Mais um dia péssimo para a
Justiça! Mais um dia mau para Portugal! O despacho de arquivamento dos
processos contra Manuel Dias Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo
Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia, incompatível com o
mais simples sentimento de justiça. As acusações incluíam corrupção, fraude
fiscal e branqueamento de capitais e estariam relacionadas com o “processo BPN”
cuja duração ultrapassa os sete anos. O que já foi tornado público desse
despacho revela que o Ministério Público não tem provas, não consegue
fundamentar as suas acusações e não tem evidência para levar os arguidos a
julgamento. Em vez de simplesmente arquivar, os autores do despacho tecem
considerações sobre os comportamentos dos arguidos, revelam as suas suspeitas,
declaram as suas intuições e referem a experiência comum das pessoas para
reafirmar a sua convicção de que os arguidos são culpados. Só que… não têm
provas nem conseguem demonstrar a culpa! Isto não é justiça!
A crise financeira tem trazido
más notícias e sucessivos desastres. Primeiro, transformou-se em crise
económica, social e política. Depois, em crise global e do Estado de direito.
Mas a crise não serve para explicar e desculpar tudo, falcatruas, roubos,
favoritismo, corrupção e má gestão. É indispensável encontrar responsáveis. A
começar em decisões sem fundamento, erros involuntários ou deliberados de
administração pública ou privada e gestão danosa. A passar pelas culpas de
crimes de roubo, enriquecimento ilícito, corrupção, branqueamento, fraude
fiscal, falsificação, contrabando e ocultação. E a acabar pelos culpados de
erros ou incompetência não só dos ladrões, mas também dos polícias e dos magistrados.
De tudo isto era necessário que soubéssemos mais. Que os processos fossem
conduzidos com meios e diligência, sem ferir os direitos dos cidadãos. Que os
criminosos fossem julgados com prontidão. Que os maus gestores fossem expostos.
Que os culpados por delapidação dos bens comuns fossem afastados de funções
equivalentes e pagassem pelo que fizeram. E que os inocentes fossem em paz.
Tudo isto era indispensável ser feito em tempo útil e em respeito pelos
cidadãos. E quando o Ministério Público ou os magistrados não conseguem provar,
não têm meios, não sabem investigar e são incompetentes para acusar, então
calem-se! Arquivem e calem-se! Não denunciem covardemente.
Quem decidiu o quê, no governo,
nas instituições públicas, nos bancos e nas empresas? Quem é realmente
responsável pela perda de valor da ordem de milhares de milhões? Quem é
responsável pelo desvio de fortunas destinadas a enriquecer alguns? Quem
decidiu dar crédito a quem não devia? Que decisões de crédito foram meros erros
de cálculo e cujo castigo, por incompetência, deveria ser o afastamento dos
responsáveis? Que decisões de crédito foram erros deliberados para beneficiar
amigos e clientes e cujo castigo deveria ser penal? Que decisões de crédito
foram especialmente desenhadas para defraudar as instituições e beneficiar os
próprios, seus familiares, amigos e clientes?
Goste-se ou não, o apuramento de
responsabilidades é essencial para o futuro da democracia. Porque é essa a
única maneira de respeitar os inocentes e os direitos de todos. Porque é esse o
único modo de fundar uma sociedade decente. Ora, o que se vê, com mais este
despacho infame e, antes dele, com a existência de arguidos durante anos à espera
de pronuncia sem julgamento, com processos que duram anos e não chegam ao fim,
com condenados que não são presos porque vivem de recursos e de chicanas
jurídicas, com escutas abusivas, com destruição indevida de escutas e com fugas
premeditadas de matéria em segredo de justiça, com tudo isso e muito mais, sofre
o último reduto da nossa liberdade que é o Estado de direito.
Com a crise, perdemos riqueza e
oportunidades. Perdemos rendimento e igualdade. Mas parece estarmos sobretudo a
perder a Justiça.
DN, 9 de Abril de 2017
1 comentário:
É desanimante o que se passa na justiça. Em vez de lhe apelarmos como fonte credível e zelosa dos interesses de todos e cada um, desde que dentro da lei, temos o descrédito mais absoluto e o medo de um dia irmos parar sob a sua alçada. A justiça portuguesa está desacreditada, não descansa o queixoso, cansa-o pela demora. E no final, espanto dos espantos, conclui com conversa de comadres sentadas ao portal, convicções. Não descobre nem enxerga os erros, por má vontade, por não querer ver, por desrespeito aos princípios que são seus e a que dá as costas, que o brio profissional é bem em desuso... Passados vários anos de investigação - o que terão andado aquelas avantesmas a fazer-, toda se embrulha em feelings de leigo. Mas isto é o quê?! Por que razão não é demitida gente que avança com pressentimentos quando está a ser paga para descobrir factos (o que não fez). Que idade terá uma tal juíza que não aprendeu o básico do uso e da linguagem da justiça.
Não foi este o mundo que sonhei e espero não ter ajudado a construir esta hidra.
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