Apesar da sua génese, este
governo merece o benefício da dúvida. Sem ilusões, deve-se esperar pelo teste
dos Cem dias. Mas, depois de um debate parlamentar feito de lugares-comuns e de
“desafios”, “apostas no futuro”, “partilhas” e “prioridade às pessoas”, temos a
obrigação de inquirir o governo sobre as ocultações. Neste debate, as principais
foram: a Europa; a crise do terrorismo; a crise dos refugiados e imigrados; a
defesa nacional. Mas também o investimento. E a Justiça. Esta última merece uma
palavra.
No debate que inaugura o governo,
a Justiça foi uma enorme ausência. Apesar da presença de uma ministra com
notável reputação e grande expectativa, verdade é que o governo decidiu estar
calado nesse sector. E no entanto, a justiça é, a seguir às finanças, a área
mais sensível e a mais complexa de todas. Um bom trabalho de investigação
descobrirá tendências vigorosas na área das influências políticas e corporativas
sobre a Justiça, assim como tentativas de captura do sistema. Conforme os
governos, os partidos no poder e os Presidentes da República, mas sobretudo
conforme as figuras do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da
Magistratura e ainda conforme os dirigentes da Procuradoria Geral da República
e da Polícia Judiciária, o destino da justiça conheceu inflexões. Mais ou menos
pronta. Mais ou menos atrevida. Com mais ou menos interesse nos crimes
económicos. Com maior ou menor atenção aos crimes políticos.
Portugal é o país da Europa com
mais dirigentes políticos e económicos na prisão, condenados, a cumprir pena,
com pena suspensa, à espera de recurso ou de julgamento, arguidos, com termo de
residência, com pulseira electrónica, sob investigação criminal…
Primeiro-ministro, ministro, secretário de Estado, deputado, líder de grupo
parlamentar, banqueiro, empresário, secretário-geral de ministério, director
geral, presidente e vice-presidente de instituto, subdirector geral, chefe de
policia, dirigente de serviços de informação, presidente de câmara, vereador…
De todos estes cargos há pelo menos um, às vezes dois ou três exemplos vivos.
Na verdade,
a Justiça é o maior teste à democracia. Nos próximos anos, o que acontecer com
os casos conhecidos será a referência do futuro das instituições democráticas:
BPN, BPP, PT, BES, ASAE, SEF, Ongoing e
tantos políticos, empresários e banqueiros… Problemas envolvendo dirigentes das
polícias, dos serviços de informação e de espionagem e magistrados nunca foram
elucidados, resolvidos ou julgados. O regime de segredo de Justiça está
absolutamente inquinado. Estão por apurar processos com as Parcerias Público
Privadas que podem envolver responsabilidade criminal. Se destes casos nada
resultar, estaremos perante um desastre da Justiça e uma desgraça da democracia.
São excepcionalmente complexos os
problemas políticos da Justiça portuguesa. Sejam os externos, de relação da
Justiça com os cidadãos e com a política e a economia. Sejam os das facções
políticas e corporativas no interior do sistema. O que for e não for feito na
Justiça, nos próximos tempos, marcará a democracia portuguesa por longos anos.
DN, 6 de Dezembro de
2015
Sem comentários:
Enviar um comentário