidentemente problemas por resolver, alguns mais sérios do que outros. Ainda há listas de espera cuja solução já deveria ter sido encontrada. As Unidades de Saúde Familiar, que parecem ter constituído um êxito, avançam muito devagar. A relação entre a saúde pública e as comunidades locais está por rever. As relações entre os sectores públicos e privados continuam em mau estado, ora virados de costas, ora em banho de promiscuidade. Há questões sérias por resolver na combinação entre as competências científicas, a responsabilidade clínica e a posição na carreira. Ainda não foi encontrado um equilíbrio quantitativo na formação universitária dos médicos. Parecem anunciar-se, a curto prazo, défices na disponibilidade de várias especialidades médicas, em particular a da saúde familiar e a da pediatria. É persistente o desequilíbrio na relação entre médicos e enfermeiros. Há problemas sérios na área da Bioética. Os desperdícios financeiros e materiais no sistema e nos estabelecimentos hospitalares são ainda elevados. E tem faltado liberdade de espírito e pragmatismo para pensar a reorganização do Serviço Nacional de Saúde.

Estes são alguns dos problemas, outros haverá. Mas a verdade é que, globalmente, ao longo das últimas décadas, os serviços de saúde e a medicina em geral registam talvez os maiores êxitos da vida pública do nosso país. Os inquéritos independentes levados a cabo, as sondagens e estudos de opinião, as taxas de mortalidade infantil e por doença de condição “social”, a esperança de vida e a mortalidade num certo número de doenças significativas revelam os melhoramentos conseguidos.

Nunca teremos, obviamente, uma situação perfeita e sem problemas. Esse ideal não é do domínio dos vivos. Como o demonstra o estado da saúde pública em vários países, cujos progressos e “performance” se julgava estarem na vanguarda, mas que são sempre e novamente objecto de acesa discussão. Mas é gratificante saber que a evolução tem sido permanente e consolidada. Como é satisfatório ter a certeza de que, geralmente, a expansão quantitativa tem sido acompanhada por uma melhoria qualitativa de serviços e cuidados. Parece banal e normal, mas não é. Outros sectores existem na sociedade, como a Educação e a Justiça, por exemplo, nos quais os melhoramentos de qualidade têm sido mínimos, ou até negativos, apesar dos progressos em recursos e quantidade.

Por que razões é a saúde o sector que melhor se porta? São várias as causas. Cito apenas algumas. Em primeiro lugar, o “ethos” profissional dos que aqui trabalham: pode haver oportunistas, gananciosos e predadores, mas, no essencial, as regras morais desta profissão são baseadas na decência e no sacrifício. Segundo, o lugar dominante da ciência nas regras e nas práticas, em detrimento da ideologia e das crenças filosóficas ou religiosas. Terceiro, o carácter aberto da profissão, das administrações e dos resultados. Quarto, a existência de alternativas a qualquer profissional, instituição, estabelecimento ou fornecedor. Quinto, a emulação entre organizações. Se compararmos com outros sectores, a Educação e a Justiça, em particular, depressa veremos que, nesses, alguns ou todos estes critérios não desempenham qualquer papel. Daí o poder dos corpos profissionais e daí a ineficácia das pressões sociais e das aspirações das populações.

Gostaria ainda de acrescentar um factor de sucesso, apesar de não ter estudado suficientemente a matéria. Mas creio ser verdade que, na Saúde, talvez justamente pelo efeito do peso da ciência e do escrutínio universal, houve mais estabilidade institucional, mais permanência de critérios e procedimentos e mais regularidade na organização do que noutros sectores, onde as mudanças de políticos, de políticas e de práticas se sucedem.

Dito isto, vivemos actualmente momentos difíceis de reflexão, de debate e de incerteza. Não de circunstância e conjuntura, mas em profundidade e no médio e longo prazo. Na verdade, é conhecido agora que as despesas com a saúde crescem infinitamente. Por todas as razões tecnológicas, comerciais e psicológicas, mas também e sobretudo porque a esperança de vida e a longevidade são factores inexoráveis de aumento de despesa.

É igualmente sabido, apesar de ser um conhecimento envergonhado, que os cuidados e os exames não poderão ser totalmente gratuitos para sempre, nem os gastos com a saúde poderão ser inteiramente suportados pelo Estado e pelos contribuintes.

Por outro lado, faz hoje parte do património público a ideia de que é necessário um sistema de saúde pública que cuide e proteja uma parte importante da população.

Finalmente, é igualmente reconhecido que a saúde, como qualquer outro sistema sem emulação, sem competição e sem comparação, pode causar desperdício e ineficiência.

Qualquer destas ideias está hoje em debate público, pelo menos no mundo ocidental. Como ocorre em quase todos os países europeus e ocidentais, como se vê nos Estados e na Inglaterra, onde, com ou sem eleições, os sistemas de saúde e as responsabilidades do Estado constituem o mais ácido tópico de debate político e social.

Em Portugal, o debate tem sido difícil. Por razões políticas e ideológicas e porque o debate está demasiadamente tolhido por crispações partidárias. Discute-se o Serviço Nacional de Saúde e a dita “Liberdade de escolha” como se ambos fossem alternativos e incompatíveis. Por outras palavras: quem defende o serviço público considera que a liberdade de escolha é um atentado e a destruição daquele. Quem prefere a liberdade de escolha entende que o serviço nacional é ineficaz, injusto, burocrático e fonte de desperdício ou de corrupção. Assim, não temos solução. Assim, não há saída. Tenho para mim que a única solução reside na superação da dicotomia. Há Serviço Nacional de Saúde com e sem liberdade de escolha. Como há medicina privada e liberdade de escolha com ou sem Serviço Nacional de Saúde.

