O mais importante é a política. O próximo governo terá de tentar aumentar o investimento público e privado, atrair investidores e iniciar uma nova era de crescimento e desenvolvimento. E terá também de associar essas políticas económicas a um esforço de redução das desigualdades e de aumento dos rendimentos dos portugueses, sobretudo dos que trabalham. Será ainda necessário assegurar um clima de confiança e reformar a Administração, sobretudo a da Justiça. O próximo governo pode ter a certeza de que limitar a actividade e a iniciativa privada será a sua ruína. Sua e de todos nós. Mas também saberá que tem de reforçar a acção do Estado em muitas áreas sociais. Quem fizer o próximo governo sabe já que vai ter, como raramente na história recente, um enorme conflito entre liberdade e igualdade, entre rigor e despesa, entre dívida e desenvolvimento. E também entre Estado e sociedade civil.
O que precede é de tal modo claro que se tornou necessário e imperativo de interesse nacional formar um governo de maioria parlamentar, de estabilidade de políticas, de cooperação entre partidos e de partilha de responsabilidades. O que quer dizer governo de maioria absoluta de um partido ou governo de maioria parlamentar de coligação pré-eleitoral ou de aliança pós-eleitoral.
Estas evidências, dificilmente contestáveis, são rejeitadas pelos preconceitos habituais contra as maiorias absolutas e contra as coligações e as alianças.
Todos os partidos sonham com o poder e com uma maioria absoluta, mas nunca ou dizem. Não querem parecer ambiciosos, nem que se imagine que só pensam no poder. Não querem “dar parte de fracos” e ter de justificar, depois das eleições, que não obtiveram a almejada maioria absoluta.
Deveríamos ter hábitos de realizar alianças ou coligações. Seria claro e promissor. Saberíamos o que nos espera. Em cinquenta anos, tivemos poucas. A AD (Aliança Democrática), a APU (Aliança Povo Unido), a CDU (Coligação Democrática Unida) e a FRS (Frente Republicana e Socialista) são talvez os melhores exemplos. PAF (Portugal à Frente) e as coligações entre o PSD e o CDS ou PS e CDS também devem ser incluídas. O Bloco Central foi uma aliança pós-eleitoral entre o PS e o PSD, com partilha de governo. Esta coisa em nome de aliança e que se designa vulgarmente como Geringonça sem partilha de governo é outro exemplo. Alianças e coligações parecem muitas, mas na verdade são poucas, de curta duração e pouco êxito.
Houve maiorias absolutas de um só partido (do PSD de Cavaco Silva e do PS de José Sócrates) ou de coligações (da AD, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão, do PS e do CDS, com Mário Soares, do PSD e do CDS, com Durão Barroso e Santana Lopes e do PAF, com Passos Coelho). Gostemos ou não, foram maiorias parlamentares que fizeram história. Os governos minoritários foram mais breves, poucos terminaram bem. Se fizermos um balanço, logo veremos que há de tudo, bem e mal, com qualquer forma de governo, com ou sem maioria parlamentar. Mas também verificamos que esta última é condição essencial para as mais importantes reformas constitucionais, legislativas e políticas levadas a cabo. Nesse mesmo balanço, depressa verificamos que houve tanta corrupção em governos de um partido, como nos de alianças e coligações. Assim como houve vícios equivalentes em governos de maioria ou minoritários.
Impressionante é a má reputação da maioria absoluta. Os mais interessados (os principais partidos) têm vergonha. Os menos interessados (os pequenos partidos) detestam-na, pois perdem a capacidade de negociação e chantagem. Curioso é o facto de grande parte da opinião pública não gostar de maioria absoluta. Parece que prefere as intrigas.
Uma coligação de direita é rapidamente designada como ameaça fascista, pelo menos autoritária. O Bloco central foi apodado de bloco de negócios e alfobre de corrupção. A aliança das esquerdas, além de antecâmara do comunismo, é olhada com horror. As negociações e alianças pós-eleitorais são oportunistas e traidoras. As coligações pré-eleitorais são sinal de fraqueza. A verdade é que alguns dos mais importantes instrumentos da democracia (a negociação, a aliança, a cooperação) têm entre nós mau nome.
Entre os dirigentes partidários, há uma verdadeira fobia das maiorias de aliança. Cooperar e partilhar não têm muita saída. A Constituição nada faz para promover governos de maioria parlamentar. Consagra aliás mecanismos que favorecem a tentação minoritária. Por exemplo, não exige que o programa de governo seja aprovado. Não prevê sequer que a composição de um governo tenha o voto favorável dos deputados. Alturas houve em que se tentou inventar um mecanismo estranhíssimo e bizantino, de origem alemã, chamado “moção de censura construtiva”, que obrigaria o parlamento a só votar uma censura ao governo se tivesse preparado uma solução alternativa. O que parece uma condição favorável à maioria não passa, afinal, de uma protecção aos governos de minoria.
Na verdade, há, na política portuguesa, estranhas particularidades. Não se percebe muito bem porque nasceram. Mas têm existência e influenciam directamente os comportamentos políticos. Seja os dos cidadãos, seja os dos partidos políticos.
Há uma espécie de culto da minoria e dos arranjos. A Constituição não obriga a que os ministros vão a votos, muito menos o governo. Depois de formado, se não houver moção de censura nem voto de confiança, o governo minoritário fica.
Os partidos não dizem que querem uma maioria absoluta. Mesmo os que só sonham com isso, o PS e o PSD em particular, não têm hábito nem coragem de o afirmar. Receiam ter de dizer, depois das eleições, que não conseguiram.
Com excepções, os partidos procuram fugir às coligações e alianças pré-eleitorais. Consideram que tal é fraqueza.
Os partidos, os cientistas políticos, os académicos, os comentadores e até os jornalistas, em maioria, tudo fazem para proteger os governos minoritários e para sublinhar os riscos de corrupção dos governos de maioria. É dominante o sentimento de que os governos maioritários são tendencialmente autoritários.
As próximas eleições poderiam trazer algumas boas notícias, a começar pela maioria absoluta parlamentar. De um só partido. De uma coligação pré-eleitoral que a obtenha. Ou uma aliança formal pós-eleitoral que a consagre. Se assim não for, esta dissolução e estas eleições antecipadas ficarão no rol das inutilidades. Um desperdício!
Público, 20.11.2021
1 comentário:
Qual a admiração de não se confiando na seriedade e exigência das organizações partidárias resultar a desconfiança nas maiorias absolutas?
Das guerras entre malfeitores sempre se descobrem malfeitorias...
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