Com, provavelmente, mais
revelações inesperadas e, certamente, mais uma comissão de inquérito, teremos
folhetim por muito tempo. Até que algo importante e perigoso aconteça e o
governo tenha medo, as oposições esperança e os aliados dúvidas, altura em que
todos esquecerão a Caixa e navegarão para novos mares. Como é costume,
deixarão, então, armários cheios de esqueletos incólumes, ilesos e inocentes. Até
lá, ainda teremos réplicas ad nauseam…
Tentando pensar out of the box, como se diz. É
preocupante saber que haja quem entenda, nas esferas poderosas, que se pode não
respeitar a lei ou fazer uma lei que se aplica para trás ou aprovar uma lei
para contemplar um caso. É inquietante ver como a algazarra sobre este assunto
passa por cima de princípios fundamentais e se aceitam dogmas horríveis mas
comummente aceites. Por exemplo, a ideia de que o poder político está acima de
tudo, do poder económico, da moral, da religião e do direito. Para não dizer da
palavra dada e da honra. Outra, a ideia de que os direitos individuais estão
abaixo dos direitos colectivos. Dito de outra maneira, o interesse da
comunidade está acima dos direitos individuais. Estas ideias não nasceram lá,
mas foram alimentadas pelas “luzes”, pela revolução francesa, pelo jacobinismo
e pelo comunismo. E parecem hoje reinar, sem obstáculos, na política
contemporânea, sendo esta uma mistura de nobres ideias (a democracia por
exemplo) com nefastos valores (a cupidez e o poder absoluto da decisão
política).
Tem-se tratado do governo, isto
é, dos últimos governos, incluindo o actual, como se tivessem toda a
legitimidade para intervir na banca e nas finanças, como se tivessem a
obrigação de intervir, como se fosse necessário tomar conta, proteger, esbulhar,
nacionalizar… Fizeram o que quiseram com o BES, a Caixa, o BPN e outros bancos
e deixaram fazer o que lhes convinha. Deixaram correr o marfim em casos excepcionalmente
graves, até ao afundamento de algumas das melhores empresas portuguesas. Compraram
e venderam, deixaram comprar e vender, conforme lhes interessava politicamente
(e talvez pessoalmente, nunca saberemos…).
De modo semelhante, pede-se ao
governo e às autoridades constitucionais que tenham uma intervenção nas
empresas e na vida das pessoas. Que se exija a declaração de rendimentos em
cargos eleitos parece uma regra razoável, embora já intrusiva. Que essa
exigência se estenda aos gestores é já problemático. O governo solicita a
colaboração de pessoas, fica-lhes a dever um contributo valioso (caso contrário
não teria pedido…) e depois põe condições que ultrapassam os quadros e o tempo
dessa colaboração? E por que não aos 700.000 funcionários públicos? E por que
não a todos os cidadãos e empresas que têm relações com o Estado?
A verdade é que reconhecemos ao
Estado cada vez mais poderes, competências intrusivas e capacidades de
condicionamento da vida dos cidadãos. Como lhe conferimos o direito de taxar o
que, como e quando os governantes entenderem, para tanto basta precisar de
dinheiro! Como ainda lhe atribuímos faculdades para interferir na vida
económica dos cidadãos, das famílias e das empresas, sob o signo de princípios
tão doces como o de “ir buscar o dinheiro onde ele está” ou “ir tirar o
dinheiro a quem o tem”. Como aceitamos, em nome do interesse geral, que os
governantes possam preferir capitalistas, seleccionar bancos, chegar-se a
predadores e liquidar empresas outrora poderosas.
Abusar dos indivíduos, a título
do interesse comum. Condicionar a vida privada dos cidadãos, em nome do bem de
todos. Pôr em risco poupanças pessoais, como se fossem fortunas ilegítimas. Desrespeitar
os bens de cada um, como se tudo fosse de todos. Retorcer o Estado de direito,
a benefício da política. Eis algumas regras de vida, insuportáveis, que estão a
forjar um mundo detestável.
DN, 19 de Fevereiro de
2017
6 comentários:
Há por aí muito boa e honrada gente que, como abutres, sentem o cheiro a morte e perfilam-se para o banquete.
AB considera “preocupante” o governo querer desburocratizar processos fazendo “aprovar uma lei para contemplar um caso”, se esquecendo, porém, que o governo serve para governar solucionando casos e de referir que o “caso” é a eficácia na gestão da CGD, enquanto sociedade anónima, concorrente no mercado com outros bancos e instituições financeiras.