Defensor convicto do Serviço Nacional de Saúde, cuja destruição seria uma catástrofe social, estou também do lado da liberdade de escolha. Não por tentar ser salomónico ou ecléctico, não por querer agradar a uns e outros, mas pela simples razão que considero que há aqui dois princípios dignos de serem respeitados. O da solidariedade e o da liberdade. Mais: estou também convencido de que a associação entre a liberdade e a solidariedade é a garantia de preservação e desenvolvimento do serviço público. Não consigo, aliás, perceber as razões filosóficas e morais pelas quais os defensores da hipótese radical de Serviço Nacional não querem conferir aos cidadãos a liberdade de escolha.

Não creio que a melhor defesa do Serviço Nacional de Saúde seja a da fortaleza, imóvel e aparentemente robusta. É, bem pelo contrário, a sua eficácia, a sua maleabilidade e a sua humanidade que melhor o defendem. Se o Serviço Nacional de Saúde souber garantir a solidariedade que protege e a liberdade que respeita os cidadãos, teremos saúde pública por muitos e bons anos.
-
Hospital de Santa Maria, Lisboa - Sessão comemorativa dos 55 anos
Dezembro, 8, 2009

13 comentários:

PBS disse...

Tomo o privilégio de o contactar. Obrigado por escrever de uma forma lúcida, clara, cristalina e que faz raciocinar e reflectir sobre as realidades. Para mim, personifica o melhor que existe em Portugal a nível de competência.

Continue o seu bom trabalho.

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Post-Scriptum 1:
Outra vez acendera um cigarro.
Outra vez à janela.
Outra vez pensara nela,
e na última prova.
Outra vez deglutira
a metade do forçoso comprimido.
A véspera fora festa rija:
Incendiava-se o dividido fuel.
O mundo tornava-se incomportável.
Como sair?
Se só restavam ilusórias seguranças.
Tais como janela, cigarro,
algum inesperado encontro,
água por filtros purificada,
ar ventando,
de ignorado lugarejo.
Donde infamemente renovava?
Respirar, agasalhar, vestir,
aguardar o alvorecer:
O instante idealizado:
Indiferença,
e não ter que pesar,
ao esclarecer soalheiro,
a silêncio,
brandura,
sentimento.
Despertar maravilhas;
olhares crescendo,
barba feita,
cara a dar;
pobreza, abandono,
recôndito provento;
fome,
divinização,
água;
pão,
vinho,
mudez.
Noite ante a janela,
lidas, rotinas,
paradoxalmente
até à liberdade:
Febre, suor frio,
esparguete, fim roído.
Beijos sumidos,
miudinha chuva
sobre a chapa do carro.
Até logo!
Barrenta
a rampa,
o convento,
a cerca,
terra semeada,
irmãzinhas afadigadas:
Tudo lento,
pleno,
da memória.
Evasão, ilusão,
perpetuar
o vasto sol do dia;
paisagens arruinadas,
por fogo batidas.
O deslizar da esferográfica
na completude,
a remar a vento agreste,
a ondas e marés,
estridentando luzes e sons.
Gola puxada à gabardina,
um nó à cintura,
e Celeste,
igual,
ante imprevisíveis emboscadas,
resina d’instantes.
A Leste do Paraíso…
Lembras?
O filme não,
o livro li há muito.
‘Jesus is a soul man!’
O mais violento e manso
dos humanos…
O coração vazio, a alegria.
Fugir até à cidade.
Que é apenas teu,
que, entre casa e rua,
não houvesses estragado?
Redizes Aleluia?
Teus beijos, colombina…
Sorrisos, reencontro…
Blue-jeans rafadas, sonido…
As flores alumiam;
engrinaldam-se trepadeiras;
pássaros cantam
o raiar da alegria quente.
Cresce
O Sinal!
Um Te inquiriu
se eras Rei.
Tu o disseste,
respondesTe,
a chaga Tua viva,
à Jerusalém Sem Fim.
Na evocação
mais firme
dO Teu Nome,
subo escadas;
e ouço: Nega-te! Ama!
Matar com sono obsessões.
‘Um silêncio,
com estrelas aparece,
pra lá da desolação…’
Um anjo desagrilhoou Pedro;
aspérrimo luzeiro fero
sacudindo-o o livrou.

