domingo, 1 de março de 2009

O Jogo do GO

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PARECE QUE O MAIS ANTIGO JOGO da humanidade é o GO, de origem asiática. Os entendidos incluem-no na categoria dos jogos estratégicos. Não é tão curioso quanto o xadrez, mas é muito interessante. E viciante. Joga-se em cima de um grande tabuleiro, com 324 quadrados, formados por 19 linhas horizontais e outras tantas verticais. Cada jogador tem à sua disposição umas dezenas de pastilhas ou pedras, do tipo das damas, em mais pequeno. Vão-se colocando as pedras nas intersecções das linhas perpendiculares. O objectivo, para cada concorrente, consiste em ocupar o terreno, o que se obtém colocando as suas pastilhas ao lado umas das outras, de forma a criar um espaço contínuo; e, em consequência, a capturar pedras inimigas feitas reféns, o que se alcança cercando-as e retirando-lhes as “liberdades”, isto é, as possibilidades de ter pedras ligadas. A técnica essencial é a de cercar o inimigo. Cada vez que se consegue cercar e neutralizar as pastilhas do adversário, este vai perdendo terreno, isto é, perde pedras. Parece simples, mas não é. Um dos pormenores mais interessantes é a permanente inversão possível da relação de forças. Quem cerca pode encontrar-se cercado de um momento para o outro. Os espaços vazios ficam rapidamente cheios. Os territórios conquistados perdem-se com facilidade. Quem manda passa a súbdito. Quem domina converte-se, repentinamente, em refém.
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As regras do GO parecem aplicar-se, não só como metáfora, ao grande jogo dos poderes político e financeiro português. Com uma ressalva: o jogo é grande, mas o poder financeiro é parco e o poder político frágil. Desde que a crise se instalou, o Estado avançou. Não como ameaça, como nos anos gloriosos das revoluções, mas como assistente, garagista e serviço de urgências. Tomou conta de uns bancos e criou almofadas para umas empresas. A escolha é difícil, tantas são as que se encontram em situação precária, para já não dizer mortas, mas algum critério se arranjará. Umas vezes, o Estado evitou e adiou falências ou amparou falidos. Outras vezes, deu garantias aos bancos. Em poucas palavras, o Estado instalou-se. Pretende estimular o crédito. Sem êxito aparente, pois não há dinheiro, há risco a mais e os spreads são altíssimos. Algumas esquerdas estão felizes: acham que isto é uma espécie de socialismo. Outras esquerdas criticam, mas não escondem a satisfação de ver o Estado na economia: pode ser que venha para ficar. As direitas políticas não sabem muito bem o que dizer, limitam-se a discutir pormenores. Quanto aos empresários, apesar de sentimentos oscilantes, o alívio parece ser a regra. O Estado ajuda a empresa privada e a banca tem alguns recursos. Em resumo, o Estado ajuda os capitalistas, algo com que sempre sonharam muitos dos os nossos empresários.
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O entusiasmo e o alívio, relativo, que muitos revelam, não chegam para esbater uma outra inquietação: e a seguir? Quem e quando se vai pagar isto? Desde quando deitar dinheiro para cima dos problemas os resolve? Este ano, o endividamento vai ultrapassar os 160 mil milhões, mais de 100 por cento do produto. E o serviço dessa dívida continua a galopar, até porque o dinheiro internacional está cada vez mais caro. É mesmo possível que Portugal, em breve, por este andar, não arranje mais financiamentos.
Por outro lado, o modo como esses dinheiros estão a ser usados levanta cada dia mais questões. Para que servem? Quem servem? Como serão pagos e reembolsados? Por quem? Estas perguntas não têm resposta. O Parlamento não soube organizar, entre os partidos, uma plataforma capaz de cuidar destes aspectos. O governo, auto-suficiente, nada quer ou pode esclarecer. O mais provável é que não consiga, mesmo que quisesse: não sabe! Ponto final. O ideal era ir resolvendo casos, à medida, sem que ninguém faça perguntas inconvenientes.
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Finalmente, a Caixa Geral de Depósitos surgiu, no meio desta desordem, como a bóia e o oxigénio de toda a gente. Realizou operações estranhas, certamente todas legais, mas que, do ponto de vista político, financeiro, empresarial e social, causaram a maior das perplexidades. Já muito antes da crise do Outono, a Caixa patrocinou curiosos movimentos de envolvimento e interferência noutros bancos e grandes empresas de serviço e de mercadorias estratégicas. Momentos houve em que não se percebia muito bem se a Caixa era, como diz o lugar-comum, “o braço armado do Estado” ou a divisão de comandos dos grupos económicos mais predadores do país. Tudo foi feito sem escrutínio seguro e isento. A ponto de ser legítima a pergunta inevitável: quem regula a Caixa? O Banco de Portugal? O Governo? O accionista? O que a Caixa tem feito é muito diferente do que teria feito o BPP? As suas técnicas de acção financeira, incompreensíveis para o cidadão informado, são legítimas? Configuram a certeza da boa gestão da empresa e do património público?
O que a Caixa fez e tem feito só tem duas explicações. Alternativas. Ou é tão sofisticado e talentoso que quase ninguém percebe, incluindo economistas, banqueiros, empresários e comentadores, pelo que merece admiração. Ou simplesmente provoca calafrios. A verdade é que parece ser esta última a hipótese mais provável. As centenas de milhões de euros emprestados para fins especulativos e de manipulação da estrutura de poder em certos grupos e empresas estão hoje em causa ou, quem sabe, foram perdidas. Com a crise da banca e do crédito, com a crise financeira e da bolsa, com a recessão financeira e económica, as fragilidades dos especuladores e das operações discutíveis vieram ao de cima. Com essas fragilidades, surgiram também em pleno dia as fraudes, as irregularidades, os abusos, os vícios e os favores cometidos em várias empresas e por vários operadores, agora todos a coberto da Caixa e do Estado. Os percursos cruzados de dirigentes entre o Estado, a Caixa, a banca privada e algumas grandes empresas denotam, por um lado, a promiscuidade, mas, por outro, a enorme fragilidade de toda esta estrutura alimentada e escorada pelos contribuintes. A Caixa parece-se cada vez mais com um verdadeiro “pagador de promessas”. A entidade reguladora nada diz. O accionista da Caixa (por acaso, o Estado) mantém-se silencioso. O Governo nega responsabilidades. Toda a gente pergunta pela natureza, funções e finalidades do banco de Estado, o maior do sistema financeiro. Ninguém responde. O Governo diz que não se envolve nestas colossais operações que envolveram os cimentos, as telecomunicações, a construção, as obras púbicas, o imobiliário e a banca. A ponto de nos perguntarmos, legitimamente, para que serve um banco de Estado.
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A jogada do GO chegou ao fim. Depois de ter cercado, a Caixa ficou refém. Quer dizer, o Estado ficou refém.

