domingo, 26 de abril de 2009

Doze anos obrigatórios

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O GOVERNO ACABA DE APROVAR a lei que estabelece a escolaridade obrigatória de doze anos. Há muito que se esperava e estava anunciada pelos programas deste e de anteriores governos. Aliás, a medida fora já aprovada por um governo do PSD, mas, no trânsito entre Barroso e Santana, o Presidente da República, Jorge Sampaio, não tinha homologado o decreto-lei. Ao mesmo tempo, o governo anuncia uma decisão de aumentar o número de bolsas de estudo para os alunos que teriam dificuldades económicas em frequentar o ensino secundário. Esta medida não suscita objecções de maior. Uma escolaridade de onze a treze anos é geralmente considerada como adequada e necessária. Há já muito que em Portugal deveria vigorar esta norma. Aplauso, pois. Mesmo considerando que a noção de “escolaridade obrigatória” é obsoleta. Na verdade, esse imperativo aplicava-se aos pais que, desde o século XIX, não estavam facilmente predispostos a dispensar os filhos de trabalhar. Hoje, a educação é mais um direito social do que uma obrigação. Admita-se, todavia, que a escola compulsiva ainda faz sentido.
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O ALCANCE deste novo regime é moderado. Com números de hoje, serão cerca de trinta mil os alunos que, em condições normais, virão aumentar a frequência do secundário. O universo actual deste ensino, em todas as variantes, incluindo a profissional, é de mais ou menos 350 000 (segundo os jornais, o governo diz que são apenas 307 000, para uma capacidade de 330 000; as estatísticas oficiais dizem 335 000 só no continente). Mesmo assim, a decisão justifica-se. Já o modo como foi preparada a reforma deixa a desejar. Não foram tornados públicos estudos preparatórios relativamente aos custos, à reorganização e às necessidades de instalações, docentes e outro pessoal. Os responsáveis do ministério disseram publicamente que não pensavam que houvesse necessidade de aumentar os recursos humanos, financeiros e físicos. Sem mais. Aprovada a lei em 2009, só se torna efectiva em 2013. Isto é, só os alunos que no presente ano iniciarem o sétimo virão a ser abrangidos pela obrigatoriedade de prosseguirem estudos a partir de décimo.
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COM UMA LEGISLATURA de quatro anos completos a chegar ao fim, as circunstâncias desta aprovação tardia são estranhas. Com um prazo diferido como este, não se percebe por que não foi aprovada a lei em 2006. Já hoje estaria totalmente em vigor. Mas a existência desse prazo é também discutível. Com um ou dois anos de preparação rigorosa, a aprovação da lei poderia ter efeitos imediatos: logo nesse ano, os alunos que terminassem o básico seguiram todos para o secundário. Não é de excluir que, mais uma vez, tenha sido o ano eleitoral responsável por estas decisões fora do tempo e aquém do modo. Sem o esforço de preparação e sem a organização rigorosa, fica o mérito da decisão. Sem, realmente, justa causa.
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AS DEFICIÊNCIAS na preparação surgem de todos os lados. O facto de não se conhecerem as implicações reais deste alargamento é já bastante. É uma antiga tradição. A feitura das leis é, em Portugal, pouco rigorosa e pouco competente. Se forem leis de carácter essencialmente administrativo e jurídico, são preparadas em gabinete, ao milímetro, com recurso a este talento nacional que é o do regulamento. Podem passar completamente ao lado da sociedade e da realidade, mas são minuciosas. Se forem leis que tratam de dinheiro grande, são feitas nos escritórios dos grandes advogados, servem para o que servem, aplicam-se ao que se devem aplicar. Todas as outras, com implicações sociais e económicas vastas e profundas e que afectam toda a população, são geralmente mal feitas, incompletas, sem estudos preparatórios capazes ou, quando estes existem, com estudos secretos e confidenciais. Um dos resultados desta tradição é a multiplicidade de leis sucessivas, de correcções, de rectificações e de interpretações que transformam os sistemas normativos em selvas tropicais.
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O GOVERNO “julga” que não vão ser necessários edifícios, equipamentos, recursos financeiros e docentes. Julga! Não é uma maneira de gerir o maior departamento do Estado. A criação do limite de 18 anos sugere imediatamente um problema: a idade de acesso ao mercado de trabalho é de 16 anos! Há aqui qualquer coisa que não bate certo. O governo “pensa” que não. Pensa! E que dizer dos alunos de 18 anos feitos a quem falta um ano de escolaridade no secundário? O governo “entende” que não há problema. Entende! Quem são estes trinta mil alunos que vão ser abrangidos? Trabalham? Onde? Em quê? Por que saíram do sistema? São pobres? Incompetentes? Incapazes de estudar? Sem apoios familiares? O governo não sabe. Se sabe, não diz. Mas vai fazer qualquer coisa. Quer dizer, vai dar dinheiro. Parece ser a única coisa que ocorre ao governo: dar dinheiro. Que vai o governo fazer com os que já fizeram 18 anos, mas ainda estão por exemplo a acabar o básico? Não sabemos. Será que o governo mandou estudar seriamente as razões concretas do abandono no fim do básico e no secundário? Que se saiba, não. Teve o governo a preocupação de investigar esta população que abandona a escola? Tem algum conhecimento, não apenas uma ideia, das consequências desta entrada na escola de umas dezenas de milhares de alunos renitentes, de jovens que já trabalham ou de adolescentes cujos pais não ajudam? As declarações dos governantes sugerem que têm mais palpites.
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ESTA TERIA SIDO uma excelente oportunidade para repensar o ensino secundário, a sua função e a sua natureza. Poder-se-ia ter examinado o ensino profissional equiparado ao secundário, dando-lhe mais importância. Era uma ocasião excelente para revigorar o ensino tecnológico, que este governo promoveu, é certo, mas que espera pela definição de uma vocação forte e de uma missão de longo alcance. Teria sido possível rever questões fundamentais como sejam a duração do secundário ou a organização curricular que, actualmente, deixa muito a desejar. Era a altura ideal para apreciar serenamente a articulação do secundário com o ensino superior, tanto politécnico como universitário. Era uma grande oportunidade, era. Mas já não é.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 26 de Abril de 2009