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Post-Scriptum 2:
O ondeante azul as aves sabem
porque vagueiam
para o cimeiro castelo,
onde uns teus cantares calam
na dorida alma mãe,
alento a pobres.
-
Trago-te flores neve,
num aconchegado ramalhete,
canídeo as enxerguei,
e as recolhi,
porque busquei
toda a noite
a clara aurora.
-
Nocturno torpor
a buganvília anula,
o florido jacarandá
maravilha da cor,
chega até à janela
com aves matutino rir.
-
Sanguíneo frio fio riscando a polpa da pêra;
viçoso serviço encomendado;
ígneas tumbas em infames catacumbas.
-
Mãe, dissesTe pra parar.
Repetidas vezes ouvi a linda voz que bem entendo.
Mas reincidi teimando.
Cale agora o sussurro rouco, a confusão,
a turva inquietação, logro meu.
Soe simples louvor a Teu Silêncio Imenso.
Obediente paciente amiga, perdoa.
Recomece, determinado, a aprender morrendo.
-
Mãe, pega-me ao colo.
Salva-me Tu os nulos dias.
Faz com que adormeça
o peso que aqui me tomba.
-
Um dia destes
pego na bagagem
ao ombro,
vou desandar
das tenebrosas barricadas,
afundar-me
p’lo ar esclarecido,
duma brandura
amiga escancarada,
nadar para o luar,
amar, pairar, fugir,
alçar daqui de mim.
-
Companheiro,
come pão
com tua mão.
Teu pão
é pão de irmão.
Come pão,
parte pão,
parte, reparte
com teu irmão.
Que pão
é pão de irmão:
Pão
é igual
para ti
e para irmão.
-
Antemanhã:
Pousa um bufo-real a meio metro de mim,
fita-me dum pranto fundo,
familiar há milénios luz pelas cercanias,
olha-me, e ameaça;
abertas a ele as portas do meu coração,
voa de dentro de meu peito forte
para a liberdade farpada do arame que nos fere;
nítido ainda o registo em foto flash,
a devorar-me os olhos morte
na noite prolongada.
-
Não se julgue que não é cão,
porque cão mesmo é,
ao nível do chão,
captado por seu Ochoa dono,
com zoom máximo e flash Sony,
ao nível mesmo mais são do pobre chão.
«Sai depressa cão deste poema…»
Mas cão não é nem nunca será macacão.
-
Simples palavras digam certas tal-qualmente
coisas a estudar sempre aí ante a tua livre mente.
Outras sonhadas palavras digam
com rigor fulgente.
-
Um dia
um saltimbanco
assaltou banco.
Sobe a um banco, e grita:
Isto é um assalto!
Chega GNR,
prende saltimbanco.
Nunca mais saltimbanco
assaltou banco
-
Restaurante:
Prego no chão pede rapagão.
No chão? Pasma o garção.
Sim, no chão,
que para meu cão.
(Com ronha de palavrão
entretêm fome de cão.)

Inscrições:
- Se amor com amor se paga, amar ante amor amante,
a ao amor amado devolver o amor, a o amor amar por toda a vida.
- Deus Menino, conte à Mãezinha tudo, tintim por tintim.
- Há muitas flores no nome de Jesus, porque, se andamos longe, mais
perto estamos.
- Brando ser, pleno poema, breve, neve, leve, à tona de ar,
corre e vai, longe a paisagens onde para lá de vento e mar.
- Desperta, enche da flor em neve, vinho, pão meus olhos, minha terra.
- Melrinho fiel, que cedo me visitas, saltitando esvoaçante, a cantarolar
cantitos puros absolutos, sílabas dum chão empedrado e turvo
na antemanhã liberta das rosas; vou para filmar, e idealizo uns planos
picados para acompanhar-te a divagação magnífica, enquanto me deixas
por erva húmida, antes dum sol desconhecido.

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Louvor da Luz:
Da pompa
incomparável
engalanados
lírios.
-
Com saudades morre o entardecer.
Ao plátano folha cai.
Num raminho saltita um pardalito.
Perto vagueando perdem-se bambinos.
A sonhar bicicletas loucas uns pedalam.
Nuvens cor a café com leite imobilizam.
-
Folhagem bailando ao quê da luz;
jovens p’lo clima ameno
a tudo atiçam fulgurações;
um dia desperta expandindo-se
a apelativos recantos.
-
Esfuziante alvura a nascente;
quase nos faltam olhos,
tamanho é o milagre.
-
Cogitam pardos patos
enquanto nadam?
-
Barcos atracados,
às ondas, por margens.
-
Das giestas
amarelidão.
-‘
El mar del corazón late despacio,
en una calma que parece eterna...’
Com pasmo se alonga o meu olhar
pra perder-se na lisura do horizonte.
Sejam plenos, fundos, estes dias,
na leveza imersos encham alma,
renasçam do vago alumbramento.
-‘
Por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir…’
Ergue-te, novo sol,
a lourecer cantos.
-‘
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos.
Vem, lume perdido,
florir-nos os olhos…’
Recreiam-se florações a lonjuras.
Reacendem-se após doença
felizes enamoramentos.
-
Sol sumido sob o poente,
a flor do mar a tanger-nos ainda.
-
A claridade
imbricando suavidades.
-‘
Sol nulo dos dias vãos,
cheios de lida e de calma…’
Contudo aqueces as mãos,
contudo animas a alma,
contudo, abrindo à nudez,
mil frémitos acirras.
-
Lobo no covil, o coiraçado poeta,
fugidias imagens perpassando-lhe retinas,
alucinantes incêndios versifica.
-
Cenário dos dias,
vazio imenso borbulhante,
vinho rubro ante o olhar metralhado.
-
Talvez lá tenhamos andado a sol e água,
no pleno fogo estival, por essas Ilhas Comores.
Ou talvez lá tenhamos deixado o errante olhar
p’la extasiada plenitude;
ou um breve relance lançado a mar:
Grande voo a sonhos, leves asas, acalmia, velas,
numa curva dalguma estrada rente ao oceano
mais do que pacífico, por onde alheadamente
hajamos derivado. Ou talvez que, desfeita mortal tenda,
por lá prossigamos indefinidamente.
-
Hoje, à plenitude do espírito,
deixe imprimirem-se-me
paisagens intocáveis.
A calada presença constrange
a pôr final registo,
e louvar quanta maravilha.
-
Por uma força maior
até aos vãos dO Deus
ecos se acumulam,
porções epopeia,
considerável sobra.
-
Olhes árvores
resplendendo p’los passeios,
e intentes nítidas leituras.
-
A partir de agora
se aclare
a etérea rede
enredada
a alvorecer
milénio novo.
-
O todo envolvente eterno,
onde os olhos abrasam,
o coração estremece,
o verso vejo.
Deus se lê,
ossos florescem,
gorjeios soam,
paz acontece,
aos pássaros música.
O filme dos dias,
morte,
erva tenra,
viçosa esperança.
Ladainhas
se rezam,
linguagens
apontam,
devaneios
sorrateiros
espreitam,
o sonho mora,
o claro desenrola
candura nada.
Onde descanso afã,
alço-me a estrelas,
das flores vou indo.
Brinco menino,
cavalgo infante,
homem sigo,
ancião assento.
Entrementes
redigo
cinza, pó,
alento, jeito,
ante o tudo
de mim
mudo.
-
Gato brinca amanhecendo,
esquivo pássaro afoga-se
na aérea luz.

