Pagos ou gratuitos, subsidiados ou comparticipados, regulados ou protegidos, os serviços públicos deveriam ser o ponto crítico da acção dos governos, de qualquer poder preocupado com o bem-estar dos cidadãos. Públicos em exclusividade ou em concorrência, privados ou em concessão: por todos os serviços o Estado é responsável.
Por causa da demagogia e da bancarrota dos governos socialistas de José Sócrates; graças à austeridade e ao desequilíbrio social dos Governos de direitas de Passos Coelho; e em consequência da nova austeridade e da renovada demagogia do governo de esquerdas de António Costa, a verdade é que a situação dos serviços públicos se deteriorou de modo visível. Como se nota nos transportes, correios, saúde, educação, segurança social ou atendimento de registo civil e equiparados: em todas estas áreas se tem notado um declínio acentuado e se multiplicam as razões de queixa.
Talvez na justiça se verifique uma melhoria na organização e na eficácia, visível em dados estatísticos. Com excepção da grande finança, do colarinho branco e da corrupção, é possível que na justiça de todos os dias, cível, comercial e de família, haja progressos…
Recentemente, um importante relatório de actividades da Provedora de Justiça chamou a atenção das autoridades para o facto de as queixas que recebe (milhares por ano…) terem como motivo principal a falta de resposta dos serviços, especialmente da Segurança Social. A própria Provedora não recebe respostas aos seus requerimentos.
O Estado protege os funcionários, por vezes mal, mas melhor do que os restantes cidadãos. Regula mal, as suas funções são quase sempre transformadas em acções repressivas. O Estado gosta de intervir, controlar e dominar. Gosta de ser patrão e dono. Não gosta de concorrência. Interessa-se pelas funções técnicas, mas menos pelos cidadãos. O Simplex foi, em seu tempo, um grande avanço, mas deixou de o ser porque se preocupa com os serviços, não com as pessoas.
Entre todos os males dos serviços públicos, avultam as filas de espera e os atrasos nas respostas. Ambos são factores maiores de desigualdade social. Em situações de aparente igualdade, os mais poderosos e os mais ricos conseguem sempre soluções, com luvas ou sem elas, mas de favor, evidentemente.
Notam-se em particular os atrasos no atendimento a pessoas débeis: nas marcações de consultas, de exames, de juntas médicas e de cirurgias, assim como na obtenção de documentos da Segurança social, da Autoridade tributária, da Caixa de pensões e das repartições de identificação. Demoras igualmente nas respostas a requerimentos sobre reformas, subsídios de desemprego, baixas de doença e outros serviços. Ou ainda obstáculos nas respostas a necessidades de cidadãos que não têm acesso a meios informáticos.
Nos últimos tempos, têm estado sob especial atenção as demoras para o Cartão do cidadão, o passaporte, os subsídios de desemprego e a atribuição de pensões e reformas. Há filas de espera no SEF e nas “lojas do cidadão” desde as duas ou três da manhã. Há gente que, antes de ir trabalhar, dorme no carro, de madrugada, à beira das instituições. Há pessoas que chegam de avião, de Inglaterra, e vão do aeroporto para as bichas onde estão os pais desde as quatro da manhã, a marcar lugar, para os passaportes! Há subsídios de desemprego que podem demorar até seis meses para serem concedidos. Há pensões de invalidez e reformas que podem demorar até dezoito meses para serem pagas.
Nos hospitais, até nas urgências há filas de espera que chegam facilmente às seis horas. A espera por marcação de consulta ou de cirurgia pode ultrapassar os seis meses, sendo que são conhecidos casos de mais de um ano. Num dos maiores hospitais do Serviço Nacional de Saúde, em Lisboa, um jovem com ruptura de menisco, a quem é prescrita uma ressonância “com prioridade imediata”, tem de esperar um ano. É frequente, nos serviços de saúde, apesar de marcação prévia, não haver atendimento porque o médico faltou e os serviços não avisam os utentes.
Muitas filas de espera ocorrem nas piores condições imagináveis. Há algumas que se organizam de madrugada, ao ar livre, qualquer que seja o clima, como por exemplo em Centros de Saúde que abrem às 8.00 ou 9.00 da manhã e onde há gente à espera desde as 5.00 ou 6.00. Há filas de pé, durante horas, ao sol, no Verão, com mais de trinta graus de temperatura, na Penitenciária de Lisboa, assim como noutras prisões. Como há filas de várias horas e centenas de pessoas, desde as 4.00 ou 5.00 horas, diante dos serviços de Estrangeiros, qualquer que seja o tempo que faz cá fora. Parece que os serviços sociais são indiferentes às condições mínimas de conforto de quem já está fragilizado ou em situação de carência. A prontidão e a eficácia deixam muito a desejar, mas a desumanização e a indiferença são ainda mais chocantes.
Destas, quem mais sofre são evidentemente as classes com menos meios. São elas que perdem tempos infinitos, com deslocações difíceis, com esperas longas e por vezes inúteis. Como também são estas as pessoas que têm dificuldades em arranjar apoios para cuidar de filhos menores ou de pais e avós doentes, enquanto perdem horas e dias em filas de espera. Em todas estas situações, o factor constante e mais impressionante é o da desigualdade. O atraso, o desconforto, a perda de tempo, o silêncio, a burocracia e a falta de resposta atingem sempre mais quem não tem meios nem conhecimentos.
Uma questão, aparentemente irrelevante, tem dimensão superior à que se julga: a iliteracia informática e tecnológica de uma parte importante da população, sobretudo classes trabalhadoras e classes médias baixas urbanas, os mais idosos, doentes, reformados e pensionistas, residentes do interior ou rurais. Muitas pessoas não têm possibilidade de aprender ou de lidar com as novas tecnologias, incluindo telemóveis, SMS, e-mail, NET, redes sociais e outros. Os sistemas generalizados na Administração valorizaram (e muito bem) estes novos métodos, mas deixaram para trás grande número de pessoas que, sem descendentes, empregados ou colegas, ficam na impossibilidade de aceder e beneficiar destes novos métodos de comunicação, marcação de consultas e reuniões, adesão a procedimentos modernos, contestação de questões financeiras e fiscais e resolução de problemas a partir de casa.
A verdadeira modernidade da Administração, com que tantas autoridades e tantos políticos gostam de rechear os seus discursos, não é a da tecnologia, é a da humanidade e a da igualdade.
Público, 9.6.2019
1 comentário:
Há 5 anos, aqui em Lagos, demorei menos de 1 hora para OBTER o Cartão de Cidadão.
Na semana passada, para o RENOVAR, demorei 6 horas!
E não enviam para casa!
Vou receber uma carta, para lá ir novamente!
Enquanto já estava a ser atendido, a funcionária até me mostrou o computador bloqueado, tendo de repetir tudo.
Ah! E às 12h deixou de haver senhas.
Enviar um comentário