domingo, 9 de janeiro de 2011

Entrevista dada a «DN»/«TSF»

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P: Nos contactos preliminares para marcar esta entrevista, fez questão de nos sublinhar que não apoia nenhum dos candidatos a estas presidenciais. Porquê?

R: Abandonei a política há muitos anos e se de repente apareço a apoiar algum candidato, corro o risco de dar os sinais errados. Por outro lado, tenho acarinhado muito a minha condição de independente. Sendo acessório, também o cargo que exerço na Fundação Francisco Soares dos Santos me obriga a alguma contenção. Mas também há motivos políticos, que passam pelo meu desapontamento radical com a função do Presidente da República em Portugal. Nós fomos muito especiais, ao tentar encontrar um sistema que não é nem água quente nem água fria, nem carne nem peixe. É uma coisa muito esquisita. Não é presidencialista, não é semipresidencialista, não é parlamentarista.
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P: Tem razões históricas...

R: Que explicam, mas não justificam. Nós podemos ter um regime parlamentarista. Em teoria é a minha ambição última, em que o Presidente da República é, eventualmente, eleito indirectamente e produto de uma maioria. Evidentemente, o Presidente nessas circunstâncias não tem tanto poder político...
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P:Era esse o caminho adequado para a função presidencial?

R: Do ponto de vista teórico era o meu desejo. É o estado mais acabado de uma democracia evoluída, sólida, consistente. É o Governo Presidencial, em que quem dirige é o Governo e em que o mais importante órgão de soberania é o Parlamento. Mas posso admitir que um sistema presidencial tenha, por tradição ou por necessidade... Por exemplo: hoje em dia, em tempos de crise económica e social tão forte, há muita gente que diz que se o Presidente da República tivesse mais poderes havia muito mais estabilidade, não haveria tanta demagogia.
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P: Não acredita nisso?

R: Tenho dúvidas. É preciso que haja quem mande, diz-se - e nesse caso o Presidente da República não é o produto de uma maioria (parlamentar ou presidencial), mas o condutor dessa maioria. Isso seria um regime presidencialista. Mas nós conseguimos não ser uma coisa nem outra. Arranjámos este sistema que é uma coisa terrível. Nesta campanha passa-se metade do tempo a ouvir pessoas dizer que querem fazer o que não podem fazer; e a outra metade do tempo a ouvir pessoas dizer que não podem fazer o que gostariam. Isto é totalmente absurdo!
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P: O esvaziamento do cargo é um produto do que fizeram dele os presidentes que tivemos ou do desenho do cargo?

R: As duas coisas. Os presidentes, todos eles, tentaram sempre exercer o seu cargo aquém das potencialidades constitucionais.
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P: Isso ajudará a explicar a falta de atenção que se tem dado a estas eleições?

R: Acho que sim. Como é que você pode ser entusiasmado quando ouve dizer "isso não posso fazer"? Ou quando ouve um candidato dizer "eu gostava de desenvolver a economia, gostava de acabar com a pobreza", "Eu gostava de falar duro frente aos grandes chefes do mundo"? Isto não é um motivo de atracção para os cidadãos.
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P: Do ponto de vista do País, estas eleições são pouco importantes?

R: Acho que tudo se vai passar no domínio do simbólico, qualquer que seja o Presidente eleito estou convencido que, não só por vontade sua mas também pelo funcionamento do Parlamento, estamos condenados a ter eleições nos meses seguintes ou até ao fim do ano - eventualmente esperar-se--á pela votação do Orçamento de 2012. Mas creio que é inevitável. O poder executivo actual está muito, muito desgastado. Quanto ao Presidente eleito vai querer começar de novo, mas vai sentir-se preso, limitado.
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P: No discurso do 10 de Junho de 2009, antes das legislativas, deixou uma série de avisos ao poder político. Desde aí, o País caiu num pântano?

R: Acho que sim, e não sou o único a dizê-lo. Se as autoridades políticas portuguesas há um ano tivessem tomado algumas medidas importantes, preventivas da crise, hoje não teríamos metade dos problemas que temos. Se Portugal tivesse feito o que devia, ou mesmo se tivesse pedido, há dois anos, apoio à União Europeia ou ao FMI... eu não percebo esta verdadeira obsessão contra o FMI.
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P: O FMI é Deus ou o Diabo? Ajudar-nos-á ou levará o País para um problema maior?

R: Para um problema maior não leva de certeza. É bom dizer que nós pertencemos ao FMI. Tem-se a impressão de que o FMI é uma entidade exterior, tipo KGB ou Gestapo, que vem aí dar cabo de tudo. O FMI também tem interesse que daqui a cinco anos possa reaver os empréstimos feitos.
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P: Tendo de recorrer ao FMI, a questão é se o Governo tem a força e legitimidade para aplicar essas receitas.

R: Sem maioria parlamentar é muito difícil. A não ser que haja um acordo formal interpartidário.
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P: Acredita ainda nessa hipótese?

R: Agora já não. Tive esperança há dois anos, mas foi uma verdadeira palhaçada - o PS e os outros partidos queriam tudo menos isso. O Presidente da República ajudou a que o Governo fosse de minoria. Tudo foi feito para agravar a situação.
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P: Acha que Cavaco Silva podia ter feito diferente, nesses dias?

R: Acho que sim. Podia ter dito previamente que era isso que queria, pôr os partidos perante as suas responsabilidades. Acho que eventualmente o fez fechado no seu gabinete, mas isso não é a melhor forma de o fazer.
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P: O Parlamento português corre o risco de ficar reduzido a um exercício de soberania encenada nos próximos anos, face à União Europeia?

R: Acho que já está, em grande parte. (...) Mas estou convencido de que daqui a cinco ou dez anos acontecerá o desmantelar de algumas estruturas excessivamente federais europeias. Está-se a verificar, sem que as pessoas o queiram assumir, que se foi longe demais - na destruição das soberanias, na destruição da diversidade europeia. E criou-se uma ficção.
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P: E o euro? Resistirá?

R: Grande dúvida.
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P: Não está convencido disso?

R: Não. Eu gostava que resistisse. Contra mim falo, nunca fui federalista, mas desde o princípio aderi ao euro. A minha esperança era que a disciplina do euro (mais os alemães) iria diminuir a tendência fatal para a demagogia dos governos, iríamos ter uma reduzidíssima inflação, deixaríamos de brincar às desvalorizações. Simples-mente, é verdade que reduzimos a inflação, que não tivemos desvalorização, mas tivemos ainda mais demagogia.
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P: Daqui por um ano, o que imagina que o País esteja a discutir?

R: Ou as eleições parlamentares ou a posse de um novo Governo, que eu espero que seja maioritário. De um só partido ou de um grupo de partidos. Era bom que nas próximas eleições a população desse um recado aos dirigentes partidários, e dissesse que eles têm de fazer o gesto responsável de encontrar um Governo maioritário. E se esse Governo maioritário não sair das eleições, que façam as coligações ou as alianças necessárias. Os partidos exigem dos portugueses contenção, sacrifícios, responsabilidade, mas são incapazes de fazer a mesma coisa.
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«DN» de 7 Jan 11

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