14 comentários:

Sílvia disse...

A educação em Portugal é,efectivamente,um direito social reconhecido por este governo e tanto é que, se AB reparar, com a atenção devida, nas obras que estão a realizar-se em escolas junto à sua porta, nomeadamente as escolas secundárias Pedro Nunes e Josefa de Óbidos,só para dar dois exemplos,uma vez que há muitos mais em Lisboa e no resto do país, verificará que a reestruturação e aumento dos espaços e instalações das mesmas já está a ser contabilizada e preparada para fazer face às necessidades logísticas e pedagógicas do presente, uma vez que, nos últimos três anos, aumentou significativamente o número de alunos no ensino secundário, através da inclusão curricular de cursos profissionais, mas também para o futuro próximo,daqui a três anos, com a implementação da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade.
Em relação aos restantes aspectos que AB refere, relacionados com a ausência de planeamento do ME,eu, por pudor, reservo apenas para mim qualquer comentário.

joshua disse...

«Corruptissima respublica, plurimae leges.» Tácito.

Anónimo disse...

Notas avulsas:

1.Esta obrigatoriedade contribuirá para agravar o ambiente das escolas secundárias. Que passarão a ter os mesmos problemas das escolas básicas. Atendendo ao sistema de reprovação que vigora em Portugal, teremos alunos de 18 anos a chegar ao 10.º ano, com sorte deixarão a escola secundária com 21.


2. Mais uma medida que ajudará a afundar as poucas escolas secundárias públicas que merecem a confiança dos estratos sociais mais elevados.


3.Na generalidade dos países europeus não existe escolaridade obrigatória de 12 anos.


4.Os bons sistemas educativos tem escolas especializadas a nível secundário, caso da Finlândia, por exemplo, com admissão de alunos à entrada. Em Portugal as escolas secundárias são todas iguais.


5.As secundárias regulares reagem mal aos cursos profissionais, como são muito diferentes, e bem, dos cursos gerais, são logo catalogados de fáceis. Além de os abrirem sem ter em conta as necessidades da região onde se inserem.


6.Se queremos um sistema de educação público de qualidade temos de especializar as escolas secundárias, de forma a responderem aos diferentes tipo de públicos.

Daniel,
Professor do Secundário.

Sílvia disse...

O professor Daniel defende guetos na escola pública com a mesma facilidade com que afirma que "Em Portugal as escolas secundárias são todas iguais."
Convido-o a visitar, por exemplo, o site da escola secundárias José Gomes Ferreira (Benfica)e o site da escola secundária de Arouca e verificar as diferenças entre estas duas escolas, em termos de oferta escolar e outras.
Poderá verificar que, com tantas diferenças, as suas "notas" não poderão deixar de ser mesmo avulsas.

Sílvia,
professora do ensino básico e secundário.

Anónimo disse...

Os professores a discutir como deve ser a escola, pensam que sabem mais do que os outros, a verdade é que não sabem. Na Alemanha os alunos são separados no ensino secundário de acordo com a capacidade demonstrada e não há mal nenhum nisso. Não se cria nenhum estigma social. As pessoas acham normal; isso acontecer, pode até ser uma escolha.
Aqui, a ideia é estudar para um lugar à sobra da bananeira, ou ao sol: como se queira. A verdade é que não pode ser assim, ou pelo menos não deve. Estudar é para se saber, não par ascender a uma distinção social ou a um qualquer lugar remunerado pela causa pública. O Dr. atrás do nome, ainda permite a muita gente ignorante e mal formada, distinção que na realidade não merece. Antes de obrigar a estudos por decreto, pensem primeiro no que se deve ensinar: alguma coisa de útil já agora, considerando que nem todos querem ser doutores.

