O ambiente geral é de inventário e balanço. Talvez o pior da pandemia já tenha passado. Talvez… Faltam poucas semanas para as eleições autárquicas que, apesar de locais, já ganharam valor nacional. A última fase da presente legislatura começa agora. O actual governo está gasto e cansado. Discutem-se abertamente as alternativas futuras aos actuais Presidente da República e Primeiro-ministro. Em quase todos os partidos fala-se de alternância, de rivalidade e de substituição. Discute-se a sucessão em vários partidos, no PS, no PSD, no CDS e no PCP. Aos gritos no PSD. Aos murmúrios no CDS e no PS. Em surdina no PCP. Os dinheiros da União Europeia começaram a chegar, por enquanto devagar, daqui a pouco em grande velocidade: ganhará quem estiver bem colocado. Lá fora, depois da porta fechada do Afeganistão e em vésperas da nova Europa sem Merkel, avoluma-se o desconhecido. Mas toda a gente percebe que uma era terminou. Quando serenos, os balanços permitem corrigir erros e fazer melhor.
Apesar das incertezas, dos erros, das dúvidas e sobretudo da incapacidade para bem informar e comunicar, o comportamento das autoridades portuguesas, durante a pandemia (que ainda não terminou…) foi razoável ou talvez mesmo bom. O pior foi a prevenção, a informação e o confinamento. O melhor foi a vacinação e os hospitais. Tudo poderia ter sido melhor, é verdade, mas o balanço global é razoável. Todas as questões que envolveram filas de espera, outras cirurgias, aulas e exames, jogos de futebol e divertimentos nocturnos deixaram muito a desejar. No início, chegou a recear-se, com razão, a força da cunha, o inevitável da desigualdade e o favoritismo. Mas parece que se evitou o pior e corrigiu a tempo.
A situação social está dentro dos limites do suportável. A retoma económica anuncia alguma recuperação, mas não melhoramento. Mantém-se uma forte pressão de pobreza e necessidade, sem falar na chaga permanente da desigualdade. A emigração continua elevada, o que é muito mau sinal. A pressão dos imigrantes e refugiados é alta e as autoridades não têm mostrado capacidade para controlar e ordenar. Governo e partidos continuam a prometer o que podem, o que não podem e o que sabem que nunca poderão. Esticam-se os orçamentos públicos e os fundos europeus, mas existe a plena consciência de que o curto prazo e a demagogia nada resolvem. Pensões, abonos, subsídios, isenções, bolsas, créditos, descontos e bonificações são oferecidos, realmente dados ou apenas prometidos. Raramente se viu um tal fogo de artifício de promessas. Além disso e estranhamente, o emprego público aumenta. Mas toda a gente sabe que nada disso resolve o essencial, a segurança, a estabilidade, o emprego produtivo, o aumento de rendimento e um pouco mais de igualdade. Muitos escondem, mas todos sabem que o Estado social está sob ameaça. Como estão conscientes de que a dívida excessiva, a maior da história recente, impede o desenvolvimento. Com esta dívida, sem investimento e sem melhoria da produtividade, não há Estado social que resista.
Vive-se um tempo muito mau conselheiro para encontrar novas e duráveis soluções para os nossos problemas colectivos. Hoje, o êxito da política e dos políticos mede-se pelo acessório, pela imagem, pelo efémero, pelo tempo de permanência no cargo, pelos efeitos da propaganda, pela paralisia das alternativas, pela estupidez dos rivais, pelo volume de fundos europeus obtidos e pelas promessas repetidas. Há dinheiro para gastar, mas não há capital para investir. Não há sucessores promissores para os actuais governantes já esgotados. Não há alternativas razoáveis que mereçam crédito e confiança. Justiça, Administração Pública e Educação estão a revelar-se muito mais fontes de novos problemas do que soluções ou progressos. Há administrações para gastar, mas não há empresas para produzir. Portugal, a sua sociedade e a sua economia precisam de muito mais do que de simples êxitos de duração, subidas nas sondagens e boa impressão dos dirigentes políticos.
Há pelo menos vinte anos que as grandes chagas da sociedade não tiveram verdadeira diminuição nem foram realmente combatidas. A desigualdade social e a persistente pobreza. A reduzida produtividade do trabalho. A iliteracia e a falta de cultura. O miserável investimento privado e a falta de capital e de empresários, tanto nacionais como estrangeiros. Foram vinte anos de medíocre desenvolvimento e de quase nulo crescimento, realidades que as crises internacionais e a pandemia não chegam para explicar. Muito do mau e do insuficiente está cá dentro, na sociedade e na política.
É indispensável reforçar o Estado social, o Serviço Nacional de Saúde e a Educação. É essencial mesmo. Mas, para isso, é necessário capital, sabedoria e honestidade. Ao PS tem faltado um pouco de tudo. E não parece que a esquerda ou a direita estejam preparadas. É necessário fazer de Portugal um país interessante e atraente do ponto de vista dos investimentos, da rentabilidade e da segurança. Tanto para os investimentos nacionais como para os estrangeiros. O que parece uma verdade banal, um lugar-comum, não o é: na verdade, ninguém parece realmente interessado nessa transformação. Uns, à direita, em vez de construir, querem vender, como fizeram até agora. Outros, à esquerda, em vez de edificar, pretendem capturar, como sabem fazer.
A metamorfose internacional em curso, com derrotas para o mundo ocidental e perdas para o continente europeu, aconselha redobrada reflexão. A crise europeia anunciada exige reforçado debate. As deficiências nacionais pedem esforço excepcional. Pode ser que os balanços actuais e em curso ajudem as elites e a opinião pública a perceber as dificuldades em que nos encontramos e as exigências diante de nós. Só há motivos para alguma esperança porque a necessidade é muita. Na verdade, os protagonistas políticos não parecem disponíveis para esse esforço excepcional. Pensam muito nos votos, pouco nos eleitores.
Público, 11.9.2021
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