domingo, 12 de julho de 2009

O eterno recomeço


DOIS ACONTECIMENTOS marcaram a semana na Educação. O início do processo de colocação de professores e as reacções destemperadas da ministra e do fantástico secretário de Estado Walter Lemos à baixa das médias dos exames de Matemática. O primeiro é conhecido e tradicional. Concorreram mais de 110.000 professores, foram colocados, de uma penada, 30.000. Outras fases virão, até Dezembro, imagine-se, em que serão colocadas mais umas dezenas de milhares. Poucas dezenas de milhares ficarão de fora. Facto novo: os contratos serão por quatro anos. Tudo o resto é velho: a burocracia, a falta de autonomia das escolas, os atrasos, a desumanização e os inevitáveis erros. Já foi pior, é verdade. Mas ainda é muito mau. E, com o modelo actual, irreparável. Não faz qualquer sentido organizar processos de candidatura e colocação no plano nacional, desta maneira centralizada. Não há empresa ou instituição capaz de fazer isto bem feito e a tempo e horas. Mas o ministério e os sindicatos continuam a querer assim. Por razões fantasiosas, que incluem a isenção, a igualdade e a imparcialidade, mas que se resumem a uma só: o poder de um e de outros.

OS RESULTADOS da Matemática revelaram uma média nacional razoável, positiva, o que já é extraordinário, mas muito abaixo dos fenomenais 14 (ou 12,5 conforme as contas) obtidos no ano anterior. A ministra e o formidável secretário de Estado Walter Lemos reagiram em nome da honra ofendida. Acusaram os jornais, as televisões, os jornalistas em geral, as associações científicas, a Sociedade Portuguesa de Matemática e o professor Nuno Crato de serem responsáveis pelo desastre. O argumento, de impagável rigor, corre mais ou menos assim: eles convenceram os estudantes de que os exames eram fáceis; em consequência, estes não estudaram e tiveram más notas. Comentários para quê?

ESTES dois episódios revelam a insistência nos modelos errados e nas práticas absurdas. Assim como a desorientação que se instalou no ministério. O que ali aconteceu, ao longo da legislatura, não é propriamente uma surpresa. Mas é triste. A revelação de um carácter inicial e algumas decisões simples, mas com prováveis efeitos muito profundos, criaram uma expectativa favorável. Os contratos com os professores anunciavam-se mais duradouros, pelo menos três anos (agora quatro). Os regimes de faltas dos professores foram apertados e dadas instruções para garantir a substituição dos faltosos. Muitas escolas ficaram abertas até mais tarde. Centenas de delegados sindicais profissionais foram devolvidas às escolas, donde nunca deveriam ter saído. Medidas foram tomadas para reduzir ou eliminar a demagogia eleitoral na direcção das escolas. Em vez de políticas complexas, recheadas de ideologia barata, tínhamos diante de nós orientações claras para a resolução rápida de erros e problemas atávicos. A gestão destas decisões foi mais difícil. O espantoso secretário de Estado Walter Lemos dirige por despacho e directiva e esse método não é muito eficiente. Mesmo assim, o início parecia promissor.

DEPOIS, foi a lenta deriva. Até ao rápido afundamento. Agigantou-se uma figura, a do extraordinário secretário de Estado Walter Lemos, seguramente responsável pelos mais graves dislates subsequentes. Instalou-se a teimosia e a irritação na sede do ministério. Na esperança de contar com apoio popular, designou-se um inimigo, os professores. A velha guarda dos técnicos de educação do ministério recuperou forças e dominou a mecânica. Regressou a burocracia dos pedagogos iluminados. Produziram-se milhares de páginas de regras, regulamentos, orientações, normas, despachos e instruções, numa sofreguidão doentia. O assombroso secretário de Estado Walter Lemos exibiu uma produtividade sem par. Estabeleceu-se um princípio moral detestável, o de que uma correcção é fraqueza e um erro repetido é força. Criou-se um sistema de avaliação impossível destinado, não a avaliar, mas a exibir autoridade. Reforçou-se o centralismo da política de educação. Contrataram-se militantes partidários para preencher a rede de dirigentes nacionais e regionais. Exerceu-se uma inadmissível influência política no processo de elaboração e de avaliação dos exames, a fim de conseguir impensáveis melhorias de notas que provocaram o riso do Atlântico aos Urais. Chegaram a obter-se aumentos de médias de exames, de um ano para o seguinte, da ordem dos 40 por cento!

