Um bando de jovens foi de férias
a Torremolinos, em Espanha. Só naquele sítio e num hotel, eram umas centenas.
Havia mais uns tantos, centenas ou milhares, noutros sítios, noutros hotéis. A
percentagem de energúmenos no total é desconhecida. Tratava-se de festas de
finalistas do ensino secundário, uma variedade de selvajaria, circo e orgia que
se inventou nos últimos anos. Destinam-se a festejar e agradecer aos jovens o
esforço dispendido a estudar, os sacrifícios que fizeram para frequentar uma
escola, a abnegação de quase todos para aprender e preparar-se para a vida ou
para a universidade. A determinação em obter saberes e competências merece
recompensa. Cada um paga umas centenas de Euros, quantia que pode ultrapassar
os mil. Estão incluídas as deslocações de avião, barco, autocarro ou comboio,
além dos hotéis e refeições, eventualmente entradas em discotecas, lugares de
reputação certificada, bares de boa e má fama, quem sabe se também monumentos e
centros de diversão. O essencial de toda esta festa reside no “bar aberto”,
instituição rainha da juventude. Não vale a pena referir em concreto o que é um
“bar aberto”, para o que serve e que resultado tem na vida de um ser humano.
Em Torremolinos, passou-se a
mesma coisa que se passa em dezenas de hotéis, todos os anos. Nem sequer foi a
primeira vez, mas talvez tenha sido um pouco mais ruidoso, com algum distúrbio
e sobretudo com mais eco junto das famílias e na imprensa. Os vândalos em
férias queimaram, destruíram, pintaram, rasgaram, atiraram ao chão, quebraram,
rebentaram e sujaram uma portada aqui, uma cortina ali, uns papéis de parede
acolá, uma porta, uma televisão, uma janela, uma varanda, uma banheira, um
candeeiro e mais uns tantos objectos. Uns estudantes foram expulsos do hotel.
Outros foram recambiados para Portugal.
Pais, jornalistas, agentes de
viagem, professores e adventícios de várias estirpes e profissões
apressaram-se, em todo o país, nos jornais e nas televisões, a compreender os
energúmenos, a explicar estes comportamentos, a perceber os desmandos e a justificar
a fúria destruidora dos jovens em maré alcoólica. Todos se transformaram em
psicólogos e sociólogos de primeira gema, especialistas em complacência. Os
jornais detectaram preconceitos espanhóis contra os portugueses. As televisões
depressa tomaram o partido das indefesas criaturas lusitanas que buscavam um
pouco de divertimento depois de um ano tão árduo para fazer dois exames. Os
hoteleiros espanhóis passaram a ser tratados como abutres exploradores incapazes
de cumprir as regras contratuais. Os comentários mais circunspectos perguntavam
se então já não era possível, aqui e ali, um pequeno excesso próprio da
juventude. Os mais profundos interrogavam-se sobre as razões da solidão
contemporânea que leva os jovens a agir desta maneira.
Do lado português, os pais desculparam
os filhos, condenaram os hoteleiros e ameaçaram processar os espanhóis.
Juntando forças aos pais, professores, jornalistas, militantes jovens e
políticos seniores condenaram os espanhóis, pois claro, e esforçaram-se por compreender.
Estes jovens estudantes têm problemas de emprego. Não conseguem arranjar casa.
Não podem casar nem ter filhos. Não têm meios para viver autónomos, sem
necessidade de pedir dinheiro aos pais. Não recebem bolsas de estudo em
quantidades e valores suficientes. Constituem uma geração infinitamente mais
desprezada do que as anteriores. Sentem na pele os efeitos da austeridade e da precariedade.
Os adultos têm cada vez menos capacidade para os entender. A sociedade adulta
não percebe a alegria deles, nem o sofrimento e muito menos o sacrifício.
Ninguém compreende o trauma e a ansiedade em que estes jovens vivem. E ainda há
quem se volte contra eles, só porque se embebedaram umas poucas vezes, só
porque destruíram uns móveis, só porque assustaram uns vizinhos, só porque
fumaram uns charros, só porque iam dando cabo de um hotel…
DN, 16 de Abril de
2017
5 comentários:
Não podemos generalizar. Ainda que nessas viagens haja sempre alguns desmandos. Inicialmente as viagens de finalistas levavam alguns professores - os alunos convidavam apenas os mais tolerantes - que assumiam a responsabilidade e os orientavam no caso de alguma coisa correr pior ou haver gente doente. Os pais descansavam, mas os professores sabiam que eram incapazes de tomar conta de tanto garoto em roda livre. E no entanto conheci alunos que se empenharam verdadeiramente em angariar fundos para que a dita viagem pudesse estender-se a todos os finalistas, gente que guardou cêntimo a cêntimo durante dois anos, gente que trabalhou nas férias, domingos e feriados e que depois disponibilizou o quarto por haver namorados que não tinham dormido juntos e ser a sua oportunidade (é verdade, também conheço quem tenha engravidado).
Não sei de onde saiu esta ideia de diplomas e finalistas a torto e a direito (começa no jardim de infância). E nem acho que sejam condenáveis, em bloco, as viagens de finalistas. Sei das que não são dessa índole nem vão para tais lugares. Não condeno os alunos e amigos que fecham definitivamente um ciclo e têm grande probabilidade de separação, a comemorar. Digamos que condeno este tipo e viagens, pais e sociedade em geral que pactuam com comportamentos desordeiros e lesivos do bem dos outros. Há que aprender a viver com os outros e a respeitá-los. E isto é função da escola, dos pais e de toda a aprendizagem paralela. A autonomia tem reverso: a responsabilidade. Qualquer delas se nega sem a outra
Há várias décadas que este tipo de ritual iniciático acontece com o consentimento de todos. Às vezes corre mal, há exageros, muitas vezes empolados pela comunicação social.
Pena é que os “sociólogos e psicólogos de primeira gema” não tenham ainda estudado o fenómeno.
Mas não são estes “energúmenos” que nos devem preocupar demasiadamente. Nem tão pouco os moralistas decadentes de ocasião.
Neste momento, confesso a minha preocupação com o energúmeno que ocupa a Casa Branca dos USA. Curiosamente, sobre este, AB ainda não escreveu aqui uma palavra.
Creio, que esta árvore de copa frondosa e tronco de diâmetro assinalável é um Pisonay, da família Erythrina Edulis como é conhecida no ramo da botânica. Esta espécie, característica da região dos Andes, era venerada pelos Incas como símbolo da fertilidade.
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