Dentro de dias, no Parlamento, teremos
uma das mais importantes votações do ano: a do orçamento. Nesse dia, os cabos
partidários vão estar atentos: é necessário, na maioria e na oposição, garantir
a disciplina e evitar ovelhas ranhosas e trânsfugas. Pela sua composição, este
Parlamento é uma mina de nervos: a contagem de votos pode ser sempre uma
surpresa.
A disciplina partidária é um dos
sinais de falta de maturidade política e de menor amor pela liberdade. Veja-se
como funcionam alguns parlamentos de outros países, onde os deputados são
livres e votam como entendem. Entre nós, os partidos não hesitam em consagrar
expressamente a obediência. Mas não gostam que se saiba. Aliás, a minha
tentativa de estudar os regulamentos em vigor foi inútil. Os partidos não os publicam,
o que é sinal do que por aí vai, entre o despotismo e a má consciência!
E não se pense que o useiro da
disciplina é só o suspeito habitual, o PCP. Este, com o centralismo
democrático, criou um sistema onde nem sequer é necessário fingir. Os outros,
CDS, PSD e PS, gostam de se declarar amantes da liberdade. Eis por que declaram
formalmente a regra, mas acrescentam logo as excepções. E estas são de peso.
Com pequenas variantes, estes partidos declaram que os deputados votam
livremente, mas que têm de respeitar as instruções da direcção do Partido
relativamente a alguns assuntos, como sejam os orçamentos, os programas de
governo, as matérias referidas nos programas eleitorais, as moções de censura e
de confiança, as questões de
governabilidade e as orientações dos órgãos nacionais do partido. O PS diz que
a regra é a liberdade, mas as excepções são praticamente tudo o que se faz
naquela assembleia. O PSD diz que a regra é a disciplina e que os deputados que
quiserem usar de liberdade de voto têm de pedir autorização à direcção!
Os deputados que pretendam intervir no hemiciclo têm de pedir autorização.
A Assembleia da República só reconhece a cada um o direito a uma intervenção
livre de dez minutos por ano! As restantes terão de ser decididas pela
direcção. Em todos os grupos os deputados são obrigados a assumir um
compromisso de conformidade com as decisões da direcção.
Como é sabido, já vários grupos parlamentares recorreram a processos e
castigos. Uma só vez, o Tribunal Constitucional anulou as decisões de um
partido (neste caso, do PSD) relativamente à disciplina dos seus deputados. O
texto da Constituição é inequívoco. O artigo 155º diz que “Os deputados exercem
o seu mandato livremente, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz
exercício das suas funções…”. O que está em vigor nos partidos choca com este
princípio!
Os grupos parlamentares
contrariam expressamente a Constituição e regem-se por normas claramente
anti-constitucionais. Com uma nobre excepção, acima referida, ninguém, deputados,
magistrados ou presidentes ousou solicitar ao Tribunal Constitucional o exame
dessas normas que, apesar de internas, dizem respeito aos direitos fundamentais
dos membros de órgãos de soberania. De interesse público, portanto. Como é
diferente a liberdade em Portugal!
DN, 7 de Fevereiro de
2016
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