A DERIVA ministerial teve, quase até ao fim, um sólido apoio: o do Primeiro-ministro que, nestas coisas de exames, quer resultados de qualquer maneira. É ele o grande inspirador da teimosia. É dele a ideia de que a facilidade é democrática e socialmente igualitária. Só a aproximação das eleições e a derrota nas europeias tiveram alguma influência no método. Instruções foram dadas para suavizar e adiar. Não para corrigir, é claro. Mas parece já ser tarde. O que realmente entristece é que, mais uma vez, se perdeu uma oportunidade de ouro. Com a maioria absoluta e a aparente contenção do poder sindical, parecia possível procurar outras vias, nomeadamente a da autonomia das escolas e da sua devolução por inteiro às comunidades. Assim como a fixação de regras estáveis e tradições científicas relativas à avaliação dos professores e dos estudantes. Tal como, finalmente, a erosão, ou destruição, do poder central e burocrático do ministério. Era possível, sem grandes ilusões, imaginar métodos e princípios que promovessem o mérito e afastassem a ficção da ciência pedagógica da facilidade.

A MOBÍLIA está partida? Persistem em colocar gesso nas pernas das cadeiras quebradas. A incapacidade de gestão unificada de milhares de escolas está demonstrada? Insistem em governar por despacho e grelha. É flagrante o descalabro da escola afastada das comunidades e dos pais? Continua a alimentar-se uma escola centralizada. O cansaço, a desilusão e a desistência de tantos professores são evidentes? Reforça-se a autoridade e o despotismo. A mediocridade da formação cultural e técnica mantém-se? Inventam-se novas oportunidades para que seja cada vez mais fácil. É caso para dizer: não se aprende nada!

«Retrato da Semana» - «Público» de 12 de Julho de 2009

28 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Acaba de ser afixado, no 'Sorumbático '[ver aqui], um 'passatempo com prémio' relacionado com o tema desta crónica.

joshua disse...

Em quatro anos de este horrendo ME, tenho três anos de desemprego, de empobrecimento agudo, após doze anos ininterruptos de trabalho. Nestes quatro anos, leccionar tornou-se-me episódico e ainda mais temporário. Por três meses, num ano lectivo. Por um mês, noutro. Pai de duas filhas, quando mais necessitava, mais o Sistema me filtrou e puniu, rejeitando-me como se fora lixo humano.

Fui barrado basicamente por razões políticas. Fui filtrado e prejudicado pelo Sistema Centraleiro por me opor ao Espírito de Porco* vigente. Porque contestei aberta e desabridamente essa sanha persecutória demente. Porque lutei contra o derramamento infrene e insane de burocracia altamente penalizadora da eficácia sedimentadora da Educação para os apetrechos indeléveis do Saber. Porque senti e denunciei o ambiente moralmente desonesto na praxis e no discurso logo desde o início.

Agora, urge superar esta fase maligna. Autonomizar as escolas. Reencontrar a Alegria e a Liberdade na Escola, lugar hoje de conflitualidade, crispação oprimência.

Talvez seja hora de recordar factos graves. Responsabilizar politicamente os causadores de mortes prematuras. Docentes que morreram de puro desgosto e completo estresse com tamanha desmesura burocrática brutalóide e terreno permanentemente movente da mais cruel movência.

Um ME e um PM demagogicamente punitivos da docência clamam por Exemplar Punição.

______
*Uma pessoa com 'espírito de porco' é uma pessoa cruel, ranzinza, que se especializa em complicar situações ou em causar constrangimentos. Mas de onde vem esta expressão?

A origem vem dá má fama do porco, embora injusta, sempre associada a falta de higiene, à sujeira e - inclusive - à impureza, ao pecado e ao demónio, conforme alusões feitas no texto bíblico do Antigo e do Novo Testamento. As informações são do livro O bode expiatório, do professor Ari Riboldi.

Segundo o professor, essa má fama foi reforçada no período da escravidão, quando nenhum dos escravos queria ter a tarefa de matar os porcos nas fazendas. Nessa época havia uma crença de que o espírito do porco ficava no corpo de quem o matava e o atormentava pelo resto de seus dias.

Então, diz-se que quem comete crueldades está tomado por esse 'espírito malévolo'.

Manuel Brás disse...

I Parte

À lenta deriva inicial,
segue-se o rápido afundamento,
da política demencial
regulamento atrás de regulamento.

A ideia de facilidade
é democrática e igualitária,
é esta a moralidade
de uma política segmentária!

Com base na autoridade
do mais puro despotismo,
tamanha é a imbecilidade
deste ignóbil autismo!

II Parte

As oportunidades perdidas
desta bandeira educativa,
pois as pessoas foram iludidas
pela propaganda governativa.