Mas fica muito eriçado quando a Constituição obriga um trabalhador do setor privado, acima de qualquer suspeita, a declarar os seus rendimentos quando este não se importa de gerir, humildemente e a troco de milhões, uma instituição bancária da qual o Estado é o único acionista.
Até parece que AB não conhece casos de corrupção e nepotismo no seio de gente com moral elevada e palavra honrada…, no uso dos seus direitos, liberdades e garantias.
Mas prontos, resumindo, temos aqui uma mixórdia entre liberdades individuais, direitos individuais, direitos sociais, valores humanos, política e Estado de direito. Para quem cultiva o gosto out of the box , até não está nada mau.
P.S.: Aos mais distraídos, convém dizer que quando AB defende as liberdades individuais está a defender o capitalismo e o individualismo. De um extremo ideológico passou para outro, com o mesmo fanatismo. Defende a privatização de tudo, excepto da Justiça, Segurança e Ordem.
E claro, a Caixa não poderia ficar de fora.
As últimas semanas tornaram notória a existência de uma mentecapta que actua entre a mentira e a cobardia: já foi Sílvia Carmo, Sem Dono, e agora travestiu-se de Alíria. O resultado é sempre o mesmo. Um ritual de morte e passagem para uma nova vida, que esconde uma pequena ditadora paranóica que parece ter-se especializado no ataque a tudo quanto escreve António Barreto.
Por aqui, já percebemos que é a pura tirania da maledicência! Basta ler o comentário postado por “Lea Rito”, a quem a doninha fedorenta trata por Graça (vd. 30/01/2017).
Na verdade, não me parece que uma impreparada e insana figurinha abstrusa possa ser fonte de incómodo e mal estar para quem quer que seja.
É deixá-la agitar-se!
Aprendi que a política pretende o bem comum e é exercício de todos os homens. Não entendo completamente a sua afirmação que critica que o bem individual deva subordinar-se ao bem colectivo. Fora de qualquer linguagem partidária, parece-me que o bem de muitos vale mais que o de um só. Para quem faz da política profissão, é esse - ou deve ser - o seu objecto. E com isto não me refiro senão ao tal bem comum que deve guiar os políticos e até, em variadas situações, cada um de nós. Vivendo em sociedade, não há como fugir, cada homem é sujeito político e tem a sua quota de responsabilidade no exercício político.
Também me parece que o tema CGD já deu tudo que tinha a dar. E queimou um ministro. E chamuscou um primeiro ministro e um governo. E fez delirar uma oposição inconsistente. Nós, portugueses, somos muito pouco frontais.
“É inquietante ver como a algazarra sobre este assunto passa por cima de princípios fundamentais e se aceitam dogmas horríveis mas comummente aceites.”
Obviamente, AB não se está a referir à algazarra provocada pelos jovens turcos do PSD e CDS com a qual pretendem violar no Parlamento, em comissão potestativa, o ponto 4 do artigo 34º da Constituição Portuguesa. Sobre isto AB não disse uma palavra.
Os rapazolas, quais pides do pior, querem conhecer o conteúdo dos sms trocados entre dois cidadãos, sem mandato judicial. Isto faz lembrar tempos verdadeiramente “detestáveis”.
Sabemos que o “fascismo” acabou, porém, os fascistas não. Eles continuam a andar por aí…
Quem defende as liberdades individuais, independentemente de aceitar ou não a Constituição, não pode ficar calado sobre esta matéria. Se se mantiver calado, será considerado um embuste.
… e, senhores, vejam a prestação pública de Lobo Xavier! O diz que disse, o mostra que mostra. Que espetáculo colossal!!!...
… e um PR que pede a um amigo comunicações privadas de seus concidadãos para bisbilhotar e sentenciar. Mas, onde é que já se viu isto? No cabaret da coxa?
Não, esta é a verdadeira ópera bufa!
Será que Lobo Xavier mostrou os sms que Centeno enviou ao seu interlocutor? Se sim, quem o autorizou? Too much!... Incrível!...
Bom, na verdade, compete ao Parlamento e só a este fiscalizar o executivo, porém, essa fiscalização tem de ter regras democráticas, consubstanciadas na Constituição.
A verdade é que a Direita portuguesa está mesmo à beira de um ataque de nervos!
Sorry!
“Estamos a voltar aos tempos da claustrofobia democrática”
(…)
“O que posso dizer é que não temos um problema com o ministro das Finanças, mas com um Governo que o povo não desejou e que não está a governar bem para o futuro do país.”
(Luís Montenegro, Público, 23/02/2017)
Temos de volta a canção do bandido!!!...
Oh, God, make me good, but not yet!
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