domingo, 11 de janeiro de 2009

Razões

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MANUELA FERREIRA LEITE tem razão. Ela e o seu partido têm chamado a atenção para questões essenciais que o governo parece ocultar ou dar menos importância. Como, por exemplo, a economia produtiva, as pequenas e médias empresas, as famílias e os grupos sociais mais frágeis. Tem igualmente razão quando alude à carga fiscal, sobretudo das empresas, mas também das famílias. Muitas das suas sugestões foram anunciadas antes da crise financeira internacional se ter tornado pública, pesada e generalizada. Outras foram apresentadas imediatamente após os primeiros acontecimentos.
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O Governo, como todos os governos, mas este um pouco mais do que todos, não gosta de ouvir a oposição, sobretudo quando ela tem razão. Por teimosia inexplicável, manteve a proposta do orçamento intacta, mesmo sabendo que seria rapidamente modificada. Deve ser a mais curta duração de vida de um qualquer orçamento, nacional ou estrangeiro. Mais breve até do que o famoso Programa Melo Antunes, que, em 1975, ainda durou um mês! Além disso, recorreu a uma arma dos governos, sobretudo dos ciumentos: reciclou as propostas de Ferreira Leite e do PSD, assim como, em menor medida, do PP, apresentando-as agora como suas. Estes passos de valsa e estas fintas de salão são habituais na política, não constituem sequer motivo para ponderação. Mas têm o condão de excitar os políticos, sempre atentos à sua originalidade e aos seus direitos de autor.
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De qualquer modo, um ponto merece ser sublinhado. Só uma discussão séria sobre as medidas de urgência e os gastos extraordinários pode dar algumas garantias aos cidadãos. Estes tempos de aflição são também propícios a muito aproveitamento ilícito ou, pelo menos, oportunista. Seria interessante que os fundos da crise não tivessem a mesma taxa de fraude que tiveram, nos primeiros tempos, os fundos da CEE. O que está a ser feito pelo governo, bem e mal ao que parece, está a ser despachado a grande velocidade. A isso obriga a dimensão das dificuldades, mas também a perspectiva eleitoral. Por outro lado, os agentes económicos, que já perceberam que pode haver facilidades, estão activos no pedir e mostram-se lestos nos projectos. Tudo isto põe vários problemas. Por um lado, é de facto necessário agir depressa, antes que morram os que precisam de apoio ou estímulo. Por outro, esta urgência é terreno fértil para os habilidosos. Seria desastroso que os planos de urgência fossem uma recompensa para os mais poderosos, para os que não precisam ou para os que se preparam para lucrar com a crise. Finalmente, a urgência e as eleições, em conjunto, são um alimento dos projectos inúteis ou menos úteis, das obras dispensáveis e das realizações com custos excessivos e benefícios minguados. Mais: há risco evidente de ajudar quem já não merece. Com efeito, adiar o fim inelutável de uma empresa pode significar simplesmente desperdiçar recursos e agravar as situações.
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Só um esclarecimento cabal das condições e dos mecanismos criados pode evitar as consequências nefastas fáceis de imaginar. Não é preciso um plano de “unidade nacional”, mas é necessário que todos saibam o que se faz e como se faz, incluindo a oposição, as empresas privadas, os profissionais e os sindicatos. Caso contrário, teremos inevitavelmente fraude e desperdício.
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JOSÉ SÓCRATES tem razão. À manifestação de disponibilidade para um debate com o Primeiro-ministro, expressa por Manuela Ferreira Leite, Sócrates mandou responder que não discute os planos do governo da maneira que ela pretendia, mas só o faz no Parlamento. Por uma vez, não é possível acusar o Primeiro-ministro de autoritarismo e de não querer debater com a oposição. Na verdade, é no Parlamento que estas coisas se discutem, é ali, ou deveria ser ali, que os esclarecimentos se fazem. À vista de todos, sob observação da imprensa, sem recados nem notícias dirigidas e com ampliação pela televisão e pela rádio. Com a possibilidade de conceder livre acesso à sociedade e aos grupos de interesses.
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A situação de Manuela Ferreira Leite, que não é deputada, é ou deveria ser considerada anormal. Em certo sentido deveria mesmo ser evitada. Mal ela foi eleita presidente do partido, logo se percebeu que acabaria por tropeçar neste problema. O fenómeno não é novo e traduz a pouca importância que se dá em Portugal ao Parlamento. É considerável o número de chefes de partido que, durante parte ou todo o seu mandato, não eram deputados. Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel Monteiro, Paulo Portas e Luís Felipe Menezes são exemplos conhecidos. Sem falar em Álvaro Cunhal que, quase sempre eleito, praticamente não punha os pés em São Bento. Ou antes, só o fez com alguma assiduidade durante o período revolucionário. Depois de normalizada a vida parlamentar, deve ter achado uma maçada e uma perda de tempo. Mas não há só os grandes chefes. Um número elevado de ilustres, se não forem para o governo, vão, depois de eleitos, à sua vida. Alguns não desejam mesmo ser eleitos, mas ficam à espera de um eventual lugar no Governo. Normal seria, por exemplo, que os ministros fossem todos provenientes do Parlamento. Talvez desta simples praxe resultassem melhorias significativas tanto para o Parlamento como para o governo. Neste último, por exemplo, teríamos menos directores-gerais que se dizem técnicos e não políticos, frequentemente incapazes de pronunciar umas frases sobre qualquer assunto político que não seja da sua restrita função administrativa e técnica. Simultaneamente, no Parlamento, veríamos talvez mais gente competente e menos pessoas que mal acabaram o tirocínio das juventudes partidárias.
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Tudo, no nosso sistema político, parece feito para diminuir o Parlamento. Até a eleição directa dos chefes, consagrada agora pela maioria dos partidos parlamentares, é, além de uma concessão despudorada ao populismo, uma facada no Parlamento. Sem falar, evidentemente, nos hábitos adquiridos de dar o primado à televisão para os debates, os anúncios de medidas e as tomadas de posição. Discuta-se no Parlamento. Dê-se liberdade aos deputados. E se assim se fizer, talvez um dia o Parlamento tenha vida.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 11 de Janeiro de 2009

11 comentários:

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

«Na verdade, é no Parlamento que estas coisas se discutem, é ali, ou deveria ser ali, que os esclarecimentos se fazem.»

De acordo, mas não com os actuais pífios debates quinzenais, demasiado formatados e que de debate aberto têm coisa nenhuma!

Quanto ao Parlamento ser o local de toda a democracia, se já acreditei e pelas inúmeras coincidências com a 1ª República, não sei se o sistema Presidencial não se ajustaria mais ao carácter "ético dos Portugueses"!

Anónimo disse...

A previsibilidade de António Barreto é tão previsível que até mete dó... (Mais um habilidoso a fazer render o peixe...)

joshua disse...

O António Barreto alinha aqui com VPV numa matéria que me merece um reparo: é que Sócrates recusa um debate talvez de crucial importância num momento em que o Parlamento está rigorosamente no Bolso de Sócrates, o bolso mais pequeno, à antiga, para o relógio.

Na verdade, graças à última reforma regimental os deputados foram funcionarizados, menorizados, convertidos em trabalhadores do Zero, zero presentes, zero assíduos, zero nas comissões, zero na autoridade, nas comissões de inquérito, para convocar actas e outros documentos do BdP, por exemplo.

Por outras palavras, o Parlamento Kindergarten Português já não significa o que deveria significar mesmo em mínimos de representação as pessoas concretas, ao passo que se trara de espaço bem à medida da pesporrência esmagadora do PM, triunfante na sua virulência tonal e substancial, na sua forma de fugir de quantas questões sejam colocadas, atacando, indo em frente, deixando muitas vezes a sensação de que quem tem funções executivas é o BE, o PCP e o PP. Aquelas fichas que lhe preparam parecem o Fio de Ariadne pelo qual se esgueira do labirinto da Realidade para se refugiar na esplanada da sua Fantasia, das Palavras Sociais que não se verificam nem concretizam de todo verificadamente.

Em suma, às vezes penso que o simulacro de Parlamento está bem à medida dos oportunismos e fraudes que terão livre curso este ano civil e orçamental porque é um Parlamento Menor e Menorizado, lamentavelmente.

Por tudo isto considero cínico recusar debates no areópago mediático, numa Hora Crítica como esta, onde a indiscutibilidade da determinação primo-ministerial não dá qualquer sossego aos mais bem informados. A mesma natureza de determinação, que ignorou e esmagou as vozes avisadas de Cassandra e Laocoonte, danou Tróia sem apelo nem agravo.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Embora se possa dizer que o Parlamento é o lugar [mais] apropriado para certos debates, parece-me que não deverá ser o único.
Então não poderá haver frente-a-frentes na rádio, em jornais, na TV?

Julgo que o que sucedeu foi, simplesmente, o habitual: quem 'está por baixo' pede debates com quem 'está por cima' - pois não tem nada a perder.
E quem 'está por cima' recusa, pois não tem nada a ganhar.

A acusação «Ele tem medo de discutir!» pode até ser verdadeira, mas rapidamente cai no esquecimento e não dá votos.
Já umas tantas "barracadas" que sucedessem no debate (dadas por quem 'está por cima') nunca mais esqueceriam.

Resumindo e concluindo:
Quaisquer políticos experientes, no lugar deles, agiriam da mesma maneira.

Sibila Publicações disse...

"Ela e o seu partido têm chamado a atenção para questões essenciais que o governo parece ocultar ou dar menos importância."

O problema não é o discurso, é quem o profere. MFL perdeu essa legitimidade, pelo que fez no passado.

"Além disso, recorreu a uma arma dos governos, sobretudo dos ciumentos: reciclou as propostas de Ferreira Leite e do PSD, assim como, em menor medida, do PP, apresentando-as agora como suas."

Essa é uma das discussões mais mesquinhas de que há memória. É o preso por ter cão, preso por não ter. Não percebo qual é o mal do Governo aproveitar propostas da oposição. A autoria, cada um que a reclame, o que é que isso interessa???

joshua disse...

Interessa muito, GL, em matéria de timming e de transparência porque é despudoradamente debaixo do nosso escrutínio que tal é feito.

Não é bom sinal que o governo ande a reboque e atrasado nas medidas urgentes que aliás não foram da sua lavra, adoptando-se com um desfasamento temporal útil para si em termos políticos, mas pernicioso para os seus alvos.

Neste caso é preso por não ter cão. Noutros casos será por ter solto o cão do controlo apertado de tudo o que pensa, escreve e opina em Portugal e de todos recursos de pressão e chantagem disponíveis ou imagináveis. O Cio pelo Poder não é, com este PS domesticado e este PM controleiríssimo, para brincadeiras.

Anónimo disse...

"Normal seria, por exemplo, que os ministros fossem todos provenientes do Parlamento. Talvez desta simples praxe resultassem melhorias significativas tanto para o Parlamento como para o governo."
Isto é demasiado chão, vindo de AB, uma vez que este parece não querer distinguir o poder executivo do legislativo e o perfil daqueles que os definem e representam.

AB parece ter alguma alergia às transmissões televisivas das sessões parlamentares e a todos os recados e missivas daí provenientes. Será que AB tem alguma reserva contra a transparência das sessões parlamentares, bem como contra o show off de alguns dos seus deputados frente às câmaras de televião, ou mesmo do verbo das juventudes partidárias ali representadas?

Afinal, quais são as verdadeiras razões de AB?

Bmonteiro disse...

Entretanto, que prossigam os negócios/interesses (ou negociatas):
Enquanto os nossos mais altos representantes se vão entretendo com pequenas lutas de capoeira,
outros, nas suas barbas (de irresponsabilidade) vão fazendo os possíveis por empobrecer o futuro.
Delapidando no presente.
Caso do ministro do Ambiente (se é que existe) associado ao ministro dos Fogos e ao Autarca de Ponte de Sor.
Pequena info DN hoje:
Quercus denunciou abate ilegal dezenas árvores e terraplanagens, num povoamento florestal zona expansão aeródremo municipal Ponde Sor, com um jovem povoamento de pinheiro manso, após florestação terras agrícolas com financiamentos público Estado e UE.
Para Quê???
Para ali constituir uma base aérea do MAI/meios aéreos de combate a incêndios.
A perto de trinta Km, em Tancos, uma antiga base da Força Aérea (BA3), ainda operativa, com reduzidíssima ocupação militar.
A bem da Nação, A bem de que Interesses (no MAI)?
BMonteiro

Luis Melo disse...

Manuela Ferreira Leite desafiou José Sócrates para um debate público a dois, com o objectivo de discutir a crise económica e encontrar as melhores soluções para a superar. Isto, depois de o Banco Portugal anunciar que houve recessão técnica na segunda metade de 2008 e que vai ser de 0,8% em 2009.

Em resposta, o Ministro da Informação, Mohammed Saeed Al-Sahhaf... perdão... O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, recusou a realização desse frente-a-frente dizendo que as explicações e debates são feitos na Assembleia da República quinzenalmente.

Com um tom jocoso e de mau gosto, Santos Silva disse ainda que o governo não tem culpa que Ferreira Leite não seja deputada do PSD. Ora, se é na AR que o debate deve ser feito e as explicações devem ser dadas, porque é que José Sócrates pediu (urgentemente) uma entrevista á SIC nesta semana?

em Mudar Portugal?

Anónimo disse...

Se bem me lembro, AB foi "um apêndice estatístico" da Assembleia Constituinte. Resta saber se aí AB defendia já, para a jovem democracia da 3ª República, um Parlamento à inglesa.
SE AB tivesse 50 anos de idade e vivesse em Inglaterra, como revelou publicamente ser esse o seu desejo, lá, que Parlamento desejaria para os ingleses?

Luis Melo disse...

No pouco tempo que teve de entrevista, e falando apenas dos assuntos que lhe foram postos pela jornalista, Manuela Ferreira Leite esteve igual a si própria e mostrou ao país em quem deverá votar se não quiser piorar esta situação de crise, votar na alternativa credível do PSD.

Sobre o cenário politico-partidário:
"aquilo que temos dito nestes últimos 7 meses é o que se tem vindo a verificar" [...] "o debate político é completamente diferente agora, do que era há 7 meses atrás" [...] "a oposição do PSD não se baseia em tricas políticas, mas em questões importantes"

Sobre a crise economico-financeira:
"eu sempre defendi - desde que fui Ministra das Finanças - que, se houvesse alguma folga orçamental, essa folga deveria ser utilizada para baixar impostos e não para aumentar a despeza" [...] "aumentando a despeza, hipoteca-se no futuro uma possível baixa de impostos"

"o emprego está nas PME, é preciso ajudá-las, mas não da forma como o governo está a fazer" [...] "não se ajuda alguém que está endividado, fazendo com que se endivide mais"

Sobre as grandes obras públicas:
"Se eu fosse primeira-ministra abandonava de imediato o projecto do TGV" [...] "só é viável de houvesse um avião para Madrid, de 7 em 7 minutos" [...] "essa obra não vai utilizar recursos portugueses, vai importar-se tudo"

Sobre as eleições autárquicas:
"Pedro Santana Lopes tem crédito para ser presidente de câmara" [...] "tem obra feita como presidente de câmara" [...] "ser presidente de câmara ou primeiro-ministro é completamente diferente" [...] "fui eu, como presidente da distrital de Lisboa, que escolhi Santana Lopes em 2005"

"Gonçalo Amaral não cumpre as regras definidas pelo PSD para ser candidato a uma autarquia e nesse sentido a sua candidatura não pode ser aceite"

Sobre o calendário eleitoral:
"O Engº José Sócrates quer maioria absoluta, mas ao mesmo tempo quer antecipar eleições. Não se percebe se quer então estabilidade ou instabilidade"