Esta triste realidade,
com milhões desperdiçados,
é feita de futilidade
e de diplomas amassados!

Sem retorno tangível
para o resto da sociedade,
esta política fungível
dilacera até à saciedade!

Epílogo

Mais que esfarrapada,
o ridículo simplista,
a justificação empapada
da educação socialista.

Tamanha é a coragem
desta ridícula postura,
a educação é uma miragem
com esta falta de cultura!

Os despojos educativos
desta política miserável,
são ademais elucidativos
da podridão deplorável.

josé ricardo disse...

caro antónio barreto,

a mim já em dói a garganta de tanto gritar. poucos me ouvem porque são poucos os que me lêem. no entanto, não me vou cansar nunca de me insurgir contra a terrível injustiça social e profissional que muitos professores são sujeitos. professores com dez e mais anos de serviço a contrato, não sabendo, ano após ano, que horários vão ter (completos, incompletos, temporários, até ao final do ano...) ou mesmo se não irão parar no medonho desemprego. professores com habilitações profissionais e científicas acima da média (mestrados, doutoramentos) e ninguém - ninguém - tem uma preocupação relevante e consequente com eles. os sindicatos, neste propósito, são de uma hipocrisia atroz, procupando-se muito mais com um qualquer escalão lá em cima do topo da carreira do que olhar com acerto para estes professores. não houve nunca um governo, nenhum ministério da educação, mesmo um qualquer dos iluminados que tivemos, capaz de olhar com uma perspectiva de justiça social apra estes casos.

cumprimentos,
j. ricardo

Manolo Heredia disse...

Vejo muita gente dizer que isto e aquilo estão mal, no Ensino, na Saúde, na Justiça. Não vejo ninguém a sugerir como deveria ser…
Deitar abaixo é fácil. Difícil é construir.
No próximo artigo gostava que sugerisse uma forma de colocar os professores, de uma só vez, e que fosse justa e eficaz. No artigo seguinte podia dizer-nos como acha que se deve motivar os alunos a estudar matemática e português.
Seriam dois grandes contributos para a resolução dos problemas do Ensino em Portugal. Duvido que o Director do Jornal os deixasse publicar (ficavam sem interesse mediático!), e lá se ia para as couves uma fatia dos ganhos do articulista.

Carlos Medina Ribeiro disse...

A ideia de que «se alguém critica, tem obrigação de fazer melhor do que o criticado» está dissecada [aqui], e poder-se-ia chamar «A falácia do marceneiro».

Segundo os defensores desse princípio, eu só posso dizer que um carro não presta se for capaz de dizer como se constrói um como deve ser. Não é assim, pois quem é pago para fazer carros decentes é o fabricante - não sou eu.

joshua disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
joshua disse...

Vê-se bem que o Manolo fala de estômago farto e igualmente farta autossuficiência.

Vamos lá ver: entre criticar por criticar e detectar um problema medular de falta de honestidade a (in)vertebrar uma política EDUCATIVA há uma enorme diferença. E a crítica de AB fortalece-se precisamente nesse plano incontestável à metologia, errada, e aos princípios, desonestos, por parte de este ME e do seu PM.

Não se pode esperar benefícios seja de que espécie for num Sistema devastando a moral das tropas, submetendo-as ao pão e água da desesperança e do desalento e da mais mal-educada desconsideração e menoscabo, coisa em que o galheteiro do ME foi pródigo.

Não há sugestões a fazer, por mais construtivas e bem intencionadas, quando a intransigência e a crueldade pura e dura (des)norteiam a acção política, conforme se testemunhou neste ME que parecia ter especial prazer em denegrir a docência para capitalizar apoio popular e a prossecução das suas teses maniquéias. Daí que agir para a fotografia e para os números tenha constituído a derradeira traição ao povo Português de este Trio-Testa-de-Ferro do PM, traição porque sem o concurso íntimo e convicto de parte de ele-Povo e até abespinhadamente contra ele, os professores.

Em suma, uma política sem Amor. Uma política sem ética. Uma política da terra queimada, abrindo a porta a todas as lógicas do favoritismo e da politização dependente.

António Barreto disse...

Meu Caro Carlos,
Há já muitas semanas que venho hesitando em abordar este assunto da legitimidade da crítica em situação em que não se propóe, não se sabe ou não se faz melhor. Mas você foi definitivo! A "falácia do marceneiro" deveria ter estatuto de "Parábola" e fazer parte de qualquer livro de estilo de jornais, revistas, televisões... E já agora também da República!
Às vezes, acontece até que quem critica tenha algumas ideias ou propostas. Se for o caso, os senhores que criticam os críticos logo afirmam: "Falar é fácil, mais difícil é fazer"! Verdade é que esta forma de censura moral é um convite à resignação. Ou à adesão ao poder, qualquer poder!
AB

Carlos Medina Ribeiro disse...

Já que se fala de ensino e de estudo, permito-me sugerir a leitura da crónica «Gostar de saber e dever cívico de estudar» [ver aqui], publicada hoje pelo Prof. Galopim de Carvalho no seu blogue «Sopas de Pedra».

Manolo Heredia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manolo Heredia disse...

Nada disso, Carlos. Quando alguém diz que algo não presta está sempre a comparar com outra coisa do mesmo género, mas que considera melhor.
Na pergunta “porque não faz você melhor?” está incluída a pergunta “então qual é o modelo que conhece, que é melhor”. A isso os que criticaram não querem ter que responder, porque atrás dela viriam outras perguntas, de muito mais difícil resposta, como por exemplo “com que meios humanos?”, “com que meios materiais?”.
É óbvio que todos gostaríamos de ter um S.N. Saúde como o inglês dos anos 70, mas será que temos médicos que aceitem as condições de trabalho dos médicos ingleses? E temos dinheiro para fazer bons hospitais públicos? etc. Não vamos brincar às falácias!

Manuel Brás disse...

Se me permitem, umas quadras "adenda" baseadas no texto «Gostar de saber e dever cívico de estudar», do Prof. Galopim de Carvalho, mencionado anteriormente:

O dever cívico de estudar
e gostar de saber,
são bases para se elucidar
e para a erudição conceber.

Seja no meio familiar,
seja no meio escolar,
a forma de os conciliar
deve o saber propalar!

Jorge Carreira Maia disse...

António Barreto (AB) escreve: “Os regimes de faltas dos professores foram apertados e dadas instruções para garantir a substituição dos faltosos.”

Mas não percebe como todo o resto já estava aqui. AB inverte, certamente por acaso, a ordem das coisas. Mas ela não é arbitrária. Em primeiro lugar, foram dadas instruções para garantir a substituição dos faltosos e só depois, bastante depois, é que o regime de faltas foi apertado, aperto com o qual concordo inteiramente. E aqui começou o conflito que ninguém percebeu fora das escolas. O que aconteceu durante muito tempo é que os professores que não faltavam às aulas passaram a ter como prémio substituir os professores faltosos, sem qualquer compensação e sem que os que faltavam tivessem alguma penalização. Isso gerou dentro das escolas um grande espírito de revolta. O novo regime de faltas, que deveria ser a primeira coisa a ser feita, veio atenuar a situação. Mas a atitude da tutela mostrou logo uma coisa: o profundo desprezo que o ME tinha pelos professores cumpridores. A ruptura entre professores e ME não vem do Estatuto. Vem das aulas de substituição e da forma como elas foram impostas. Essa ruptura nunca mais sarou. Pelo contrário, foi uma ferida que gangrenou. Nem a sociedade civil nem os comentadores como AB perceberam o que estava em causa (o desprezo do ME pelos sentimento de justiça que existe em cada um de nós, como se cumpridores e não cumpridores fossem todos iguais e todos igualmente culpados de certas situações de absentismo). Mas já neste caso estava presente a atitude que depois se foi tornando clara para a opinião pública. Contrariamente ao que parece depreender-se do artigo, não há qualquer ruptura nas políticas deste ME. Pelo contrário, há uma clara coerência e uma linha de continuidade assinalável. A deriva ministerial começou na primeira hora.

Voltarei a este “Retrato da Semana”, pois há outros pontos que merecem reflexão, mais até do que este.

António Viriato disse...

Prezado António Barreto e demais contertulianos,

Começa a ser penoso, emitir comentários a propósito do descalabro do nosso Sistema de Ensino.

Decénios já de fantasias, de experiências pedagógicas falhadas permitem traçar um futuro sombrio, para as gerações mais novas, severamente afectadas na sua preparação técnica e cultural.

Nos sucessivos governos, a presente tragédia foi sendo disfarçada, iludida com palavreado denso e abstruso, de suposta proveniência técnica, especializada, de pedagogos vanguardistas.

No governo actual, apareceu no Ministério um misto de dirigismo auto-suficiente e apregoada competência técnica, apostada em melhorar substancialmente os resultados do baldado esforço educativo dos governos anteriores.

Alguns ainda lhe deram o regular benefício da dúvida, desta feita mais justificado pela introdução das modernas tecnologias potenciadoras, dizia-se, do rendimento da aprendizagem.

