segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Ironias presidenciais

Elas aí estão, as presidenciais. São já este mês e estão a ficar cada vez menos tensas. Na verdade, a função presidencial tem vindo a perder importância. Foi o que fizeram os dispositivos constitucionais que colocam o presidente numa espécie de reforma ou quadro de adidos. Mas também por causa das personalidades que sucessivamente ocuparam o cargo e o foram reduzindo. E finalmente por causa da complexidade do governo com a globalização, a Europa e a crise: presidir, sem poder executivo, é uma inutilidade.

Este mês, diremos adeus a Cavaco Silva e preparar-nos-emos para o quinto presidente eleito desta era democrática. Vale a pena olhar para trás. Os quarenta anos de mandatos presidenciais democráticos distribuem-se equitativamente por quatro presidentes, cada um com dez anos. Oferecem-nos ironias muito curiosas.

Ramalho Eanes era general. Foi nos seus mandatos que os militares recolheram a quartéis, que os civis passaram a comandar a vida pública e que os políticos começaram efectivamente a mandar nos militares. Antes de sair do seu cargo, ainda tentou criar um partido político, com o qual acabou, mais tarde, por perder. Para a história dos dez anos, ficarão o afastamento dos militares e a ascensão dos civis.

Mário Soares, o primeiro presidente civil, foi eleito pela esquerda. Começou por presidir à direita. Contemplou com optimismo o famoso “oásis” de Cavaco Silva, que ajudou a construir. Aliás, este último e o PSD apoiaram Soares na reeleição! No segundo mandato, presidiu à esquerda e fez o que pôde para ajudar os socialistas a reconquistar o governo. Os feitos da história destes dois mandatos foram as primeiras maiorias absolutas da direita, os dez anos de Cavaco Silva, a liberalização da economia e as privatizações. Aumentaram os rendimentos dos portugueses e o consumo e cresceu o emprego. Os mandatos de Soares foram os dez anos de glória de Cavaco.

Jorge Sampaio também foi eleito pelas esquerdas unidas, tal como sempre buscou na sua vida. Eleito com ruído e expectativa, presidiu geralmente com apagamento. Fez o que pôde para afastar António Guterres da liderança socialista, já agora também do governo. Depois de o conseguir, entregou o poder ao PSD. Dois primeiros-ministros fugiram, Guterres e Barroso, ele correu com outro, Santana Lopes. Fez o que sabia e não sabia para recuperar os socialistas para o governo. Saiu-lhe Sócrates na rifa.

Cavaco Silva foi o primeiro Presidente da República só eleito pela direita. No fim do seu segundo mandato, a esquerda unida tomou conta do governo. Com Cavaco Silva, parecia que ganhavam os ideais do rigor, do interesse nacional, da boa gestão financeira e da integridade. Os maiores acontecimentos dos seus mandatos foram o primeiro-ministro Sócrates, uma série de processos-crime a governantes, as piores crises financeiras da história e as maiores falências de bancos. Os dez anos de Cavaco Silva coincidiram com a decadência, o endividamento, o pedido de assistência internacional, a estagnação, o desemprego e a emigração.

A política é cruel. Nunca se dá o que se promete. Nunca se faz o que se quer.

Sem Emenda - DN, 3 de Janeiro de 2016

Sem comentários: