Respeito os peregrinos, com certeza, mas faz-me impressão o esforço físico, o sacrifício doloroso, que cada peregrino faz para pedir uma graça ou agradecer um favor da Providência! E creio que os sacerdotes deveriam ser mais activos em denunciar esses esforços sobre-humanos e em explicar aos fiéis que há limites para tudo! (1998).
quinta-feira, 25 de junho de 2009
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9 comentários:
Até que ponto é que os rituais são importantes em religião?
Ou melhor: até que ponto é que, em certas religiões, o ritual é, precisamente, o mais importante?
Vejamos o que, acerca desse assunto, dizia Eça de Queiroz, pela boca de Fradique Mendes (numa "carta" a Guerra Junqueiro).
Dada a sua extensão, o texto foi dividido em 5 partes:
[1],
[2],
[3],
[4] e
[5]
A referida «Carta a Guerra Junqueiro» pode também ser lida [aqui].
Nunca estive em Fátima nas épocas em que os peregrinos visitam o local. As imagens que recordo são as que vi na televisão e, de um modo geral, concordo que os sacrifícios (aqui ou em qualquer outra cerimónia religiosa), por vezes, ultrapassam o aceitável. No entanto essa é a nossa visão global do fenómeno. Mais difícil será intervir na relação que cada fiel tem com Deus ou com o que consideram ser as suas manifestações.
A propósito queria referir uma impressão que vai em sentido contrário e que mostra alterações no modo como se vive, pelo menos, a aproximação ao santuário: este ano percorri parte da Estrada Nacional 1, entre Lisboa-Coimbra-Lisboa, no dia 10 de Maio, e cruzei-me com muitos peregrinos. Apesar do dia estar chuvoso,lembro-me de ter pensado que, hoje em dia, a peregrinação está muito mais facilitada. Vários factores contribuem para tal: nas estradas, existem corredores específicos para a circulação desses peregrinos se poder fazer com mais segurança; circulam, pelas bermas, uma infindável quantidade de "carros de apoio" que transportam a bagagem de cada um e vão dando apoio, quer fornecendo água, quer prestando cuidados de enfermagem; os telemóveis e os aparelhos de música vão fazendo companhia. Além disso, para alguns, como testemunhei,a paragem para as refeições são momentos intensos de convívio (nos quais se come e bebe bem). Sei que, para muitos peregrinos, esta é, de facto, uma ocasião de festa, no sentido de ruptura com o quotidiano.
Obviamente, tal não invalida que, para outros, estes sejam momentos para se pôr à prova a resistência à dor e ao desconforto, pelo que imagens como esta se repetirão, mesmo que os sacerdotes, (e eu acredito que muitos o façam) tentem explicar os limites a que se referia no comentário à foto.
As promessas e respectivos pagamentos sempre existiram, são rituais de auto-motivação, de auto-submissão, de auto-comiseração. Noutros casos são exorcismos da loucura.
Respeito, mas tenho dificuldade em compreender.
O mais interessante do post é, parece-me, o facto de identificar a dificuldade que temos em lidar com o "excesso" destes rituais. Dificuldade de quem está de fora da tradição religiosa e eclesial dos ditos peregrino e mesmo de quem está dentro.
Se calhar porque a nossa cultura não lida bem com o excesso; quem ritualiza assim, de forma excessiva, afirma o absoluto (de Deus, da sua necessidade ou do seu sofrimento). O que entra em contradição com uma visão ateia ou agnóstica da realidade. Mas que também entra em contradição com uma visão cristã da realidade (no cristianismo, o ritual não pode ser um absoluto que contrarie a "revelação").
"Pedir" aos sacerdotes (nota: sou sacerdote católico) que ponham "travão" a este tipo de coisas, ignora alguns elementos importantes. O processo que leva a estas ritualidade nasce muito da história pessoal e do microcosmos social e cultural em que a pessoa vive-elabora a sua vida; não é facilmente enquadrável nas estruturas eclesiais existentes.Uma atitude pastoral mais forte (fazendo ver a contradição entre um ritual sacralizador da dor e uma teologia cristã centrada na força e valor da vida) é, em muitos casos, inútil e ineficaz. As pessoas até podem perceber a razoabilidade (racionalidade?) das críticas feitas; mas isso não é o mesmo que encontrar alternativas "eficientes" para gerir (ritualizar) a dor e a necessidade subjacente
Todas as religiões têm, nos seus rituais, oferendas aos deuses (ou, em casos mais específicos, aos santos).
Trata-se de uma tentativa de negócio compreensível: «Faz-me este favor que, em troca, eu ofereco-te isto ou aquilo».
Pede-se que a equipa de futebol ganhe (ou que o filho passe no exame) em troca de uma vela ou de outra coisa qualquer.
Se a pessoa acredita nisso e se sente feliz... pouco haverá a opor.
O problema só se coloca quando o crente oferece, como pagamento, SOFRIMENTO e DOR.
E isso faz pensar...
Além disso, recordo-me de que, em tempos não muito recuados, o Vaticano (nos tempos de João XXIII?) se manifestou contra essa forma de "pagamento" - e com razão, pois pressupõe a existência de uma divindade que se compraz - já não com uma oferenda inocente - mas sim com padecimentos, valorizando-os tanto mais quanto mais cruéis forem.
A conversa sobre Fátima desemboca quase sempre em dois pontos sacramentais: 1º) Que ali há chorudo negócio 2º) Que não vale a pena penarmos com tanta mortificação ou auto-flagelação de inculta lusíada gente... Sobre esta faceta, a anedota do saudoso Tóssan é elucidativa: menina que com cera e cera de ouvido faz velinha e se arrasta a quem Senhora Branca da Luz do Céu diz com voz coração: Sê apenas boazinha! Melhores fôramos nós se nos contentássemos com luz e ar que da fatímida Cova de Iria jorra até TODA A TERRA DE SANTA MARIA!!!
Um ano depois deste artigo ter sido escrito, que encontrei quando quis escrever sobre o tema e vim à procura de outras opiniões, aqui fica o meu contributo para a discussão, que continua a fazer sentido,todos os anos...:)
http://thewhitesponge.blogspot.com/2010/05/peregrinacoes.html#comments
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