O espalhafato do Governo com a distribuição dos Computadores Magalhães, operação extremada de propaganda, que encontrou na figura do PM José Sócrates um exímio executante, criou equívocos desnecessários, que apenas prolongam a situação de descalabro anteriormente atingida.

Como salientou um perito israelita trazido a Portugal por Nuno Crato, a introdução do Computador em fases demasiado incipientes da formação escolar, quando os alunos ainda não dominam operações fundamentais da Aritmética, nem sequer a comezinha tabuada, nem a leitura, com a consequente compreensão dos textos lidos, nem a redacção de pequenos textos próprios, com a expressão dos seus raciocínios, mesmo elementares, nenhum benefício produz no sistema educativo, não aumentando nenhum rendimento na aprendizagem dos alunos.

Em fases mais avançadas, pode e deve o Computador ser usado com proficiência pelos alunos, desde que bem orientados pelos Professores, sem, no entanto, se descurarem os processos básicos, formais, tradicionais da aprendizagem, em que o recurso à memória não deve ser desprezado, antes incentivado, pois com ela se criam automatismos indispensáveis para ulteriores progressos intelectuais, habilitando os alunos a aprender matérias mais complexas, com maior desembaraço.

Analogamente, a tentação de impor a facilidade para se obterem estatísticas atraentes só contribui para aprofundar a ilusão, de que se logrará dano seguro e certo.

Para agravar as coisas, a par da mistela substantiva em que transformou o conteúdo real do actual Ensino, sobretudo o dos graus Primário e Secundário, base de todo o futuro edifício educativo, deixou-se criar nas Escolas um ambiente de anarquia disciplinar, que torna extraordinariamente difícil a nobre tarefa de Ensinar e Educar as novas gerações, por maiores que sejam o empenho e a competência dos Professores.

Se neste já grandemente deficiente Sistema, não for possível restaurar um ambiente de disciplina, justo, equilibrado, compreensivo, mas inequivocamente normativo, dotado de rigor no ensino das matérias, capaz de induzir nos alunos noções de respeito e consideração pelos Professores, como pelos colegas, continuar-se-á, então, na senda da degradação e do desperdício, porventura em níveis crescentes, de que o País pagará seguramente elevado preço, não só a longo, mas a médio e mesmo já a mais curto prazo.

Dizer isto não é enveredar pelo pessimismo, nem engrossar as fileiras dos profetas da desgraça, mas tão-somente principiar por encarar o presente mal, sem disfarces, nem ilusões, para melhor o compreender e assim o poder ultrapassar.

Permanecer na ilusão é criminoso, porque, cultivando o actual desleixo, se deixarão gravemente desvalidas as novas e as vindouras gerações, que um dia hão-de pedir-nos a todos contas e não só aos que têm ou tiveram responsabilidades governativas no País.

Bom início de semana para a tertúlia habitual.

RioDoiro disse...

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2009/07/quanto-mais-estado-mais-chamuscado.html

Chapelada.

RioDoiro disse...

Manolo Heredia:

"No próximo artigo gostava que sugerisse uma forma de colocar os professores, de uma só vez, e que fosse justa e eficaz."

A velha falácia pela qual só é solução final (desejável) a solução perfeita.

Nem deve haver solução final nem há solução perfeita.

Essa busca incessante pela solução perfeita só produz injustiça proporcionalmente à intensidade da tentativa.

... uma outra falácia anda por aí à solta. A dos "supoeriores interesses da criança".

Quint disse...

Suponho que a lógica, por esta altura, aconselhasse a que em Portugal se fizesse uma pausa (nem que demorasse um ano) para se sistematziar todos os erros sucessivamente cometidos ao longo destas décadas no que à Educação concerne.

É impensável que após tantos anos, tendo entrado no País generosas subvenções financeiras da União Europeia, continuemos a ter um parque escolar relativamente decrépito e degradado.

Escolas onde coexistem instalações de raíz com pré-fabricados ou contentores, recreios e logradouros em terra batida, ários e sem qualquer atractividade especial, onde nalguns casos os alunos têm de levar de casa o papel higiénico, por exemplo.

Programas aparentemente sem nexo, manuais escolares que, nalguns casos, são um verdadeiro enigma.

Exames que, ao que se vê, vão de facilistismo em facilitismo e onde, curiosamente, persistem, ano após ano, erros.
Quem é responsável pela elaboração dos exames?
Quem os revê?
Não me digam que são os tarefeiros do Ministério da Educação, pelos quais, desde já o digo,
nutro o maior dos respeitos.

Talvez fosse de ousar acabar com isso tudo.
E com essa profusão de cursos e experiências pedagógicas que por ai se sucedem, sem rei nem roque.
Separar o trigo do joio e assumir claramente a vocação de cada um dos tipos de ensino.

