domingo, 27 de dezembro de 2009

Quatro décadas: da mudança à incerteza - Intervenção na Academia das Ciências de Lisboa

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ERA UM PAÍS FECHADO. Um Estado autoritário. E um povo inculto. Era Portugal do início dos anos sessenta. Pequeno, pobre e periférico. País rural, quarenta por cento da população, mais do que qualquer outro na Europa ocidental. Uma alta natalidade estava na origem da população mais jovem do continente. Uma obscena mortalidade infantil (mais de oitenta por mil) e uma esperança de vida reduzida (sessenta anos para os homens e sessenta e cinco para as mulheres) denunciavam o atraso social e económico. Os horizontes eram fechados, a escola medíocre e insuficiente, a saúde pública quase inexistente, poucos os empregos industriais e a liberdade diminuta. A maior parte dos agregados domésticos não tinha acesso aos serviços públicos de água, de electricidade ou de saneamento. As infra-estruturas eram pobres e ineficazes, as deslocações eram difíceis. Os portugueses viajavam pouco dentro do seu próprio país. O número de analfabetos elevava-se a quarenta por cento da população. Legalmente oprimidas, as mulheres tinham pouco empregos (apenas quinze por cento da população activa), eram mantidas à margem do espaço colectivo e não tinham o mesmo estatuto de cidadania que os homens: viviam e morriam, em maioria, fechadas nas suas vidas domésticas. Era assim que viviam os portugueses há cinquenta anos.

À margem da Europa, o país vivia um relativo isolamento. Virado para o Atlântico e para África, onde possuía o último e imenso império colonial, os seus contactos com os países vizinhos eram reduzidos. Para as autoridades políticas, o isolamento era uma virtude. A tradição nacional, que valorizava o catolicismo e a ruralidade, era defendida e cultivada. A memória de um passado glorioso era o substituto de um futuro incerto. O oceano, fonte de memórias antigas, abria o país ao mundo. Mas a fronteira terrestre separava-o, mais do que aproximava, do único e grande vizinho, com o qual as relações não eram, quase nunca tinham sido, próximas, boas e amistosas. O Ultramar era o horizonte. Poderoso na ideologia e na retórica, mas afastado na geografia e na economia. A versão oficial proclamava uma sociedade multirracial, da Europa à Ásia. Mas, na verdade, a sociedade portuguesa era uma das mais homogéneas de todas as europeias. Os seus traços característicos punham em evidência uma grande unidade cultural, religiosa e étnica. Uma só língua dava forma a esta homogeneidade. Nas ruas das cidades, era raro, muito raro, cruzar um africano, um asiático ou qualquer outro estrangeiro. Além de tudo isto, o regime autoritário reforçava a ausência de pluralidade na sociedade portuguesa. (...)

Texto integral [aqui]

4 comentários:

A. A. Barroso disse...

Sim! Portugal era isso tudo e tinha também uma Justiça melhor do que na actualidade. Este exemplo é irrelevante para os sábios encartados que nos servem sentenças por dez reis de mel coado:
-O Acórdão do STJ de 3 de Maio de 1952, Boletim n.º 33, página 285, defendeu a seguinte tese:

“Se os maus tratos forem infligidos pelo marido à mulher, eles não constituirão sevícias capazes de justificar o pedido de divórcio se não excederem os limites de uma moderada correcção doméstica”

Pois, mas o sr que classifica coisas destas como positivas deve ser porque á transmontano onde ainda se usa a moderada correcção doméstica

www.angeloochoa.net disse...

Ser cristão…

O Espírito, com inenarráveis gemidos, por nós intercede.

De acordo com a jesuscrística promessa de que, após Ele dos deixar pelo Pai, não ficaríamos órfãos, mas selados com selo de adopção.

É Ele, O Espírito, que nos defende e nos coloca, do coração para a boca, a precisa palavra da nossa defesa e da Sua vitória.

Por ele geme e anseia a criação inteira em dores de parto com vista à Parusia, na expressão paulina.

É esse mesmo Espírito, que fala em nós quando clamamos Abba, Paizinho.

Segundo esse mesmo Espírito, proclamamos Jesus Rei de Paz Salvador Nosso de Deus.

Nenhuma boca jamais disse «Jesus, Senhor», senão por acção do Espírito Santo de Deus!

Somos a partir de agora natos de novo, não da carne, nem da morte, mas da Vida Sem Fim! Libérrimos Filhos de Deus! Já conhecemos a Verdade, já por Ela nos libertámos.

Nenhum de nós pergunta: «Que saber?»

Que Ele nos revelou neste último tempo todo o saber!

Falta só que Deus seja tudo em todos.

Falta o cumprimento efectivo da promessa a nossos pais, grande desígnio é o nosso, Amigo Alexandre, porque Um Deus nos libertou com o preço incalculável do Sangue da Água do Espírito.

A que «Dios nos baste» -- na expressão da Doutora da Igreja Teresa de Ávila.

E…

Quem ama afasta, de si, todo o temor.

…Porém os Novos Céus e a Nova Terra só até nós vêm por Maria, a «causa da nossa alegria…»

A plenificada do Espírito Santo, Maria, é a Sabedoria anterior, e terna, do mesmo Espírito consoladora!

www.angeloochoa.net disse...

Boi Boizinho


Poema do Boi da Paciência Português

‘Meus amigos, que desgraça nascer em Portugal!...’
Boi da paciência, que sempre reencontro,
amo-te, e detesto-te até ao vómito.
Quisesse afagar-te os vis corninhos,
e ririas melífluo, como quem padece coceguinhas.
Conheço-te bem demais, engenhoso atávico ruminante!
Conheço e reconheço ‘teu minucioso e porco ritual…’
E ainda aí estás, a ti igual: Anos 0, anos 60.
Marras agora, como já antes marravas,
no tempo em que te detectaram O’Neill e Ramos Rosa.
Pronto resmungas, desmaias, fazes que desfaleces;
como em derriço; como se te sorrisse um incisivo.
Deixa-me que te diga: Com os 60, que conto, na passagem,
já não estou pra ti virado.
Mas, se esse é teu melhor gozo, envolve-me de blandícias,
revolvendo-me p’lo bandulho.
Estou farto.
Desafias-me a que nem a relance te suspeite.
Tal nojo me mete a tua baba.
Tais emboscadas tramas a poético transporte, meu tesouro.
Cerre os dentes firme, Cego A Alta Luz.
Que aspiras ’inda, mansarrão?
Abre os olhos e vê:
Esses não são já os melhores dias.
Ateimas ’inda?
Continuas, boi boizinho?
Pertinaz aderente,
sei que só sumirás quando, por mim, me der o fora.
Espera sentado,
que vou ali e já venho.

Ângelo Ochoa, Poeta

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Professor António Barreto,

concordo com grande parte da lúcida síntese de sociologia histórica feita. Faço apenas algumas notas soltas sem nenhuma tese que lhe esteja subjacente:

1. Portugal com a abertura à Globalização desenfreada perdeu-se como país de brandos costumes... como país de "paz interna" do ponto de vista social que continuou a existir após a revolução.

2. A ideia de que o país não tem futuro é como se sabe bem antiga e deriva de um complexo de inferioridade bem típico dos povos ibéricos, pois basta lembrar que os ingleses nos rotulavam no século XVIII como africanos ou por palavras "não civilizados".

3. Tem toda a razão quando fala da existência pela primeira vez na História de Portugal de um "consenso constitucional" aceite por todos os segmentos sócio-ideológicos!

4. Parece-me fundamental como diz que se faça o estudo histórico e sociológico da adaptação dos retornados do Império.

5. A noção de que caminhamos para a vigência de um regime meritocrático a construir é, a meu ver, um ideal utópico das élites tecnocráticas que os autores humanistas não podem aceitar como nos diz José Gil no seu mais recente ensaio do psico-drama existencial português.

6. Subscrevo inteiramente que as folclóricas pedagogias deram um peso excessivo aos aspectos lúdicos, associados à pressão estatística vinda dos relatórios PISA da OCDE, subvertendo a beleza da dignidade docente dado que as aprendizagens só se devem fazer quando os alunos estão motivados! Ora isto significa que se passou a cultivar a pedagogia dos direitos dos alunos e foi esquecida a dimensão global pressuposta no conceito de cidadania para a qual devemos educar os alunos. Há, pois, como o digo, numa das crónicas do meu blogue "O estado do ensino público, básico e secundário, em Portugal: hesitações, contradições e ambiguidades (1970-2009)", inúmeros paradoxos que não permitem o sistema educativo evoluir no nosso país no sentido da qualidade.

7. Concordo, também, com a ignorância larvar que contamina grande parte da sociedade portuguesa.

8. Sem dúvida, que o ideal europeísta permitiu notáveis progressoss no país, mas como diz também gerou desquílibrios graves nos sectores económicos do país, porque nem todos os países podem implementar o mesmo paradigma económico sem se terem em conta as debilidades e as circunstâncias nacionais de cada um.

Em conclusão, mais uma vez o Professor António Barreto presenteou-nos com a sua lúcida análise de síntese de história social a fazer lembrar-nos a escrita de A.H. Oliveira Marques!

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt