domingo, 7 de junho de 2009

Critérios para logo à noite


HOJE, VOTA-SE.
Logo à noite, conta-se. À hora de jantar, as televisões e as rádios competirão em previsões, novidades e comentários. Uns partidos tirarão ilações para as legislativas, outros negarão tal hipótese. Várias serão as interpretações. Os próprios conceitos de vitória e derrota serão controversos. A matemática eleitoral é uma das mais incertas disciplinas que se conheça. A aritmética recua diante das capacidades humanas de interpretação e análise.

A tradição era a de os partidos afirmarem, na televisão, que tinham ganho. Todos. Ganhavam sempre. Os seus representantes e os comentadores mais comprometidos encontravam sempre critérios que garantissem a vitória. O principal era evidentemente o da maioria: o partido que vinha à frente, que obtinha mais votos e mais eleitos, era o vencedor. Mas mesmo essa medida foi contestada. Do vencedor, facilmente se poderia dizer que ganhou, mas teve menos votos do que antes; ou que o segundo classificado ficou mais próximo; ou, finalmente, que não obteve a maioria absoluta. Muitos mais critérios eram utilizados, em especial os que faziam comparações que permitissem as acrobacias necessárias. Comparavam-se os resultados obtidos com as anteriores do mesmo género (europeias, por exemplo), se era conveniente. Ou com as últimas em data, mesmo de género diferente (legislativas, por exemplo), se era vantajoso. Os que não podiam usar esses critérios encontravam outros. Tinham aumentado o número de eleitos, mesmo se obtiveram menos votos. Ou tinham ganho em comparação com o partido mais próximo. Tinham obtido mais votos do que as sondagens previam. Ou, último e atrevido critério, tinham tido mais votos do que se esperava ou do que “diziam por aí”!

Eleições houve em que todos os partidos tinham ganho! Corria mesmo um rumor que passava por ser a mais inteligente e sofisticada estratégia: as eleições ganham-se ou perdem-se na televisão, durante a primeira hora depois de conhecidos os resultados. Todos os partidos e muitos comentadores pensavam isso, com a ressalva de que cada um julgava ser o único possuidor de tão refinado dispositivo. Estes tempos eram, simultaneamente, divertidos e irritantes. Ver até onde pode levar a retórica e a demagogia despertava a curiosidade e podia ser motivo de entretenimento. Mas sentir que os porta-vozes dos partidos nos tomavam por parvos era menos agradável.

Esta maneira é ainda hoje dominante. E logo à noite veremos com certeza as habilidades de vários dirigentes a demonstrar que ganharam ou não perderam. Mas já não é o que era. Os jornalistas são um pouco mais assertivos. Há comentadores independentes. Os responsáveis pelas sondagens e pelas previsões deixam menos espaço para a imaginação criativa dos partidos. Além disso, houve casos que ficaram na história: chefes de partido que se demitiram em directo ou quase, assim reconhecendo uma derrota indiscutível. Paulo Portas e António Guterres foram dois exemplos. Este último ficou na memória, pois, tendo perdido as autárquicas, nada o levava a demitir-se do governo e a pedir que se convocassem novas eleições legislativas. Na verdade, essas demissões estavam nas cartas, no sentido de que os dirigentes em questão queriam aproveitar o primeiro pretexto para se irem embora.

ESTAS ELEIÇÕES europeias prestam-se a discussões infinitas. Sendo muito elevada, a abstenção distorce critérios de análise. Por outro lado, há menos cargos de deputado em jogo do que nas anteriores. Finalmente, o facto de, entre estas e as últimas europeias, se terem realizado várias eleições, complica os cálculos. Desde as europeias de 2004, fizeram-se uma legislativa (2005), uma autárquica (2005) e uma presidencial (2006). É difícil estabelecer comparações rigorosas e significativas. Como se avalia então a vitória?

A primeira regra é a mais simples: vence quem chega em primeiro lugar, com mais votos, maior percentagem dos votos expressos e mais candidatos eleitos. Este é o único critério indiscutível. Pode ter menos votos, menos eleitos ou menor percentagem do que nas anteriores europeias; e pode ter menos ou mais do que nas anteriores legislativas e autárquicas; se vem à frente, ganha. Ponto final. Quem ficar em segundo, pode ter mais do que antes; ou pode ter quase tantos como o primeiro; se ficar em segundo, perde. Ponto final.

A segunda regra consiste em determinar como se perde ou ganha, bem ou mal. Pode-se ganhar, mas ter menos votos do que antes: ganha mal. Pode-se perder mas ter registado uma grande subida de eleitorado: perde bem.

A terceira regra é a de dividir as eleições em campeonatos ou ligas. A primeira é a dos dois grandes: um ganha e o outro perde. Na segunda, a dos três pequenos, a ordem por que chegam BE, CDU e PP merecerá especial atenção. É muito provável que as campanhas para as legislativas e autárquicas, que começam amanhã, se venham a ressentir dos efeitos desta ordem relativa. A terceira, a dos partidos e movimentos não representados em qualquer parlamento, nacional ou europeu, veremos se alguém ou algum consegue ultrapassar as marcas do anonimato e as fronteiras de excentricidade.

A quarta regra é a de saber que os resultados nas europeias, digam o que disserem logo à noite, têm evidentemente efeitos nas próximas autárquicas e legislativas. Taxas de participação eleitoral muito diferente poderão complicar os resultados e as comparações, mas a certeza é essa: a temperatura agora medida ajuda a fazer o diagnóstico legislativo e terá influência nas decisões do eleitorado. Não é total, nem automática, mas é real. Aliás, veremos logo à noite como os partidos que perderem vão demonstrar que não existem consequências de uma eleição na outra. Enquanto o vencedor vai garantir que esta foi a “primeira volta”.