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Da indecisão a um calor melhor
a ti própria te perquirires.
-
Encantos,
olhos abertos.
Raiva,
punhos cerrados.
Asas,
mãos a céus.
Mágoa,
do passado.
Prece,
livro a ler.
Esperança,
nome gravado.
Fúria,
fome de pão.
Luta,
teu bordado.
Vida,
tu a dizes,
meiga rosa,
verde prado.
Morte,
estar vivo.
Palavra,
ai pesado.
Isto dito,
eis retrato
esboçado.
Durmo, velo,
’s’sperado;
fujo, fico
do teu lado.
Voo, tombo,
atordoado.
Amo, espero,
arrojado;
por flores
aluado.
Esta paz,
lago habitado,
canto:
Chilreado,
alma, voz, som,
sopro alado.
Paira noite,
chão chovido.
Abre o dia,
fim datado.
Abre a luz,
dou-me enleado:
Abrigada,
céu, e fado.
Se me ama,
bondade
demasiada,
não lembra
nenhum pecado.
O choro
já chorou.
Vigia
os dedos
na r’scrita.
Margem,
água,
poesia,
onde
tomba
uma pétala.
Põe os olhos
em mim.
Me quer,
me tem.
Gozo infindo
seu regaço:
Mãe,
mulher,
calhandra,
senha, recado.
Baixinho
sussurra-me
ao ouvido.
Sacia-me
do mel,
manjar sagrado.
Sonha-me
um sonho
sobre
meu ombro
reclinada.
Meu tu,
meu tudo,
asa, porta, ave,
cofre do
divino cheiro,
M.
-
Olha o
desfeito
ar,
libérrima
floração
p’la
fonte
das moçoilas.
Goza-o
pra lá das gazelas,
à jorrante
nascente.
-
Mãos vazias
voos dobrados.

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Estações do Peregrino:
Fundos ais chorasTe sobre a arrasada cidade…
Acudas-nos, Ana, Mãe da Nossa Mãe da Paz,
e ouve o louvor que com nossos cantos voa…
Tel Aviv: Afazeres, à Pátria Universal.
Que consta em teu passaporte?
Bat Yam: Acordaram-nos os olhos pó,
às portas da Terra Prometida.
Cesareia: Romanos, lusos, ameríndios, índios, etíopes,
nipónicos, arianos, turcos, arménios,
ucranianos, croatas, chinos,
africanos, gregos, esquimós, hebreus, árabes,
à cor irreal, pasmámos.
Entrementes, quando nos sentámos, a ver que dava,
partiam, adereços aviados, saltimbancos.
Monte Carmelo: Fremindo o sopro.
A aberta imensidade ante, a maior grandeza,
alma altíssima a olhos dada.
O fundo envolve-nos, devolvidos ao claro sonho.
S. João de Acre: Largo voo entre Haifa e Líbano,
onde o cedro do caminho.
Stella Maris: Que era d’Iahweh a voz que move.
A longe nos levava.
Tíberíades: Descalços pisamos pedras húmidas,
perto o manso lago,
dormente dorso em vagas.
Da faina, na pesca, nos erguemos:
Passavas, e seguimos-Te,
amigos com a Notícia.
Cafarnaúm sofresTe
porque previsTe ruína.
Bem Aventuranças: Nova palavra jorrava, estremecia:
Ressoando-nos, nos imos fibras do pobre coração,
nosso e Teu O Esplendoroso Verbo.
Mar da Galileia: Nas lidas escondidas nos calámos;
a lago, ou a bom ar, despreocupação,
distensão e acalmia.
Tabor: Sonambulissimamente divagávamos,
absortos discorríamos deslumbrando-nos
o repleto da Luz um dia aclarada sobre a Terra,
mal acomodadas as próprias tendas.
Até tangermos O Inominável.
Gruta da Anunciação: ‘Verbo caro factum est…’
A alentar-nos.
Do Anjo a irradiação descida, começo fecundo.
Ein Karen: Miriam, sabias, com o coração,
toda a distância compreendida.
Bethlehem: Era tão só crer, a’o cintilar a estrela.
Nazareth: Quotidiano escondido, o aí estares.
Canaã: Teu sangue nosso, convivas da alegria.
Jericó: Onde o estranho era irmão.
Porque ofereceste boleia ao desfigurado,
o Cristo Te sarará também das tuas chagas.
A Jerusalém, cidade das todas as cidades,
as acolhedoras portas sempre abertas,
por próprio pé, acedemos jubilosos…
Um palestiniano, passeando, e assoando-se,
à diurna luz, a última paz…
Até que nos achássemos definitivamente no templo.
Muro das Lamentações: Pesada a prova da memória.
Piscina Probática: Esquecidos no densíssimo pecado,
largos anos esperámos que nos soerguesses.
Das Tentações: Acossados, superamos ancestral desespero.
Monte das Oliveiras: ConTigo chorámos o desígnio dUm Pai.
Basílica da Agonia: Um furco perto do Seu pé sangrando,
a soldadesca entrega-se a mesquinho passatempo,
sobre rabiscos no lajedo, com mínimas pedrinhas.
Via-Sacra: Marcados p’la Tua dor,
em Ti morremos.
Com a Cruz: Bem quis ajudar-Te o de Cirene,
mas Tu lhe desTe a ele Tua Vida.
Santo Sepulcro:
Pra conTigo subirmos
renascermos.
Local da Ascensão: RegressasTe
até aO Lugar de Onde viesTe.
Pai-Nosso: Éramos agora outros ao olhar O Outro,
iguais, Teus co-herdeiros.
Dominus Flevit: Estávamos protegidos e amados.
No transe desentranhavas o amor maior.
Porque antevisTe a vitória dos Teus,
Te deixasTe matar.
Monte Sião: Para reacender as madrugadas.
Cenáculo: Junto a Maria, mudámo-nos dO Enlevo Consolador.
Túmulo do Rei David: Novo incenso, entre sombra e luz.
Dormição: Toda a tua morte, Maria, alumbras,
Nossa Senhora da Ternura.
Cenáculo: Pão e vinho partilhados, plenitude, mãos,
estremecermos na trepidante passagem.
Yad Vashen: Amaro ido com registo, em nós caímos.
…Geena: Medonha, horrenda, hiante desolação…
El Aqsa: Em tonto sono voaram-nos as ideias.
Sob a cúpula doirada do templo,
anéis com versículos gravados aO Misericordioso.
Tumba de Lázaro: Após ignóbil tragédia, somos nós.
Aeroporto: Na bagagem, terra declarada.
Não refizéramos, nem na ínfima parte, O Percurso;
mas ficámos, na pura verdade vagando,
tratando, respirando
conTigo, Cristo Amigo,
pomba, fogo, loucura,
inenarrável libertação:
Até ter cor manhã.