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«Retrato da Semana» - «Público» de 1 de Março de 2009; imagem obtida [aqui].

5 comentários:

Manuel Brás disse...

Tal é a confusão
neste caótico tabuleiro,
este mundo de ilusão
baseia-se num capitalismo trapaceiro.

O mexilhão confundido
no meio desse jogo milenar,
tem sido iludido
com esta gente a (des)governar!

Jonas disse...

divirta-se, com o Apagão.
www.guerraberta2009.blogspot.com

Ps: fui eu que apaguei o congresso!
A bem do que resta da nação!

Anónimo disse...

Espero que esse belíssimo tabuleiro seja seu, e que o utilize com frequência.

Apareça:

www.go-portugal.org

Carlos Medina Ribeiro disse...

O livro «O Senhor Secretário», de Henryk Sienkiewicz (o autor do famoso «Quo Vadis»), foi aqui proposto, há dias, como prémio para um passatempo promovido em colaboração com o Sorumbático.
Dado que não foi reclamado pelo vencedor, vai ser sorteado num passatempo que decorre até às 20h de amanhã [aqui].

joshua disse...

O Tabuleiro bem pode estar prestes a ser virado com as suas múltiplas pecinhas misturadas e em caos, irmanando-se numa mesma desgraceira inextricável, BPP, BPN, BCP e CGD.

Outros caíram e morreram. Angola pode não chegar como bóia. Nem a Venezuela como amarra.