domingo, 6 de dezembro de 2015

A Justiça oculta

Apesar da sua génese, este governo merece o benefício da dúvida. Sem ilusões, deve-se esperar pelo teste dos Cem dias. Mas, depois de um debate parlamentar feito de lugares-comuns e de “desafios”, “apostas no futuro”, “partilhas” e “prioridade às pessoas”, temos a obrigação de inquirir o governo sobre as ocultações. Neste debate, as principais foram: a Europa; a crise do terrorismo; a crise dos refugiados e imigrados; a defesa nacional. Mas também o investimento. E a Justiça. Esta última merece uma palavra.

No debate que inaugura o governo, a Justiça foi uma enorme ausência. Apesar da presença de uma ministra com notável reputação e grande expectativa, verdade é que o governo decidiu estar calado nesse sector. E no entanto, a justiça é, a seguir às finanças, a área mais sensível e a mais complexa de todas. Um bom trabalho de investigação descobrirá tendências vigorosas na área das influências políticas e corporativas sobre a Justiça, assim como tentativas de captura do sistema. Conforme os governos, os partidos no poder e os Presidentes da República, mas sobretudo conforme as figuras do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura e ainda conforme os dirigentes da Procuradoria Geral da República e da Polícia Judiciária, o destino da justiça conheceu inflexões. Mais ou menos pronta. Mais ou menos atrevida. Com mais ou menos interesse nos crimes económicos. Com maior ou menor atenção aos crimes políticos.

Portugal é o país da Europa com mais dirigentes políticos e económicos na prisão, condenados, a cumprir pena, com pena suspensa, à espera de recurso ou de julgamento, arguidos, com termo de residência, com pulseira electrónica, sob investigação criminal… Primeiro-ministro, ministro, secretário de Estado, deputado, líder de grupo parlamentar, banqueiro, empresário, secretário-geral de ministério, director geral, presidente e vice-presidente de instituto, subdirector geral, chefe de policia, dirigente de serviços de informação, presidente de câmara, vereador… De todos estes cargos há pelo menos um, às vezes dois ou três exemplos vivos.
           
            Na verdade, a Justiça é o maior teste à democracia. Nos próximos anos, o que acontecer com os casos conhecidos será a referência do futuro das instituições democráticas: BPN, BPP, PT, BES, ASAE, SEF, Ongoing e tantos políticos, empresários e banqueiros… Problemas envolvendo dirigentes das polícias, dos serviços de informação e de espionagem e magistrados nunca foram elucidados, resolvidos ou julgados. O regime de segredo de Justiça está absolutamente inquinado. Estão por apurar processos com as Parcerias Público Privadas que podem envolver responsabilidade criminal. Se destes casos nada resultar, estaremos perante um desastre da Justiça e uma desgraça da democracia.
São excepcionalmente complexos os problemas políticos da Justiça portuguesa. Sejam os externos, de relação da Justiça com os cidadãos e com a política e a economia. Sejam os das facções políticas e corporativas no interior do sistema. O que for e não for feito na Justiça, nos próximos tempos, marcará a democracia portuguesa por longos anos.

DN, 6 de Dezembro de 2015

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