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‘Meus amigos, que desgraça nascer em Portugal!...’
Boi da paciência, que sempre reencontro,
amo-te, e detesto-te até ao vómito.
Quisesse afagar-te os vis corninhos,
e ririas melífluo, como quem padece coceguinhas.
Conheço-te bem demais, engenhoso atávico ruminante!
Conheço e reconheço ‘teu minucioso e porco ritual…’
E ainda aí estás, a ti igual: Anos 0, anos 60.
Marras agora, como já antes marravas,
no tempo em que te detectaram O’Neill e Ramos Rosa.
Pronto resmungas, desmaias, fazes que desfaleces;
como em derriço; como se te sorrisse um incisivo.
Deixa-me que te diga: Com os 60, que conto, na passagem,
já não estou pra ti virado.
Mas, se esse é teu melhor gozo, envolve-me de blandícias,
revolvendo-me p’lo bandulho.
Estou farto.
Desafias-me a que nem a relance te suspeite.
Tal nojo me mete a tua baba.
Tais emboscadas tramas a poético transporte, meu tesouro.
Cerre os dentes firme, Cego A Alta Luz.
Que aspiras ’inda, mansarrão?
Abre os olhos e vê:
Esses não são já os melhores dias.
Ateimas ’inda?
Continuas, boi boizinho?
Pertinaz aderente,
sei que só sumirás quando, por mim, me der o fora.
Espera sentado,
que vou ali e já venho.