Daniel disse...

Professora Sílvia,

estude como se organizam os sistemas de ensino mas eficazes.

Sílvia disse...

Caro Daniel,
Dentro ou fora da escola, não faço outra coisa senão aprender, ao contrário de AB que teima ser dono da verdade.

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Hoje é vê-los saídos das Escolas, imberbes, ignorantes, afirmativos, mas senhores da verve e da certeza!
Cresçam, desenvolvam-se, na humildade e sabedoria dos ançiãos!
Pobre País de tão arrogante gente, que pensam que o páis nasceu hoje!
Cumpriu-se o mar e o Império se desfez, Senhor, falta cumprir-se Portugal!

A Sílvia já fez trinta anos?

Carlos Medina Ribeiro disse...

A discussão a propósito dos 12 anos de escolaridade é, decerto, muito interessante.
Mas uma outra, acerca da «falta que faz uma boa 4ª classe», não o seria menos:

Deixando de lado o analfabetismo tantas vezes exibido por pobres-diabos (em tabuletas de estabelecimentos, p. ex.), atente-se nestes dois, da autoria de funcionários com responsabilidades públicas [AQUI] e [AQUI]...

Nuno Calisto disse...

Sílvia eu não tenho pudor em afirmar que os planeamentos dos sucessivos governos de há trinta anos a esta parte, em matéria de educação, têm sido despudoradamente delirantes e baseados no preconceito de que a educação é uma ciência (oculta no mínimo)e nunca se preocuparam com os resultados do nível dos conhecimentos que a maioria dos jovens patenteia quando de lá sai. Isto para já não falar na indisciplina e violência que nada parece preocupar a tutela.

joshua disse...

O que mata a Tutela é o desamor pela função docente. Só professores experimentados e sensíveis estão aptos e são dignos de se tornarem Tutela, coisa que nunca aconteceu.

Ignorantes, bimbos, técnicos avulsos, sociólogos, usufrutuários de licenciaturas instantâneas, Valteres maus-virguleiros são um assassínio educativo rolando pelo declive da imoralidade geral do País, no plano experimentalista-político.

Paradoxalmente, são precisamente estes os dignos de incenso da Sílvia. Em quatro anos, o ME tratou de garantir que o professor poderia ser tratado abaixo de cão-titular e de caniche-professorzeco. Tudo isto dentro de num plano mais vasto visando tratar abaixo de cão o enfermeiro, o polícia, o médico, o juiz, o jornalista e definir como principescos todos os carreiristas políticos, todos os bajuladores da política, todos os Fortes na Economia pela proximidade à tetina do Estado, todos os que esgrimam com dinheiro os seus argumentos de respeitabilidade-rica e ilícita.

Só que tal febre de inépcia praticada e propagada, contaminando assim toda a sociedade, só poderá redundar numa natureza infracanina do lado de quem trabalha e principesca do lado quem decide. Não é esse o desígnio de um País em Paz nem foi para isso que os nossos antepassados se sacrificaram.

Imagino Voltaire a dar voltas na tumba imprecando a renitência empedernida das Sílvias e de quantos ela defende com um discurso enclavinhado, fanático, fechado.

angelo ochoa disse...

Sr. António Barreto, seu aplauso a esta medida não me espanta na boa tradição iluminista que não refuto. Quem sou eu para refutar o irrefutável? Mas vejamos:
A minha experiência de 36 anos de docência, de Filosofia, disse-me que não há no Ensino em Portugal uma questão de democratização da cultura, mas uma questão -- e tenebrosa -- de viciação partidiarizante e de influências esquerdistas maçónicas anti-clericais e obscuros economicismos marxizantes -- que viciou todos mas todos os programas de ensino do secundário -- por directivas emanadas do kafkiano 5 de Outubro ( sede do ME ) -- não alterem o rumo -- e veja-se -- que não é obsessão minha -- a pavorosa omissão da «História das Religiões» nos curricula.

angelo ochoa disse...

o que eu quis dizer antes foi:
não alterem o rumo, não, e verão onde irão parar!
a peste já cá está (joão gonçalves)

Diogo disse...

E quatro anos obrigatórios:

And now, for something completely different:

Barack Obama repudiou o cristianismo e está a converter-se ao Islão.

Jon Stewart, do Daily Show, explica-nos, com humor, como os Media nos EUA dão a entender que Barack Obama é um muçulmano encapotado.

VÍDEO legendado em português