Bill Gates, o génio, a fortuna e
o filantropo: parece que nada se fez de melhor. Inovação, investigação e
dinheiro: eis receitas para o êxito contemporâneo! E a fortuna é tanta que até se
pode gastar algum, por acaso muito, com nobres causas, a começar pela
erradicação da malária. Mas também se pode suspeitar de tanto dinheiro e tanta
reputação. O que é de mais é… de mais.
O senhor Gates envolveu-se com a
informação e a imagem. Adquiriu as maiores bases de dados do mundo. A Corbis existe,
nas suas mãos, desde finais dos anos 1980. Destina-se a comercializar imagens
fotográficas para todos os fins: jornais, televisão, Internet, publicidade,
cultura, educação, edição, decoração, pesquisa histórica, desporto, artes, música
e divertimento.
A Corbis tem sede em Seattle, nos
Estados Unidos. É a maior vendedora de direitos de imagem do mundo. É provável
que cada ser humano veja, todos os dias, meia dúzia das suas imagens. O milionário
acaba de a vender a uma empresa chinesa, “Unity glory international”, que
pertence ao VCG, “Visual China Group”, que tem um acordo com a “Getty images”,
outro colosso da fotografia. Corbis e Getty juntas controlam os direitos de
mais de 300 milhões de imagens. Arquivos importantes como os da agência
francesa Sygma ou da alemã Bettmann (riquíssima em imagens dos séculos XIX e
XX) foram já adquiridos. Ambas as firmas têm experiência de trabalhar com os
chineses: há anos que detêm o exclusivo de distribuição na China e sempre respeitaram
as regras chinesas sobre a censura de imagens.
Há receio diante de tanto poder. Nos
jornais, queixam-se os defensores dos “ícones culturais” de verem partir para o
controlo da China comunista os direitos de exibição da língua de Einstein e das
pernas de Marilyn Monroe. Ou do Tankman, o chinês que, armado de um saco de
supermercado, se opôs a uma coluna de blindados em Tiananmen.
A combinação entre o pior do
capitalismo (poder excessivo, domínio do mercado, primado absoluto do lucro…) e
o pior do comunismo (controlo político, censura policial, monopólio…) é fatal!
É legítimo desconfiar desta aliança, sobretudo em matérias tão sensíveis como a
liberdade de informação e a preservação do património. Este casamento de
conveniência é um sinal de alarme para a cultura e o direito à informação.
O anúncio oficial da Corbis diz
claramente: “nothing changes
immediately for you today”. Não se pode ser mais claro. “Nada mudará
imediatamente para si hoje”. Faz lembrar um senhor que, há cerca de oitenta
anos, cada vez que queria tomar conta de um país, anunciava solenemente: não
temos reivindicações territoriais! Os comunicados oficiais da Corbis e da Getty
garantem que, “durante a transição”, tudo ficará como antes e “nada de imediato
mudará”! Não há melhor maneira de dizer que muito ou tudo vai mudar. Um dia…
Um dos problemas não esclarecidos
é o do destino do património vendido. Onde vai ficar sediado? À guarda de quem?
Outro é o da definição exacta do património. Só direitos? Ou também os suportes
físicos das imagens? Se for só a primeira hipótese, é mau. Se for a segunda, é
péssimo. Mas também se pode dar o caso de a primeira ser o passo necessário
para chegar à segunda…
DN, 31 de Janeiro de
2016
1 comentário:
O poder excessivo é sempre de temer. E quem estude o crescimento chinês verifica que não se alimenta de moral ou princípios humanistas. O que torna ainda mais temerosa a liderança do país do meio. Mas também me intriga a visão dos economistas e outra gente poderosa a quem me parece faltar patriotismo e até concepções de política geral, na medida em que estas vendas são mais que isso e eles sabem-no: vão afectar a humanidade e o seu conceito de vida e civilização.
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