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Nomes:
Anne Frank: Amesterdão: A clarabóia, num sórdido sótão,
dava para as nuvens, substância sonhada.
Lima: Povoaste com figuras aladas, bailarins, trapezistas
o horto amargurado.
Hölderlin: Vinho divino, ancestral angústia.
Duval: Cantavas: Havia sorrisos que atravessavam a rua.
Machado de Assis: Excelente tabelião do idioma.
Brel: Golpeados os fios que moviam a marioneta,
eis-te em fuga ante ti próprio.
Junqueiro: Luz mariana e flor d’urze,
em torno ao simplicíssimo burrico companheiro.
Senghor: Salmos da África, tambores eclodindo antiquíssimos ritmos.
Rilke: Soturnos anjos a acolhida noite indiciavam carinhos?
Camilo Castelo Branco: O Verbo esfarelaste, comum banquete.
Simone Weil: 3 da manhã, grutas ao metro, em Londres,
com O Cristo Transeunte acamaradaste.
Antero: Limpidez, a ideia nova, traída por insanos.
Agustina: Reerguendo, em painéis, a casa arruinada.
Jiménez: Moguer tuyo, tu Platero; New York, tu mujer.
Virgílio: A felicidade pela agricultura, áurea mediania,
excepcional opção.
Manoel: Filmaste a cor e luz um Douro duradouro.
Dante: Ante o fogoso amor continuando a pastorear estrelas.
Teresa d’Ávila: Dizer-te é dizer Deus; e só Deus basta.
Carlos de Oliveira: Trabalho infindo, infindo verso.
Bellow: Àquele que conquistou o mundo que baque inquietante
lhe diz que algo lhe falta?
Camões: Rezaste o amor excelente.
Pascoaes: Peregrino saüdoso, que freme no teu olhar entornado?
Kafka: Real o ver irreal.
Hoje a teu pé a noite perturbada.
Beckett: Absurdo, gratuito grito.
Federico: Sangre, sol, areia, folhagem.
Aragão: Não é que o Cristo-Rei se entretem com equilibrismos,
lançando e aparando no céu vis banquinhos de assento?
Dostoievski: Universal envergadura eslava, possessos actores.
Böll: Cataclismos, desumanidade; entreteceres carambolantes prosas.
Sophia: A perder pra lá a vista,
na areia a brancura espuma, a onda iluminada.
Serpa: O que não vias disseste livre.
Saint-Ex.: O principezinho loiro voa, agora noutra, com aviões-correio.
Rosalia: Sar teu rio, Galiza tua terra, saudade comum dor.
Cinatti: Nem chegaste a explicitar umas certas coisas:
Desde o Reino em Timor ao engate da garota inglesinha em Sintra.
António Maria Lisboa: O exactamente especioso.
Ruy: O dia a dia dos mil nadas.
Aleixandre, Vicente: Espanhol camarada, o pó ao volante pé cantaste.
João XXIII: Entranhas misericordiosas geraram tua simplicidade gorda.
Brandão: Fundo humo teu drama, porque recôndito bicho metafísico.
António Machado: Declives áridos, e ermos píncaros, correntes riachos, tu Castilla.
Régio: Realeza, cumes, dor, abismo, ferida. Deus se te amercie.
Pessanha: Ópios dormentes, Oriente, alucinadas infusões.
Cesário: Delineaste os perfis das nossas ruas; percorreste-as, em televisiva reportagem.
Mozart: Troca as asas aos anjos e executa os imbricados scherzos.
A. Negreiros: A cores cantaste a náutica Lisboa.
Husserl: O que ante esteve disseste.
Reis, Ricardo: Jesuítico tu? Castiço, pagão, inopinado.
Shakespeare: Tramas múltiplas, abismos, paixões…
Porque complicados nos sabias.
J. J. Rousseau: Sente o rumurar a água fluindo?
Trindade Coelho: Regatos, recônditos recantos,
trechos de lamúrias, lengalengas, encantatórias fábulas,
ah, a infância.
Paredes: Desfiar lágrimas mel um povo a sul.
Renoir: As armadilhas, e as artimanhas.
Afonso Duarte: Montanhês na planura, lavravas versos.
Natália: Perpassaste as mãos floridas por papel rugoso;
por Alcobaça, num tasco, pousaste rascunhos sobre nada.
Bernardim: Doce tristura, saudosa mágoa,
alguém a quem terno amor abandonou.
Sebastião, da Arrábida: Mudavas de camisola,
saltitavas dum barco para outro,
apertavas atacadores, trocavas na lapela flor,
abraçavas ar, água, montanha.
Pound: Da única gesta itálica universal o melhor fabro.
Paulo: Tombado a conversão, arrasaram-te o entusiasmo e a bênção.
Chagall: Menino sempre em aldeola, à Rússia dos czares.
George Braque: Interiores iguais a antes, pairando cegonhas.
Cecília: Clássico nos teces o fluir fruído, ingénuo encanto.

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Os Poemas da Vida:

