Até quando abusará, Ventura, da nossa paciência? Até onde irão a sua determinação e a do seu partido em destruir o Parlamento, demolir as instituições, ridicularizar os órgãos eleitos e minar a representação popular? Até quando permitirá a República que estes senhores insultem os eleitos, ameacem os rivais, envergonhem os cidadãos, admoestem os adversários e ofendam quem se lhes opõe? Até quando permitiremos que esta turma de arruaceiros ofenda os deputados e os governantes, os políticos e os comentadores, os autarcas e os cidadãos?
Abusar do Parlamento? Ameaçar o Senado? Ofender a Assembleia? Acusar os Autarcas? Difamar os representantes do povo? É uma velha tradição. Catilina fez. Calígula insistiu. Robespierre também. Lenine e Estaline do mesmo modo. Hitler ainda pior. Idi Amin Dada tentou. Bokassa também.
O Chega é pouco educado. Não é democrata. Não é construtivo. Não é elitista. É inculto. É popular. É populista. É inteligente. Não tem pensamento político. Não tem doutrina. Não tem programa. Tem sentimentos. Tem raiva. Tem intuição. Tem olfacto. Sente a maré. Explora o fácil. Se o deixarem fazer, dá cabo de tudo. Tenta, pelo menos. Não respeita as instituições. Não se interessa pelo Parlamento. Se não o deixarem fazer, dá cabo de tudo. Tenta, pelo menos.
Um morto, um ferido, um acidente, um acto de violência, uma corrupção, uma adjudicação sem concurso, um favor de partido, um atraso, um injustiçado, um inocente condenado, um cidadão assaltado, um branco atacado por um negro, um imigrante que assalta uma bomba de gasolina, um político que enganou o fisco, um esquerdista que não declarou a propriedade, uma mãe com fome, um pai sem emprego, um pobre sem almoço e um velho numa fila de espera do hospital: é com esta matéria-prima que o Chega faz política. Com a ajuda das esquerdas e da comunicação social.
A denúncia destas situações é o argumento do Chega. Tem sempre razão. De todos elas diz que são uma vergonha. Não pretende, nem sabe, corrigir. Quer denunciar. Não tem solução nem meios para tratar do que quer que seja. Mas tem vontade e apetite de poder. É como uma bola a saltar, nunca pode parar. A bola do escândalo. A bola da vergonha. Se o atacam, se alguém o quer calar, aqui d’el rei que é contra a democracia.
São os mais ilustres provocadores na actual vida portuguesa. Provocam até que lhes digam basta, até que os ameacem, até que tentem utilizar a força ou a lei. No dia em que o fizerem, que utilizem a força e a lei contra eles, socorro estão a dar cabo da democracia. Vão continuar a inventar cartazes, bandeirolas, pichagens, foguetes, carros folclóricos, tatuagens e máscaras. Vão continuar a conspurcar a via pública com horrendos cartazes demagógicos, à espera que lhos tirem, que venham agredir quem os cola e que rasguem a sua liberdade de expressão. Vão sujar de demagogia barata as praças, as ruas e os largos. Mas, se pretenderem disciplinar a sua actividade de rua, aqui d’el rei que estão a atacar a democracia. O pior é que os outros, os outros partidos, os democráticos, os tradicionais, também sujam as ruas das cidades.
Que não se pense em proibir, interditar ou deter. Nada disso é legal ou legítimo. Nada disso é democrático. Salvo se cometerem crime, pelo que devem ser apresentados a Tribunal, nunca devem ser combatidos com meios violentos ou ilegítimos. Só devem ser derrotados de uma maneira, a democrática, isto é, com eleições. E só podem ser combatidos de um modo, fazendo melhor, não sendo corrupto, não sendo nepotista, não sendo intriguista, sabendo criar riqueza e sabendo governar. No dia em que os outros, da direita, do centro ou das esquerdas, souberem governar e governem efectivamente sem atrasos, sem erros, sem demagogia, sem corrupção e sem mentira, nesse dia, o Chega é derrotado.
Problemas ou crimes com incêndios? Negócios com queimados, aviões, helicópteros e mangueiras? A solução está à vista: 25 anos de prisão! Pena máxima! Prisão perpétua? Logo se verá. Noutros países é permitido. Violação? Simples: pena máxima de 25 anos e castração química. Violência infantil? Evidente: pena máxima de 25 anos! Infracção cometida por imigrante ou estrangeiro? Claro: expulsão imediata. Crime ou infracção cometido por português naturalizado? Óbvio: expulsão e perda da nacionalidade. Pena de 50 anos? Pena perpétua? Estão na agenda, nas esperanças do Chega e de Ventura. E serão bandeiras, enquanto a Constituição as proibir. Parecem bonecos de feira. Vozes gravadas, slogans automáticos, pensamentos mecânicos. Perante qualquer acontecimento, erro, insuficiência, desastre ou o que for: demissão do ministro, demissão do Primeiro ministro e comissão parlamentar de inquérito.
É um dos velhos princípios de uma certa política: culpa os outros dos teus defeitos, responsabiliza os outros pelas tuas deficiências e acusa os outros dos teus erros! É exactamente o que os democratas e as esquerdas fazem relativamente ao Chega.
Primeiro, caracterizam-no mal. É fascista, é neofascista, é neonazi, é salazarista, é ultraliberal e é neoliberal. Nada disso é inteiramente verdade, nem sequer maioritariamente verdade. Pode ser que haja disso, aqui e ali, no que o Chega faz ou diz. Mas nada daquilo serve a compreensão das causas do movimento político. Essas designações simplórias têm a vantagem de fazer a economia do pensamento. Mas de nada servem, a não ser revelar as insuficiências de quem as utiliza. Depois, escondem os erros dos seus autores. Culpar a extrema-direita de ser a extrema-direita é simplesmente estúpido. Culpar os outros pelo nascimento deste movimento já poderia ser um princípio de exercício de compreensão. O Chega não está no ponto em que está por ser fascista ou de extrema-direita. Está lá porque o deixaram ser e o ajudaram a crescer. As falhas da democracia são vitaminas para a direita não democrática. Como aliás já foram para a esquerda não democrática.
A democracia não cai às mãos de assaltantes, começa por cair dentro de si. É o mau governo, a desigualdade, a corrupção, a indiferença social e a arrogância dos democratas e das esquerdas que são o viveiro das ditaduras, das aventuras de extrema-direita, de todos os populismos deste mundo. Será que o Chega tem solução para esses vícios e esses defeitos? Talvez não. É provável que não. Não é isso que ele pretende, o que procura é chegar ao poder, ficar no poder e guardar o poder. Porquê e para quê, depois se verá.
Público, 30.8.2024
2 comentários:
Sempre o Chega. Ai o Chega! Ui o Chega! Acautela quem vem o Ventura!
Enquanto recusarem ver o Chega como sintoma a doença só se agravará.
Democratas e esquerdas (curiosa distinção) parecem que continuam empenhados levar o Chega até ao poder. Os primeiros por demissão, incompetência e mercadejamento. Os segundos por manifesta falta de virtude, soberba e delírio.
Tudo começa na 'cerca sanitária', acto de cobardes que se refugiam no linguajar que acreditam não lhes revelar as acções.
Chegam os votos que assinalam que terá de haver mudanças.
Nada muda verdadeiramente sem que valores sejam denunciados e valores erigidos; a denuncia é populismo e o que se erija é extrema-direita, sem que se defina o que isso seja, senão que se opõe à igualdade/ tolerância de vai de um individualismo que acumula direitos e recusa deveres, a um socialismo centrado no consumismo e num identitarismo que perverte tudo que aparente ser norma.
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