Uns com romarias ou comícios, outros com seminários e debates: os partidos abriram a temporada. As primeiras impressões não surpreendem. Até agora, limitaram-se às habituais banalidades, à coreografia e aos compromissos inconsequentes. Tudo a pensar nas sondagens, dado que eleições não há.
Vai ser um duro Inverno. A saúde pública continua sob ameaça permanente. A pobreza manter-se-á a níveis elevados. O aumento do custo de vida já é colossal, mas nada que se compare com o que aí vem, com os preços da energia, dos alimentos, dos transportes e da habitação. As dificuldades de aprovisionamento, com rupturas de alguns bens essenciais, serão tão más como os aumentos.
Ao contrário do que se possa pensar, a altura é para grandes obras e bons planos, não apenas para acorrer ao efémero. Não há eleições tão cedo. Não se anunciam novas crises dentro dos partidos, nem nas relações entre as instituições. Nesta paz, que corre o risco de ficar podre, não seria o momento ideal para pensar a prazo, mas agir de imediato, para reformar com coragem, para solicitar apoio de independentes, para convocar gente isenta, para entusiasmar técnicos competentes e para chamar o que há de melhor em Portugal e no estrangeiro? Não seria a altura de pedir ajuda a quem sabe para tratar daquilo para que este governo, e outros antes dele, se mostraram incapazes? As necessidades e as urgências são evidentes.
Diz a mitologia política, com alguma razão, que o Serviço Nacional de Saúde é o melhor que se fez em Portugal desde há quarenta anos. Por isso, custa a perceber a razão pela qual o serviço se encontra neste estado. Há muitos médicos, mas não chegam. Há cada vez mais enfermeiros, mas não são suficientes. Persistem as filas para consulta e cirurgia. Mantém-se as longas esperas por urgências. Em muitos casos, o desconforto hospitalar, em macas, nos corredores e em anexos desadequados, é desumano. Se é verdade que nem tudo correu mal durante os dois primeiros anos de pandemia, também é certo que as enormes e crescentes deficiências perduram em todas as áreas. O pessoal contratado aumenta sempre, os orçamentos crescem de modo imparável e único. Portugal tem, na Europa, uma das maiores percentagens da despesa pública com a saúde. Grande parte da população, de todas as preferências políticas, quer o SNS, pede que seja defendido e espera que seja mais eficaz e menos desigual. Por que razões se mantém este permanente clima de crise no SNS? Como se explica a manutenção de tão elevados padrões de desigualdade? Por que motivos estamos a assistir a esta verdadeira obscenidade política, social e sanitária que é a crise das urgências de obstetrícia e ginecologia? Como é possível aceitar o argumento de algumas autoridades, segundo o qual a saúde privada é a responsável pela crise na saúde pública?
Há, na saúde pública, uma crise de gestão terrível e surpreendente, uma falta de sabedoria notória e aflitiva. Por que insistem o governo e o Primeiro Ministro em soluções gastas e ineficazes? Como se explica o facto de não haver discernimento suficiente para substituir os dirigentes e os responsáveis políticos? Como é possível prolongar esta situação desastrada? Quanto tempo ainda teremos de suportar esta ladainha de explicações sobre as crises estruturais e as causas antigas? Quantas vezes ouviremos ainda as descrições das intenções do governo, das medidas legais a tomar e das reformas a longo prazo em preparação?
Por incompetência, cumplicidade, conivência, medo e desinteresse, os actuais governantes, e outros antes deles, desistiram de rever e reformar a justiça em todas as áreas que está a necessitar. A corrupção, o nepotismo e a irregularidade administrativa ficam fora da justiça portuguesa. Os ricos e os poderosos, assim como as luminárias partidárias, também. Segundo estudos e sondagens recentes, alguns magistrados e outros agentes da justiça e do direito colocam-se fora do alcance da justiça. Esta renúncia à acção, esta abdicação e esta desistência já não têm solução. A particular configuração da justiça assim o impõe. A independência judicial e a organização corporativa são tais que resultam em anulação de forças. A justiça dos poderosos manter-se-á em crise. Para nosso desespero. Mas há um sector que merece atenção, pelas consequências sociais, criminais e morais. Os serviços e processos de legalização de estrangeiros, de acolhimento descontrolado de refugiados e trabalhadores, de alojamento ilegal de imigrantes, de tolerância de trabalho clandestino, de concessão facilitada de vistos “dourados”, de complacência com “descendentes” sefarditas, com oligarcas russos e com milionários asiáticos e, finalmente, a abstenção perante as redes de traficantes de trabalhadores, estão a criar uma situação insuportável, de graves consequências para o futuro próximo. Não seria a altura, ainda por cima em período de guerra, de pôr um pouco de ordem e de legalidade em todo este sector?
Depois de décadas de indecisão, de decisões definitivas, de negações, de desditas, de colossais fortunas gastas em estudos, continuamos quase na estaca zero do aeroporto de Lisboa. Com todas as suas implicações, é este o maior projecto de investimentos jamais feito e não repetível. Portugal está atrasado em dez ou vinte anos. Não é possível continuar a ver as mesmas pessoas a dizer coisas diferentes, conforme os interesses e as oportunidades. Não é aceitável que um governo diga que quem decide é o partido da oposição. Não é tolerável que do mesmo partido e dos respectivos responsáveis tenha havido pelo menos cinco decisões definitivas sobre a vocação, as funções, a configuração, os prazos, a dimensão e a localização do aeroporto. É chegada a altura de tomar decisões informadas, responsáveis e competentes. Tal, aliás, como com a TAP, espinha atravessada na economia, contradição eterna, poço sem fundo de prejuízos e maus gastos. O que se poderia também dizer dos comboios, da rede ferroviária nacional, regional e local, em permanente degradação, desconfortável, insegura, ultrapassada, abandonada, resultado de um processo de negligência quase criminosa. Na confluência dos transportes aéreos, ferroviários e marítimos estão seguramente a maior urgência, o mais vasto projecto e o mais profundo investimento da história do país.
Apetece dizer: o catálogo é este.
Público, 27.8.2022
2 comentários:
A tolerância como valor que justifica a multidão de incompetências e desleixos.
A igualdade como valor que desqualifica a competência e a autoridade.
Os direitos sempre prevalecendo sobre os deveres que os fundam.
A democracia que dá voz ao imbecil subserviente dos poderes.
O bem governar focado em justificar desastres e formular promessas.
rupturas de bens essenciais como o pão e as massas? catastrofista
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