As recentes intervenções de
António Costa, Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Mário Centeno,
Mário Draghi, Vítor Constâncio, Junker, Dijsselbloem, Durão Barroso e outros de
anteriores governos têm o condão de esclarecer situações sobre as quais havia
dúvidas.
Que revelação nos foi oferecida
por estas personalidades de excepcional peso político? Foi-nos demonstrado que
ninguém assume responsabilidades, que ninguém entende ser verdadeiramente autor
e responsável pelo que se fez nos últimos anos de vida económica e financeira.
Entre o Conselho europeu, a Comissão europeia, o Banco Central europeu, o
Eurogrupo, o governo português e o Ministério das finanças, assistimos à mais
monumental cena de passa culpas de que os contemporâneos podem ser testemunhas.
Demasiada austeridade? Uso
insuficiente dos fundos europeus para resgates e capitalização? Ausência de
investimento e de medidas compensatórias? Ataques aos pensionistas e aos
funcionários públicos? Afastamento das empresas? Favoritismo na selecção? De
tudo isso, os culpados são peças de um carrossel de irresponsabilidade. Mas são
sempre os outros!
Há uma espécie de covardia
política nas instituições nacionais e europeias que atinge as raias da
obscenidade. Infelizmente, parece não haver qualquer maneira de forçar à
correcção, de castigar quem errou, de obrigar à autocrítica, de retirar poderes
e confiança política… À entrada da porta da responsabilidade política, é melhor
despir toda a esperança, abandonar todas as ilusões…
A culpa é do FMI. Ou da Comissão
europeia. Ou do Banco Central europeu. Ou do governo anterior. Ou do actual. Ou
do Banco de Portugal. Tem de ser de alguém. Que errou. Que se enganou. Ou que
desejou esta política que deu mau resultado. Nem seria necessário um culpado,
bastaria um autor. Mas há evidentemente o “sistema”. Em especial o sistema de
duplas soberanias (nacional e europeia) e de democracia limitada. Que tudo leva
a crer que esteja a chegar a seu termo. Mas que se prepara para deixar mortos e
feridos pelo caminho.
Se deixarmos estas grandes
narrativas internacionais e europeias, se viermos a casa, não falta matéria
para ilustrar esta tão insólita e nefasta noção de responsabilidade. Ou antes,
de irresponsabilidade.
Os episódios da banca, os disparates
do Banif, do BPN, do BES e da CGD que levaram a créditos mal parados e que
exigem agora verbas astronómicas de capitalização e de cobertura de prejuízos,
os empréstimos de favor a amigos para influenciar o sistema bancário e tantas
decisões pouco fundamentadas deveriam ter assinatura, algures, deveriam ter
identidade e responsabilidade anexas ao processo. Mas não, a responsabilidade
fica no “sistema”, esta que é a entidade mais famigerada da vida nacional,
responsável pelas avarias da electricidade, as facturas erradas dos telefones,
os exageros na conta do gás, os atrasos nos centros de saúde e a desordem na
educação. É o “sistema”.
Também os recentes incidentes dos
malfadados SWAPS, verdadeiros instrumentos de roleta e extorsão, que vão custar
centenas de milhões aos contribuintes, deveriam trazer amarrados aos processos
umas etiquetas com a identidade dos signatários, a fim de percebermos o porquê
e o quem destes prejuízos.
Evidentemente, o que acima se diz
aplica-se também às PPP, as famosas e sedutoras Parcerias Público Privadas, que
vão custar centenas ou milhares de milhões, não ficando os contribuintes, que
tudo vão pagar, a saber quem é responsável. O que era essencial, até porque um
dia destes, os mesmos que afundaram a banca, que extorquiram o contribuinte,
que erraram nos seus programas económicos, que prestaram favores ilegítimos, que
por vezes se ajudaram e ajudaram os seus amigos, esses mesmos se preparam para
voltar a atacar, mais dia menos dia, mais governo menos governo. Se ao menos
estivéssemos prevenidos…
DN, 18 de Dezembro de
2016
3 comentários:
Na verdade, essa coisa de se responsabilizar o “sistema” é antiga entre nós.
Todos sabemos que o atual “sistema” português é jovem, democrático e supostamente eficiente, subordinado ao Direito (público e privado), porém, os vícios são velhos e humanos, como é o caso da corrupção que aflige a nossa, mas também muitas outras sociedades, a norte e a sul do planeta. Parafraseando o poeta, todos somos poucos a combater este e outros problemas que nos tentam derrotar. O que fazer? Educar mais e melhor para a cidadania? Exigir competência e sentido ético aos nossos representantes, quer na política como na administração pública? Enfim, tudo isso e mais umas botas, dirão uns; aplique-se o Direito, dirão outros.
Agora, essa ideia do político dever fazer autocrítica em público e coisa e tal até pode ser muito ético e bonitinho para alguns, mas para muitos poderá parecer reciclagem de método estalinista.
Não sei se o cronista pretende voltar ao passado, uma vez que parece ter pouca paciência para a política dos políticos. Eu acho que não, mas, como se sabe, no Estado Novo não havia política. Era um sossego e não havia a crispação e a imoralidade que há hoje.
Bom, também esta crónica não é o que parece! Retirada a cortina de fumo, encontramos sempre a mesma coisa: o ajuste de contas do cronista com o PS e o seu combate “às esquerdas”, numa espécie de compromisso light com Portugal.
E avisa: os malandros “… se preparam para voltar a atacar, mais dia menos dia, mais governo menos governo. “
Por isso, manifesto também aqui a minha preocupação. Previnam-se! Vem aí o diabo em forma de gente dar cabo disto tudo!
Já cá faltava a doninha e a sua percepção política feita de palpites, lugares-comuns, intuições à mistura com bizarrias alimentadas na copofonia de noitadas fúteis e estereis.
Pergunto-me se a política sempre terá fugido à sua finalidade. Se, afinal, não passa do sonho de alguns homens que ainda idealizam um mundo mais justo enquanto a realidade é esta imundície de gente a salvar-se a si mesma e enterrar os mais fracos, sacudindo culpas.
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