Não vejo ninguém extremamente preocupado, por exemplo, com o que por aí se vai agora fazendo ao misturar o Secundário com as Novas Oportunidades e o Profissional nas mesmas escolas.
Daqui a três ou quatro anos quantas escolas profissionais ainda estarão no terreno?
E desde os tempos do GETAP e de Joaquim Azevedo andou o País a gastar dinheiro com este sistema de ensino para agora querer acabar com ele?
E quanto é que isso nos custa?
E porque é que se vão tomando estas opções?

Quanto à classe docente, tenho para mim que um dos males foi ter permitido que qualquer um acedesse com relativa facilidade à docência e, uma vez aí, progredisse por ali acima com relativa facilidade.
Dever-se-ia ter sido exigente e rigoroso, assim premiando e incentivando os bons docentes que temos e eu sei que eles existem!

Eu bem sei que é um tema pouco caro a alguns dos comentadores que me antecederam, mas como é que foi possível permitir que algumas desses maus exemplos chegassem ao topo da carreira graças a estratagemas como fazer um mestrado enquanto se estava requisitado numa autarquia?

E porque é que o Ministério da Educação havia de ter milhares de docentes requisitados? Em direcções regionais, em autarquias, em serviços públicos, em sindicatos?
E porque é que a Inspecção Geral de Educação e os restantes professores pactuaram com isto?
Ou com as acumulações ilegais?

E porque é que os bons professores não foram instransigentes exigindo que o seu papel de educadores fosse respeitado? E reconhecido?

Do lado dos alunos, e porque por ai já se sabe que a coisa não vai nunca a bem, haveria que não ter contemplações. Avaliações rigorosas, exames finais em cada fim de ciclo e um estatuto que consagrasse direitos e deveres em pleno pé de igualdade e não como vai sucedendo em que a balança pende mais para um dos lados.

Acabar-se com as experiências pedagógicas de criar disciplinas avulsas seria outra excelente ideia, assim estabilizando o sistema de ensino.

E garantir que quando se criam opções, elas são mesmo reais e possíveis de concretizar.
Dou o caso da escola das minhas filhas que, chegadas ao 10º ano, queriam Espanhol e se viram na obrigação de quase andar em campanha para angariar, convencer e fixar colegas pois a informação que era transmitida nos serviços era que tal não era possível de existir na Escola. Só quando apresentei (porque sei e tenho acesso a legislação) as condições em que é orbigatória a abertura de turma, é que a conversa mudou de tom e de diapasão!

Não por acaso vemos que muitos dos estudantes oriundos do Leste da Europa, por exemplo, ficam espantados com as facilidades do nosso sistema de ensino.

www.angeloochoa.net disse...

António Barreto, não o sei nem o não sei com ou sem netos...
Porque pese tudo quanto argumentemos é o Amanhã que está em causa.
Desnorte de directivas de «pedagogos iluminados» ou não só o futuro sim o futuro é o que está em causa porque a boa causa é e será sempre a felicidade e a paz e o pão dos que vierem após nós.
Deixo-o não sem a mágoa de quem se doutrinado fora por «estes» de ME (e fui seu «funcionário» durante 36 anos...) em nada creria.

Anónimo disse...

Joshua,nenhum professor pode ser "barrado" por razões políticas. É anti-constitucional.Lamento que estejas desempregado, mas, como tu, há milhares na fila de espera para um emprego ou mesmo para um lugar de quadro, tanto no sector público como no privado.É injusto. É a vida. Com isto não quero dizer que te devas conformar com a situação, mas, se me permites, já pensaste em leccionar fora deste lindo, mas pequeno, rectângulo à beira-mar plantado? Já pensaste em mudar de profissão? Pensa nisso.

Ainda não foi erguida uma estátua a um "crítico", mas creio que AB vai ser a excepção, não tarda nada, pela mão do tio Sonae e outros. Agora a sério, mal de nós se os "críticos" da nossa praça fossem amordaçados ou sujeitos a censura prévia.Isso seria o fim do regime democrático. Ninguém aqui deseja isso, com certeza,e o que se pretende, na verdade, é menos presunção e mais honestidade intelectual.

Jorge Carreira Maia disse...

AB escreve: “Com a maioria absoluta e a aparente contenção do poder sindical, parecia possível procurar outras vias, nomeadamente a da autonomia das escolas e da sua devolução por inteiro às comunidades.” E, mais à frente, acrescenta: “É flagrante o descalabro da escola afastada das comunidades e dos pais? Continua a alimentar-se uma escola centralizada.”

