sábado, 15 de fevereiro de 2025

Grande Angular - O debate está na praça pública

 Bem ou mal, bem e mal, a questão da imigração está no centro dos debates políticos que vão dominar as próximas eleições, das autárquicas e legislativas, às europeias e presidenciais. Assim como ocupar discussões parlamentares e académicas. Não há por onde fugir e ainda bem. Vão aos poucos desaparecer os que insistem em que “não há problema”, que “é só racismo”, que não passa de uma “moda nacionalista”. Vão-se encolhendo os que garantem que as soluções são simples, tal como “fechar as portas aos imigrantes” ou “abrir as portas aos que querem para cá vir”. Nunca se calarão, mas falarão mais baixo, os que asseguram que os nacionais são virtuosos e os estrangeiros pulhas. Já se percebeu que não faz sentido garantir que os imigrantes sejam todos iguais, legais ou ilegais, estrangeiros ou naturalizados, de primeira ou segunda geração, respeitadores da lei ou criminosos, de cultura e tradição próximas ou absolutamente alheias e distantes das portuguesas. É bom que assim seja. Que se diga tudo. Que haja divergências e acordos. Que se consiga melhorar a legislação e a vida no espaço público. 

 

Se assim for, se a discussão pública tiver como efeito a moderação dos preconceitos e o melhoramento da legislação e se aumentar um pouco a racionalidade dos argumentos, vale a pena contribuir para o debate. A começar pela enumeração de princípios e valores, que poderá contribuir para a formação de opiniões.

 

As pessoas não têm o direito de imigrar para o país que lhes apeteça, de ter autorização legal para se estabelecer onde quer que seja e instalar-se ilegalmente onde quiserem. As pessoas têm o direito de solicitar residência, autorização, ajuda e apoio noutros países. Os países de acolhimento possível têm o dever de responder afirmativa ou negativamente a qualquer solicitação, com autoridade e humanismo, de acordo com as suas leis e com as suas capacidades.

 

Cada povo tem o direito de escolher quem prefere ou a quem oferece melhores condições de acolhimento. A inversa não é verdade: um povo não tem o direito de se instalar onde quiser, nas condições que prefere. As regras são feitas pelos povos dos Estados de acolhimento.

 

Os imigrantes não têm os mesmos direitos do que os nacionais (naturais ou naturalizados). A começar pelo direito de voto nas eleições, nomeadamente as que implicam a criação e a escolha dos órgãos de soberania, a revisão ou a aprovação da Constituição, a declaração de guerra e paz ou as decisões sobre o Estado de sítio.

 

Qualquer povo tem o direito de exigir reciprocidade de direitos com os países de proveniência dos imigrantes legais (com exclusão dos refugiados políticos). Não é obrigatório fazê-lo, mas pode fazê-lo.

 

Um Estado deve garantir a universalidade dos direitos fundamentais, por exemplo vida, justiça, liberdade de expressão, segurança social, saúde e educação, não distinguindo entre imigrantes ou nacionais. Mas os direitos políticos dos imigrantes, designadamente o direito de voto e de participação nas eleições, podem ser reduzidos, restritos e diferentes dos direitos dos cidadãos nacionais (ou naturalizados).

 

Um Estado tem o direito e o dever de proibir práticas e costumes que infrinjam directamente as suas leis vigentes, mas também práticas e costumes que, sem infringir directamente as leis, contrariem direitos fundamentais ou regras estabelecidas, como nos casos de incesto, de vestuário que contraria direitos de outrem (o uso da Burca, por exemplo), de violência paterna ou materna, de ameaças conjugais e de tratamento dos animais.

 

Um Estado tem o direito e o dever de proibir todas as práticas condenadas nas suas leis, mas permitidas nas leis dos países de origem dos povos imigrantes: poligamia, excisão, casamento forçado, casamento contratado, uso de véus que escondem a identidade, proibição de frequentar o espaço público, justiça pelas próprias mãos, todas as formas da “lei de Talião” e negação de direitos às mulheres e às crianças.

 

Um Estado tem o direito e o dever de facilitar a imigração e a legalização de quem se predisponha a aceitar medidas de integração, designadamente aprendizagem da língua. Um Estado tem o direito de proibir ou punir pessoas e comunidades imigradas que se recusem, por exemplo, a frequentar a escola obrigatória nacional.

 

Um Estado tem o direito (até talvez o dever…) de exigir que os imigrantes cumpram todos os deveres de legalidade, de inscrição e contribuição para os sistemas nacionais de impostos, segurança social e outros. Um Estado tem o direito de não conceder acesso aos serviços sociais e públicos a quem não se encontra devidamente legalizado e registado.

 

Um Estado tem o direito e o dever de garantir que o trabalho imigrante não contribua para a redução dos salários, nem para a exploração dos imigrantes nas suas condições de alojamento e de emprego.

 

Um Estado tem o direito de contemplar a recusa de autorização e a suspensão, a expulsão ou a deportação de estrangeiros imigrantes não naturalizados, em casos de crimes tipificados, incluindo as falsas declarações para obter autorizações de residência e trabalho, os crimes violentos e o tráfico de produtos proibidos e ilegais.

 

Um Estado tem o direito e o dever de aprovar uma política de população e de imigração, indispensável para o respeito pelos direitos dos cidadãos nacionais e dos imigrantes. A exploração de imigrantes, o abaixamento dos níveis de salários, a habitação em péssimas condições, o tráfico de trabalho, as redes internacionais de pessoas e de bens ilícitos e a desorganização dos serviços públicos resultam também da falta de políticas de migração. O descontrolo e a desatenção das autoridades relativamente às questões das migrações só agravam as vidas dos nacionais e dos imigrantes, incluindo o não reconhecimento dos seus direitos.

 

Do ponto de vista internacional e demográfico, Portugal tem uma situação muito interessante, pois é simultaneamente país de emigração e país de imigração. O facto traduz realidades menos felizes (há falta de oportunidades para os nacionais, ao mesmo tempo que há falta de trabalhadores para muitas actividades). O país perde população com aptidões e recebe população sem qualificações. Mas, ao mesmo tempo, permite ter uma visão mais completa dos problemas. Nesse sentido, Portugal tem o direito e o dever de exigir aos imigrantes o que outros países exigem aos emigrantes portugueses. Com uma certeza: são os países autoritários, as ditaduras, que proíbem as migrações.

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Público, 15.2.2025

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