-
Trouxeste sabor a mel a meus momentos desolados.
Devolveste-me ternura ao olhar magoado; obrigado!
Se algo te dei, em breve cambiar de palavras, ou em jeito atrapalhado,
guarda-o para ti, como eu guardo a graça, que me deste, e nem sei dizer.
Os passeios, que dávamos, antes da doença, a consumir-nos exaustos.
Ao repetir teu nome sei, trazido de volta,
o tempo das gloriosas primaveras.
Foi bom rever-te, agora, que regressaste à cidade plana,
repleta com o teu eloquente azul olhar.
Por onde se nos entornou o vinho dos sonhos?
-
Por abraçar-te última em meus braços:
Estavas desde início comigo, não te esqueci, enviada,
força estabelecida sob ângulo da nossa casa com uvas.
Assim fomos nascendo do grande nada,
lágrimas, sorrisos, perdas redimidas,
na alegria feroz das horas, companheira.
-
A maior alegria de Isiéli,
a trapezista triste, está em saltar impossíveis,
pra lá da cobertura, dum arame ténue, até pairar,
alta, por entre cintilantes estrelas.
A maior alegria de Isiéli, a trapezista triste,
está em ir, sequer em sonho, até pra lá da lona,
entre fios e luzes, pra voltar ao chão,
e andar somente, ligeira como se voasse.
Isiéli caminha p’los seus afazeres como em puro voo no trapézio,
em busca da paisagem única,
que lhe apresente o limite do amplo estrelejado céu.
É-lhe necessário ponderar fraquezas e forças em pleno salto.
-
Lembrar-te ainda na varanda,
atravessando-nos a hora a despedida,
me faz romper a mudez entre montes perdido:
Pra falar do memorial no coração
gravado a golpes fulgentes a espada:
Abundante pão até todos os meninos,
o fragor dum tronco, fúria irrompendo.
-
Aí acima estás,
erguido à cruz, em Teu lugar de dor.
Dura dor Tua dor,
que é dor, e morte vida,
por estares aí assim,
morto e trespassado.
Mas arrebatasTe-nos até a Teu tão alto aterro.
Em dúvida a Ti venho, faminto desolado
na busca da Esperança que ficou
desde a Tua vitória sobre o Fim.
DesTe ao bom ladrão lugar cimeiro,
à direita imensa dO Pai.
Vá conTigo também meu coração.
-
‘A verdade far-vos-á livres…’
Libertará aqueles cujos nomes constam do Livro da Vida,
porque passaram a grave tribulação: Suas túnicas, branqueadas
no Sangue do Cordeiro, torturados, gaseados, cremados,
cinzas dispersas, da ignomínia reviverão.
Crês isto, contra senãos e desesperanças?
‘Adeus, Príncipe, pela primeira vez encontrei um homem!’
-
‘A ti, sentinela, constituo vigilante da Israel Família…’
Não te escuses repetindo: Acaso respondo p’lo irmão?
Se não o alertares, e ele cair, com ele cairás.
Se não fizeres soar a trombeta, haverá ruína na casa:
A ti pedirão contas. Se não proclamares o aviso em tempo,
às profundas pagarás pelos teus porque não vigiaste.
Se fizeres soar o som, o Seixinho Branco, que firmas no punho,
te encherá, com redobrada alegria, transbordando paz.
Que a Rocha te não destrua; aponta-A.
Ela te será o bem mais precioso,
o tesouro escondido, por que tudo deixaste.
‘Senhor, eu não sou digno de que reparTas pão comigo,
descansado sob meu tecto,
mas a uma só palavra Tua,
ou a um único aceno Teu, eu serei outro.’
-
4/1/1970:
Forte subterrânea convulsão, repentino estrondo surdo:
Em sua força íntima, brusca, uma árvore se eleva do chão.
O anjo, com a espada, desce a últimos confins da Terra,
transportando, na hora, à geral devastação, o furor d’Iahweh.
Seu escuro fundo olhar fixa o dormente mortal,
que num estremecido susto se fere da benévola mágoa.
O Filho do Homem, esplêndida nudez trespassada,
abraça, num vaso transbordante, muitos meninos abortados,
derramando leite, mel, um doce pão a saciar-lhes as mortes.
O pão é dor do homem vivo, sanguíneo vinho dum flanco,
tortura que vitima o pacífico anho.
Logo desperta enxugando as lágrimas o peregrino
do oriente regressado a seus.
O Livro a donzela relê num milésimo fragmento de segundo;
altíssima, olhos decaindo sobre tecido texto, assiste insuspeitas
oscilações à alma, na feliz ultrapassagem da eternidade.

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Simples Orações:
Descia a tarde,
e arrumavas a casinha em Nazareth.
Cenário admirável Gabriel vê,
quando irrompe p’la porta cerrada.
Pára o voo às Tuas mãos,
na entretida paz.
Teu tangido coração
balbuciou o sim.
-
Francisco, António, Clara,
repeti,
connosco,
um canto ao irmão sol,
à lua irmã,
às estrelas altas,
preclaras, belas.
-
Porque desde há milénios Natal,
se cultive, cante-se, soe,
com o coro dos levíssimos entes,
da felicíssima meia-noite
de Bethlehem a imorredoura alegria.
-
‘Porque o cedro foi arrancado.
Afastarei de teu seio os orgulhosos fanfarrões.
Um povo, pobre e humilde,
procurará apaziguamento no nome de Iahweh…’
Não nos pesem as angústias passadas.
As nuvens todas do torpor se esvaiam.
Acolhas nossa Acção de Graças.
-
Teus, inabalavelmente,
até infindos fins,
vivamos relances na imensa luz.
Tão verdade é estares connosco Expectante.
Quanto desejas Te foi dado antes.
Guia segura, sondas-nos para o melhor;
refúgio Te dás, nada nos falta.
-
Tens nosso nada,
um nome cristão,
tudo quanto somos.
Tens nossa fraqueza,
dás-nos Tua força,
abres-nos portas.
Tens-nos no silêncio,
torna-lo repleta palavra
na noite coração.
-
‘Não deixes emudecer
a boca dos que Te louvam…’
Glórias sempiternas a Teu Nome.
Ante Ti se dobrem todos joelhos.
Voem alados pés a promotores da paz.
Jorrem águas a rochedos.
Possam reverdecer as terras desoladas.
-
Dão-se, de coração
quebrado:
O mandamento novo
refaz a humanidade
dum Deus descido.
Não estrangeiros,
verdadeira família
uns dos outros.
No voo querendo-se,
encaminham-se.
Dizei se tal amor
não vale a vida.
Assim sendo
firmíssima expande
a aventura.
-
Trate linguagens,
domine meandros,
se não me move Amor,
mas puro Amor,
eu nada sou.
Sonhos, logros
de esforçados dias,
‘tudo passará
excepto a caridade…’
-
Espírito Divino,
acode-me,
mísero morro;
pó, alento, liberdade,
dói-me não cantar toda a alegria.
-
Tanto machucaram feridas vivas.
Infernos sofri a bom sofrer.
Já assumpto em mim,
nem sei contar
os golpes cometidos.
Oswiecins vivi,
meus descaminhos.
Ante os novíssimos,
espero, creio e amo,
pois Maria graça é, e poesia.
-
Estrela da Manhã,
que dissipas as trevas da noite,
abre-nos caminho para bom lugar.
Nosso nada calas.
Tanto baste.
-
Lausperene:
Estás inteiro
em corpo inteiro.
Revejo-Te,
como quando percorrias,
mais os Teus,
a celeste Galileia.
A plenitude é em Ti,
das suavíssimas entranhas
dA Sempre Virgem
Oferta Maior,
que humano peso vences.
-
Jesus,
inspecciona-me a que ande sempre em Tua luz.
Volte de novo a comportar-me como menino.
Nada perca da graça que me dás.
Respire louvor a minha oração água corrente.
Cada gesto meu Te seja aprazível oblação.
Dê-me à vida inteira cada manhã.
Envolva-me a bondade infinita a clarear.
Tarde toda acompanhe a Tua Paixão que salva.
Noite repouse na calma do Teu ombro.
Frua a cada transe Teu amor,
que se prolongue.
-
Mãe da Luz do Céu,
alcance subir a pulso a Escadinha das Rosas.
E eu cale quanto não Te bendiga;
não canse de mostrar-me grato p’lo que me dás,
a alegria de filho Teu.
Dê O Enganador Das Não Vidas turvas voltas.
Não será ele parvo chapado?
Atenuasses Tu seu pesadelo.
Tem-me no Teu olhar sem sombra.
-
António, meu bom comum Avô,
move às moças baques cordiais,
a que me dêem água das frescas bilhas.
-
Pão que baste minha fome,
água que baste minha sede,
verdades que comungue,
tamanho abraço que com força abrace,
mãos abrindo doce paz
até a esse vasto mundo
em que quisera sem fim
andarilhar…
-
Amiga, que mais pedir?
Olhes teus filhos desviados.
Amem eles verdadeiramente a paz,
e o céu a trará na cor inexplicável.

