sexta-feira, 18 de março de 2016

Sem emenda - Serviço e ambição

Todos os Presidentes da República pensam que o seu cargo não é o fim da carreira. Nem uma recompensa, muito menos uma reforma dourada. Todos até hoje desejaram marcar a diferença, acrescentar qualquer coisa, mudar a história, alterar o curso dos acontecimentos. Depois… não deu nada. Ou pouco. Não houve oportunidade. Não souberam. Preferiram as delícias dos jardins de Belém. Sentiram o peso da idade. Ou simplesmente acharam que ter chegado ali já era um êxito e que não valia a pena ter excesso de zelo. Com a excepção da pacificação dos militares levada a cabo por Eanes, todos, pelas boas e más razões, abdicaram da ambição e limitaram-se ao serviço. O que não parece ter desagradado ao eleitorado, pois todos foram reeleitos. Uns com aumento de votos (Eanes e Soares), outros com perdas (Sampaio e Cavaco).

Um balanço dos quarenta anos que levamos de democracia diz-nos que nenhum presidente se portou realmente mal. Nenhum falhou. Nenhum desiludiu nas suas funções de serviço e de último garante. Todos terminaram com a certeza do dever cumprido. Mas também com a sensação de terem ficado aquém da ambição que alimentaram num ou noutro momento. E sobretudo longe do que muitos esperavam que eles tivessem feito. Esta evolução fez com que a função presidencial se tenha vindo a reduzir e limitar. O cargo já não é hoje o que foi ou o que se esperava que fosse. Parece mais uma luz de presença do que um farol.

Este percurso foi confirmado pelo mandato de Cavaco Silva. Não obstante as más sondagens, a maior parte do que não esteve bem, nestes últimos quinze anos, não foi da sua responsabilidade. O problema é que ele não conseguiu diminuir as consequências do que correu mal, não soube prevenir ou evitar. Nem encontrar maneira de ultrapassar os problemas. O que esteve mal? O endividamento. O falhanço da Justiça. A corrupção. A divisão dos portugueses. O despertar de uma espécie de clima de “oposição entre regimes”. E a crispação dos políticos. Nada foi culpa de Cavaco. A ponto de nada disto poder ser apagado só porque temos um Presidente novo, só porque temos Marcelo. A este compete pelo menos tentar evitar, diminuir, reduzir, prevenir… Mas a fonte dos problemas está lá, inteira. A pobreza. A demagogia. A corrupção. O endividamento. A crise internacional. A indefinição europeia.

A campanha de Marcelo, a sua formidável vitória e o seu auspicioso começo não chegam para resolver os problemas acima referidos e que ficam, intactos, à espera de resolução. Não por ele. Mas eventualmente com ele. Dentro de cinco anos, ou dez, se o regime português, a Constituição, o sistema eleitoral e a Justiça estiverem exactamente iguais ao que são hoje, a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa terá sido apenas mais uma. A acrescentar às quatro que precederam e aos quarenta anos que antecederam. Estou convencido que o novo Presidente está pronto para o serviço e tem forte ambição. Não sabemos se o primeiro lhe basta ou se a segunda o tenta. Mas ele sabe que, sem ambição e sem obra, será apenas mais um.

O novo Presidente já mostrou com brilho que tem maneira própria e estilo pessoal. Campanha, eleição, posse e primeiros dias: únicos e inéditos. Mas foi tudo espuma. O trabalho duro vem agora, começa esta semana. É difícil pensar que Marcelo fique satisfeito com o que conquistou. E tranquilo com o que tem. Ele sabe que o Presidente da República é o único factor de mudança do regime. Ninguém o quer mudar. Ou antes, os que querem, não podem. Os que podem, não querem nem têm a mesma ideia sobre a mudança. E ninguém sabe se o Presidente quer ou não fazer evoluir o regime. Se não quer, pior para ambos.

DN, 13 de Março de 2016


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