Existe nestas formulações dois equívocos.

Primeiro equívoco – a ideia de “devolução [das escolas] por inteiro `comunidade”. Não sendo historiador, admito poder estar equivocado. Mas falar de devolução das escolas à comunidade é pressupor que elas um dia lhe pertenceram e que alguém, certamente o Estado central, se apropriou delas. Tanto quanto sei, e contrariamente ao que aconteceu em alguns países de raiz protestante, a escolarização em Portugal é, essencialmente, uma iniciativa do Estado central. Tanto quanto me lembro, Liceus e Escolas Técnicas sempre dependeram do Estado central. Mesmo o ensino primário regular e consistente dependia do Ministério da Instrução ou da Educação. Não creio ser possível encontrar uma tradição, em Portugal, onde as comunidades locais se organizassem sistematicamente para fornecer instrução formal às novas gerações. O Estado central sempre teve um papel primordial na instrução dos portugueses. O que acontecia muitas vezes era a iniciativa privada, laica ou religiosa, suprir o papel do Estado. Mas pode ser que eu esteja equivocado e haja uma história de iniciativa comunitária no campo da educação, o que me parece absolutamente inverosímil em Portugal.

Segundo equívoco – relacionar a autonomia das escolas e a sua devolução, ou entrega, às comunidades. Entregar as escolas às comunidades (pais, autarquias, instituições sociais, empresariais e culturais) não significa tornar as escolas autónomas. Significa apenas torná-las dependentes de poderes fácticos concretos, mais opressivos da autonomia do que o abstracto poder central. Aliás, as experiências que este governo fez nesse sentido mostram isso mesmo. Muito facilmente, devido ao peso político das câmaras e à reduzida influência dos professores nos Conselhos Gerais, as direcções das escolas se irão transformar em correias de transmissão do poder político estabelecido nas câmaras. Sobre aquilo que se deveria entender por autonomia da escola, e para encurtar razões, costumo recomendar a leitura das páginas 198 a 201 da tradução portuguesa de “As Esferas da Justiça”, de Michael Walzer, onde se mostra que a qualidade das escolas de ensino básico depende da sua autonomia, e a autonomia destas depende do seu fechamento à comunidade. Em resumo, uma escola aberta à comunidade, como se pretende, traz para dentro do espaço igualitário da escola (todos os alunos são iguais perante o professor, o que os diferencia é apenas o desempenho) as diferenças sociais que vigoram fora da escola. O texto de Walzer é claro e distinto e uma leitura bastante instrutiva.

Não seria difícil mostrar que muitos problemas existentes, os mais importantes, nada têm a ver com a relação da escola com a comunidade, mas são problemas estruturais de concepção do sistema e de atitude dos que nele agem. Mas o comentário vai demasiado longo.

Anónimo disse...

A direita portuguesa, onde incluo a contragosto AB, parece decidida em destruir a escola pública, enquanto escola de massas, com argumentos de outros tempos, tentando denegrir, por todos os meios, toda e qualquer inovação que se faça sentir na área da instrução e educação pública. É o repúdio calculado aos sucessivos investimentos na qualidade e modernidade da nossa escola. Aliás, costuma-se dizer que quem desdenha quer comprar. E, na verdade, é isso que a direita pretende fazer: privatizar a escola pública. E, depois, comprá-la a retalho e a preço de saldo. Se um dia isso viesse a acontecer, caso Manuela Leite ganhe as próximas legislativas, os portugueses poderiam ter direito ao propalado cheque-ensino do Estado e, com ele, acesso a muitas escolas privadas de selecção para os filhos das classes mais favorecidas, e igualmente a muitas escolas económicas para famílias remediadas e pobres. Seria o contentamento de uns e a desgraça de outros. Seria a afirmação da desigualdade.
Aí já não haveria o problema do centralismo napoleónico na colocação de professores. Aí os professores andariam de chapéu na mão.

Mas, se por ventura, as escolas fossem entregues à comunidade, havendo certamente comunidades mais ricas e desenvolvidas que outras, voltaríamos à desigualdade. Neste caso, o recrutamento de docentes teria de ser fiscalizado pela tutela, caso contrário voltaríamos ao espectro da cunha e a outros esquemas bem conhecidos dos portugueses.

Mal por mal, há quem prefira continuar a toque dos normativos do ME até que a mentalidade da maioria dos autarcas e outras forças das comunidades locais deste país se valorize para padrões de civilidade mais elevados.

joshua disse...

Sílvia, do mesmo modo, o homicídio é um crime proibido e ocorre. Não é a anti-constitucionalidade que impede erros e funis capciosos de gente.