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Imensa mesa, imensa alegria:
Sabei, homens, quanto vale viver a paz;
a insondável riqueza, a diferença, o vosso irmão;
o intangível sagrado, que encerra convicto
o que de vós discorda;
quantas vidas se salvam por um acordo,
selado com um simples aperto de mão;
o valor que é o outro, e quanto bem é dardes,
a esse outro, o espaço, vosso, que lhe é devido.
Sabei também quanto a vossa terra merece
que a deixeis florescer e frutificar,
à luz da imensa alegria.
Se tal souberdes, dareis as mãos confiantes;
alegrar-vos-eis, com os demais convivas,
no comum banquete da palavra,
num invencível amor.
Saudareis com à vontade todo o homem
em língua que a nenhum será estrangeira;
e em qualquer parte do habitado planeta
vos sentireis como em vossa própria casa.
Abrireis janelas amplas
a cada novo alvorecer;
cada manhã será a manhã do novo homem.
Sabereis o que é o vosso chão e o vosso pão;
o peso, a leveza, a sã consciência solidária;
a dignidade de estardes vivos.
Tereis o vosso tempo, pois todo o tempo será vosso;
inaugurareis um novíssimo milénio
com admirável fraternidade.
Serão então o ar, o pão, a água prodigalizados com a poesia,
abundante parte à mesa dos humanos,
elevados que sejais a uma verdadeira harmonia;
o alto e claro sol vosso será,
e partilhado.
Deus será um comum pai, única mãe;
possibilidade de ser invocado por Seus desvairados nomes;
presença, jamais ausente, na mais pequenina das flores;
até vós descerá.
Em mão vos terá da paz movidos;
porque habitará o cerne dos vossos sonhos;
e iluminará sorrisos em todos os meninos.

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ANÁFORA DA VIDA PROBLEMÁTICA
EM UM QUASE SONETO:
Se só uma vez estás vivo,
se só uma vez dizes Amor,
se só uma vez salvas Amigo,
se só uma vez acenas Adeus,
se só uma vez vives,
se só uma vez morres,
se só uma vez vês a Cor,
se só uma vez vives a vida,
se só uma vez morres da morte,
se só uma vez o grão do trigo sepultas
para dares lugar ao pão para a mesa…
Porque disse então
o Jesus Cristo dos paradoxos
ser preciso nasceres de novo?

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Talvez lhes interesse ver os 14 (catorze) dos 16 (dezasseis) vídeos que ontem e hoje postei na YouTube.
Seguem os links para visionarem os mesmos:
http://www.youtube.com/watch?v=VTPh2JBjYSc
http://www.youtube.com/watch?v=2GZqJG9Fnyk
http://www.youtube.com/watch?v=zMa9P93bol8
http://www.youtube.com/watch?v=Q0IGpr9w-74
http://www.youtube.com/watch?v=H9__w3QJmMU
http://www.youtube.com/watch?v=5pAjjMNcxqI
http://www.youtube.com/watch?v=kYzRIB-REDM
http://www.youtube.com/watch?v=FnpGpcIgjr0
http://www.youtube.com/watch?v=ACeoOx8cjNA
http://www.youtube.com/watch?v=IamKH6W50e0
http://www.youtube.com/watch?v=sLcxhYyAnKc
http://www.youtube.com/watch?v=nvDI60aPWHI
http://www.youtube.com/watch?v=BV2763mVu4E
http://www.youtube.com/watch?v=rfX_Jpgq1VM
http://www.youtube.com/watch?v=6kdF5OB4kAM

(Agradece (o Ochoa) que divulguem a bem da poesia e da alegria!)
Com o meu muito obrigado a Helder Barros amigo de sempre e a Graça Ochoa flhota actriz de meu coração!
E obrigado também a António Barreto pelo palanque!