Dentro de dias, começa um curioso
ano de comemoração: os cem anos da Revolução Russa. Será um desfilar de
colóquios, filmes, livros e programas de televisão. Teremos de tudo e não
faltará o elogio beato.
De Fevereiro (que, na Rússia de
1917, era em Março) a Outubro (já em Novembro), será quase um ano em que
teremos a oportunidade de recordar e estudar aquele que foi o “maior embuste da
história do Século XX”, na expressão de Mário Soares. Após aquele ano de
“revolução”, houve outros cinco, ditos de “guerra civil”, revolução para todos
os efeitos. Depois, mais vinte de depuração, deportação, limpeza étnica, colectivização
e trabalhos forçados aos milhões. Sem esquecer milhares de julgamentos e execuções
de políticos, generais, médicos, sindicalistas e escritores! Lenine morre em
1924 e Estaline em 1953. Até à derrota final, em 1989, entre lutas intestinas e
saneamentos, sucedem-lhes vários como Kruthchev, Brejnev, Andropov, Chernenko e
Gorbachev.
O centenário vai servir para
muitas tentativas de branqueamento. Com certeza. Mas também para novos
balanços, seja porque a distância ajuda, seja porque os Estados-maiores
comunistas já não têm muito poder nem controlam o pensamento, seja porque,
finalmente, de Moscovo a Praga, os arquivos se vão abrindo e revelando todos os
dias factos novos, por vezes surpreendentes.
Que nos deixou o comunismo como
legado de liberdade? Praticamente nada! Como luta de resistência dos
comunistas, para bem dos seus direitos, muito! É mesmo do domínio do heroísmo.
Mas, para bem da liberdade dos outros, de todos, praticamente nada. Pelo
contrário: deixa um dos piores legados modernos de supressão das liberdades, de
repressão exercida sobre os cidadãos, de negação radical do Estado democrático,
de violação permanente dos direitos humanos e dos mais desumanos métodos de
manutenção da ordem, com tortura, assassinato, deportação, rapto e prisão em
números que se elevam a muitos milhões. Em todos os países em que um partido
comunista dominou o poder, o resultado foi sempre o mesmo: nem liberdade nem
Estado de direito.
Que nos deixou o comunismo como
legado de independência e autonomia dos povos, outra das suas bandeiras? Por um
lado, apoio aos movimentos subversivos e revolucionários do mundo inteiro, desde
que em luta contra as metrópoles coloniais, contra as democracias e contra os
países do mundo ocidental. Por outro lado, a mais feroz submissão dos Estados,
países, nacionalidades, minorias e regiões vizinhas, com o resultado visível da
constituição de um dos maiores impérios da história, feito e regulado à força,
por intermédio dos métodos mais bárbaros, incluindo deportações massivas, fomes
programadas, genocídio e pura opressão. A implosão da União, após a queda do
comunismo, é o mais rigoroso certificado de existência do imperialismo
soviético. E da sua bondade.
Que nos deixou o comunismo como
legado social e económico, tecnológico e cientifico? Uma enorme ficção daquele
que poderia ser, com os seus colossais recursos, um dos mais ricos países na
Terra e que acabou por só ser poderoso militarmente, mas incapaz de progredir
economicamente e de permitir a prosperidade dos seus cidadãos, impotente para o
desenvolvimento tecnológico e cientifico, áreas em que esteve sempre atrás dos
países ocidentais e com atrasos crescentes até ao desmoronamento final.
É um dos mais seguros sinais do
atraso de Portugal: a persistência do Partido Comunista, das suas ideias e do
seu programa. Os principais partidos comunistas do mundo democrático
desapareceram por entre fumarolas! Parece que apenas dois Estados têm qualquer
coisa de parecido com o comunismo soviético: Cuba e Coreia do Norte! Que bela
companhia para os Comunistas portugueses!
DN, 5 de Fevereiro de
2017
2 comentários:
Enquanto a oeste um palhaço rico aposta na mudança da ordem mundial, AB cita, agora, Mário Soares para bater no PC e no PS de António Costa.
(Fico com a estranha sensação de que outras citações de Soares estarão para vir…)
Curiosamente, durante muito tempo, a Direita portuguesa revelou simpatia para com o PCP, sobretudo quando este partido, no seu jogo político parlamentar, votava a seu lado contra o PS. Agora, com a “geringonça” a funcionar, a Direita vira todos os seus canhões e torpedeiros contra os aliados parlamentares do PS.
E, claro, essa Direita conta, naturalmente, com os excelentes sermões dominicais de AB, com os quais espera resgatar a pátria dos pecados e perigos vários provocados pela existência desafiadora das “ esquerdas”.
Porém, na sua torre de marfim, AB continua a pregar aos peixes…
Reconheço que pouco sei da história do partido comunista russo e não estou à altura de rebater ou sequer encontrar méritos maiores no que foi escrito. É provável que seja como diz, muito se venha a dizer branqueando os factos. Mas espero que também surjam documentários, filmes, debates, que esclareçam um regime que fez história e do qual pouco se sabia. De qualquer modo, uma ditadura, mesmo que seja do proletariado, não perde nome nem métodos, continua sendo ditadura. O que me desagrada profundamente.
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