O sistema de colocação docente efectivamente cometeu erros que me lesaram pelo menos uma vez, erros susceptíveis de indemnização e reposição integra do tempo de serviço, caso o período de reclamação, 90 dias, não se tenha esgotado.

Eu sei que a Sílvia fala por bem e eu já pensei tudo e mais alguma coisa. A minha posição na lista graduada do meu grupo ainda não é calamitosamente desesperante. Nunca o foi. Não estou a 8000 ou mais do último colocado. Tenho estado a mais de meio da tabela.

Mas enquanto for possível a legislação malígna recente que permite uma colocação numa escola, com um horário truncado, para uma substituição de um mês e outro colega ser colocado na mesma escola, quase ao mesmo tempo, no mesmo grupo, na mesma área, para outro horário igualmente truncado ou ainda mais reduzido mas pelo ano inteiro, ganham-se duas frustrações e uma gestão covarde e maldosa das pessoas.

Por último, e repito, sei que a Sílvia fala por bem, mas todas as sugestões bem intencionadas que me faz têm o respectivo lado lunar. O lado equivalente a alguém, com topete e inconveniência, sem conhecer bem a Sílvia, vir ousar sugerir-lhe uma plástica facial, ou uma correcção do períneo também chamada histerectomia. Isto é, pode ser bem intencionado e dentro do óbvio, mas é manifestamente indelicado.

Diogo disse...

Estamos a precisar de um Osama, é o que é:

No Daily Show - A nossa única hipótese como país é o Osama bin Laden colocar e detonar uma grande bomba nos Estados Unidos

Jon Stewart: Ontem à noite estava a ver o programa do Glenn Beck na Fox News. Ele estava a falar com um ex-analista da CIA, Michael Scheuer, sobre como esta Administração não nos está a proteger dos terroristas… E depois ouvi uma coisa tão demente que ia caindo…

Michael Scheuer: A nossa única hipótese como país é o Osama bin Laden colocar e detonar uma grande bomba nos Estados Unidos. Só o Osama é capaz de executar um ataque que obrigue os americanos a exigir que o Governo os proteja.

Jon Stewart: Mas que m… foi aquela? E, já agora, sabem o que é fascinante na nossa cultura? Aposto que censuraram quando eu disse merda. Porque o Governo Federal decidiu proteger-vos e aos ouvidos dos vossos filhos desse tipo de linguagem. Entretanto, o gémeo malvado do Pai Natal [Michael Scheuer]... está à vontade para propor um massacre de americanos, para conseguir apoios para o programa de segurança dele.

Jon Stewart: Pois, aquele bin Laden é um desmancha-prazeres! Quando não queremos que ele mate americanos, ele mata, e quando queremos, não mata. É um parvalhão! E quando ele detonar uma bomba na América, esperemos que não seja nas partes "boas e verdadeiras".

Vídeo

Anónimo disse...

A avaliação do desempenho docente bem observada pela OCDE

Sebastião disse...

a todos os professores, especialmente os que visitam este blogue.

SER PROFESSOR

Ser professor é ser artista,
malabarista,
pintor, escultor, doutor,
musicólogo, psicólogo...
É ser mãe, pai, irmã e avó,
é ser palhaço, estilhaço.
É ser ciência, paciência..
É ser informação,
é ser acção.
É ser bússula, é ser farol,
é ser luz, é ser sol.
Incompreendido?... Muito.
Defendido? Nunca.
O seu filho passou?
Claro, é um génio.
Não passou?
O professor não ensinou.
Ser professor...
É um vício ou vocação?
É outra coisa...
É ter nas mãos o mundo de AMANHÃ!

AMANHÃ
os alunos vão-se...
e ele, o mestre, de mãos vazias, fica com o coração partido.
Recebe novas turmas,
novos olhinhos ávidos de
Cultura
e ele, o professor,
vai despejando
com toda a ternura,
o saber, a orientação
nas cabecinhas novas que
amanhã
luzirão no firmamento da
Pátria.
Fica a saudade...
a Amizade.
O pagamento real?
Só na ETERNIDADE.

Anónimo disse...

" Sejamos a lição em pessoa - que é isso mais importante e mais eficaz que sermos o papel onde a lição está escrita"
Sebastião da Gama, Diário

Obrigada, Sebastião!

Sebastião disse...

Prof.Silvia:
"Presunção e água-benta, cada qual toma a que quer".
A propósito, não nos tinha anunciado férias? Já era tempo de brilhar pela ausência!
Vc é daquelas que fala, fala, mas as obras devem ser poucas. A sua estrada da vida deve ter sido muito sinuosa -