Finalmente, uma regra de ouro: se um partido der muitas explicações sobre os seus resultados, se aludir ao eleitorado urbano e ao rural, se referir o voto jovem e o idoso, se mencionar a inexistência de debates, se insistir na má campanha feita pelos outros, se sublinhar a má propaganda dos adversários e se denunciar o favoritismo da imprensa, é porque perdeu. Não falha!

«Retrato da Semana» - «Público» de 7 de Junho de 2009

10 comentários:

joshua disse...

Aguardemos pela mensagem profunda dos eleitores, hoje.

Creio que, a não ser nas legislativas de 2005, quando Sampaio improvisou e arriscou a facção contra a democracia, raramente o eleitorado falhou o alvo, embora o traisse depois mais ou menos (mais ostensivo o PS menos o PSD) o devorismo clientelar e a incompetência grosseira empreiteiresca dos partidos da alternante redundância.

Carlos Medina Ribeiro disse...

António Barreto refere Guterres, mas podia igualmente referir Durão Barroso, pois este também tomou a liberdade de achar que, ao votarmos nas europeias, estávamos a votar a favor ou contra o seu governo.

Essa "tresleitura" é profundamente irritante (*), mas julgo que não há forma de nos vermos livres dela - pois, no fundo, trata-se do que argumentava uma saudosa tia minha aquando das eleições presidenciais de 1958:

Quando lhe diziam que Humberto Delgado não era de confiança (pois havia sido um colaboracionista do regime), ela respondia sempre:

«Não me importo com isso; e vou votar nele pela mesma razão de que, se precisar de atirar uma pedra a alguém, não vou fazer depender isso do facto de a pedra ser perfeitinha».
__

(*) - Ver a crónica «Importam-se que eu vote?» - [aqui]
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Manuel Brás disse...

As acrobacias matemáticas
da noite eleitoral,
são de locuções fleumáticas
carregadas de moral.

Mil e uma habilidades
em palavras truncadas,
serão tantas banalidades
entre opiniões trocadas.

Quem se perde em explicações
de toda a maneira e feitio,
é porque perdeu as eleições
maquilhando o seu fastio!

Luis Melo disse...

Excelente a vitória do PSD, com 5% de vantagem sobre o PS. Uma grande vitória de Manuela Ferreira Leite pela escolha do excelente cabeça de lista que foi Paulo Rangel. Uma vitória da forma de fazer política, de verdade, de seriedade, de honestidade. Uma vitória de um partido que apresentou propostas, ideias e estratégias.

Uma derrota inequívoca de José Sócrates e do PS. Passam de 12 para 7 eurodeputados, perdem nos Açores (onde recentemente ganharam as Regionais) e ganham apenas em 2 distritos (sendo que em Lisboa foi apenas por 0,5%).

Não pode haver a desculpa da crise internacional, que castigou os governos. Sarkozy, Merkl e Berlusconi venceram, enquanto que os governos socialistas de Brown, Zapatero e Sócrates perderam. Foi a derrota da politica socialista que é despesista, premeia a partidarite no lugar do mérito e do trabalho, apoia e legitima a corrupção.

No contexto europeu, o PPE (onde se inserem PSD e CDS) será o maior partido com cerca de 260 deputados, contra os cerca de 150 dos socialistas (onde está o PS). A Europa teve consciência e sabe que rumo quer tomar.

Carlos Medina Ribeiro disse...

O número de votos em branco, às 21h39m, era de 144.029, 4,66%, ou seja mais de metade dos votos do CDS (JPP, no ABRUPTO)

__________

ESTA FOI a primeira vez, em muitos anos, que os resultados eleitorais (pelo menos nos canais de TV que acompanhei) omitiram sistematicamente este número.

E, no entanto, o voto em branco tem um significado, em termos de protesto, extremamente concreto e que não pode ser confundido com a abstenção:

Significa que o cidadão se interessa pela "coisa pública", que quer participar activamente na escolha dos seus representantes, mas que nenhum dos que se apresentam a sufrágio lhe oferece confiança.

Tal como, no início da censura, os jornais deixavam em branco os trechos cortados, também seria interessante que, nesses parlamentos, ficassem vazios os lugares correspondentes a esses votos...

Anabela Magalhães disse...

Subscrevo as palavras de Carlos Medina Ribeiro. De facto seria deveras interessante, honesto e justo.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Anabela,

O tema do voto em branco tem sido muito discutido no "Sorumbático", blogue onde A. Barreto também escreve.
O pretexto foi a estranha afirmação de José Medeiros Ferreira, no seu blogue (estaria a brincar?), dizendo que esses votos (entre os quais está o meu...) eram de pessoas "amigas do PS"!

Ver [aqui] o que escreveu J.M.F. e as reacções que tem suscitado.
.

Anabela Magalhães disse...

Vou ver. Obrigada, Carlos.

Anabela Magalhães disse...

Acabei de anexar o Sorumbático à minha lista de blogues. Gostei do que li.
Ah! Não pude deixar de reparar que é escorpião!
Prazer. Eu também sou.
Sou um Escorpião Azul! :)

Unknown disse...

Parabens pelo seu discurso de 10 de junho.Foi um discurso com alma.