domingo, 20 de maio de 2018

Sem emenda - Sem recurso, nem recuo

Quando alguma coisa falha, procuramos um recurso. Junto de alguém, pessoa ou instituição. Com frequência, pensamos ter recuo. E tempo de espera e reflexão. É uma defesa, uma precaução. Melhor ainda, uma cópia de segurança. O backup. A instituição de emergência. O exército de reserva. A brigada de última instância. Quando a Terra treme, invoca-se Deus. E faz-se o mesmo perante as tempestades. Até os ateus, que nem sempre confiam nos pára-raios.
Quando há crise, olha-se para a finança e a segurança social. Quando a nação está em perigo, espreita-se para os países amigos. Quando o Estado corre riscos, conta-se com os militares. Quando a ordem e a segurança ameaçam ruir, espera-se pela polícia. Quando as elites falham, chama-se o povo. Quando os empresários fogem, recorre-se ao Estado. Quando a saúde está periclitante, procura-se o médico. Quando a corrupção reina, confia-se na justiça. O pior é quando a justiça tarda…
Há momentos na vida de uma nação em que, de repente ou gradualmente, se tem a sensação de que o recuo é curto e de que recurso é cada vez menor. Que tudo tem falhado. A justiça, o diálogo ou a decência humana.
Numa área, especialmente, a falta de recurso é assustadora. A falta de Justiça é aterradora. Os imediatos apelos à Justiça privada são o anúncio do pavor. As tentações da justiça pelas próprias mãos são sinais de desespero e de inferno à vista.
O pior da corrupção, privada ou pública, partidária ou empresarial, é que cada vez menos há recuo. Ainda se pensa em justiça, sobretudo com processos de inédita dimensão e inimaginável gravidade. Mas quando chega a vez de a própria justiça falhar ou se sentar no banco dos réus, então sente-se o frio nas costas, o arrepio do abismo: não há recurso, nem recuo!
A corrupção é injusta e imoral. É socialmente desigual e culturalmente repugnante. Eticamente condenável e politicamente abjecta. Infelizmente, parece que a maior parte dos que condenam a corrupção o fazem mais por inveja do que por convicção.
Estranhamente, a corrupção tem quase sempre defensores ou pretextos. Vale para crescer a economia e criar emprego. Serve para aumentar as exportações. Aceita-se para defender os interesses dos munícipes, para apoiar as iniciativas locais e para satisfazer as necessidades dos povos locais. É útil para democratizar a economia. Adopta-se para defender a democracia e recompensar os que deram contribuições financeiras para os partidos. Justifica-se para satisfazer grandes e antigas famílias com história de serviço ao país e à Pátria. Admite-se para isentar, de impostos e taxas, famílias, partidos, igrejas, sindicatos e associações. Utiliza-se para conceder subsídios especiais de criatividade ou solidariedade. Acode qualquer pessoa que se diga partidária das start ups tecnológicas e se declare favorecer causas actuais, como as energias renováveis e as alfaces biológicas. Usa-se para arranjar as parcerias público privadas. Desculpa-se para confortar a insularidade e a interioridade.
Até ao dia da indignação. Até chegar a altura do escândalo. Até ao momento em que a corrupção se torna intolerável. Em Portugal, esse momento já chegou. Faça-se a lista completa dos políticos, governantes, deputados, altos funcionários, magistrados, polícias, empresários, gestores e outros intermediários, facilitadores e fura-vidas envolvidos com a justiça e fica-se com um horrendo panorama de uma quermesse de maus costumes. Marque-se, para cada um, o tempo de espera, o atraso do processo e os procedimentos dilatórios e ter-se-á um quadro completo de ineficiência e de injustiça.
É verdade que a democracia pode sempre generalizar a corrupção. Numa palavra, democratizá-la. Mas também pode ser a única maneira de a combater preservando as liberdades. As mãos limpas e a ética justicialista acabaram sempre mal: não limparam a corrupção, nem salvaguardaram as liberdades.

DN, 20 de Maio de 2018

1 comentário:

bea disse...

Nem sei o que comentar. Vivo num país que não pensava que existisse. Comandado por pessoas que também julgava terem outra índole. Fui educada e eduquei para um Portugal que não existe. Talvez eu seja tanto uma fraude quanto ele.