domingo, 11 de junho de 2017

Sem emenda - A obra-prima de António Costa

A apreciação pública deste governo tem sido objecto de discussão. O tema é polémico. Os seus adeptos directos entendem que o sucesso é total. Os apoiantes indirectos, PCP e Bloco, garantem que o êxito se deve a eles. Os opositores afirmam o contrário: no essencial, o governo tem falhado e, dentro de pouco tempo, o desastre será completo. Segundo os críticos, os bons resultados devem-se à conjuntura internacional e ao facto de o governo actual copiar o anterior.

Sem julgamentos incondicionais, o melhor é ir por partes. O facto de ter durado até agora, sem maioria parlamentar clássica, é evidentemente um êxito. E deve-se a todos, sobretudo a Costa, mas também ao PCP e ao Bloco. O arranjo parlamentar foi obra de habilidade indiscutível. Mas há mais. Por exemplo, mesmo sabendo que o último ano do governo anterior já trazia boas notícias, ter conseguido quebrar o dogma da austeridade foi obra. Os rendimentos dos funcionários públicos, dos pensionistas, dos idosos e dos mais pobres aumentaram. Ainda não é um fenómeno de média duração, muito menos sustentável, mas é possível que a desigualdade social tenha diminuído um pouco. Tem obtido paz social, apenas interrompida por advertências pedagógicas dos sindicatos e do PCP. A redução do défice público parece ser talvez, até agora, o maior êxito do governo, e por isso, mau grado o cancelamento do programa de investimentos públicos, merece boa nota! O crescimento, o emprego e as exportações são também notórios e resultam da retoma europeia e do turismo, mas também do bom clima interno.

Nas colunas do deve, as notas não são tão agradáveis. O endividamento não baixou. O investimento ainda não subiu significativamente. A reforma institucional e do Estado está suspensa pelas eleições autárquicas. Os trabalhadores dos sectores privados, a maioria, ainda não viram benefícios comparáveis aos públicos. Na Justiça, na Educação e na Saúde não há melhorias visíveis, apenas notícias e compasso de espera.

Dito isto, temos a controvérsia da responsabilidade. São coisas que aconteceram? Por obra e graça de quê e de quem? Acção do governo? Retoma económica europeia? Aceleração do turismo? Animação do mercado interno e do consumo? Nuns casos sim, noutros não, sendo que muito depende dos partidos apoiantes, da economia europeia, do Banco Central e de outros factores externos e longínquos.

Este governo tem sorte. Em parte merece, em parte é enriquecimento sem justa causa. Pôs-se a jeito, como se diz na gíria. Aproveita os ventos, o que também é arte política. Outra parte ainda é a ajuda dada pelos partidos da oposição, sobretudo pelo PSD, que tem revelado uma quase absoluta falta de jeito.
Mas a verdadeira obra de arte do Primeiro-ministro é outra! Foi ter conseguido desvincular-se, ele e os seus ministros, do governo de Sócrates. Foi ter desligado este Partido Socialista salvador daquele outro Partido Socialista cangalheiro. Foi ter conseguido refazer a sua virgindade, suavemente, sem ruptura aparente, sem obrigar ninguém a desdizer-se ou a pedir desculpa, sem criar incómodos a ministros e sem dar argumentos a quem disser que o Partido tem duas caras. Foi ainda ter conseguido associar o Bloco e o PCP a este branqueamento inédito.

Os seis anos do mandato de José Sócrates constituíram uma espécie de peste negra que se abateu sobre o país. Aquele governo, apoiado nalguma banca pública e privada, ajudado por um bando de empresários sem escrúpulos e assessorado por consultoras internacionais complacentes, atingiu níveis de endividamento único na história de Portugal, assim como de corrupção, de desperdício de recursos, de destruição de empresas públicas, de favoritismo em concursos e nomeações… Foi provavelmente o mais nefasto governo de Portugal durante décadas. Sem criticar os seus feitos, sem partilhar os erros de Sócrates, sem assumir responsabilidades relativamente aos piores anos de governo de Portugal, António Costa e seus ministros conseguiram, sem nunca o ter feito explicitamente, distanciar-se daquele nefando governo e daquele execrável período. Esse, sim, é um feito histórico.

DN, 11 de Junho de 2017


7 comentários:

Anónimo disse...

Enquanto Theresa May provoca o desassossego na Irlanda do Norte e Trump desafia as leis da gravidade em Washington e no Médio Oriente, e a França, a votos, baralha o sistema partidário tradicional, o nosso cronista de estimação aparece, neste lindo dia de sol, carcomido pela sua fixação obsessiva e ódio de morte ao PS.

O nosso ilustre “pensador”, por aquilo que nos transmite, situa-se à direita, a tal direita (liberal) defendida por António Araújo, mas diz-se de esquerda, para a poder criticar. ”Eu conheço-os”, disse. Se calhar, digo eu, os liberais incumbiram-no dessa tarefa.
Depois, diz-se “independente”! Ora, há 20 anos ainda se poderia escorregar nas suas manhas e ambiguidades, mas agora não! Sorry!

Sabemos que era seu desejo que o PS tivesse desaparecido com Sócrates, inocente ou culpado, mas tal não aconteceu. E, pelos vistos, segundo as sondagens, nem vai acontecer.
Sorry! Sorry!

Unknown disse...

É espantoso o ódio compulsivo que esta abjecta Sílvia do Carmo tem contra António Barreto. Desprovida dos mais elementares predicados de integridade, descontextualiza e deturpa frases do autor, inventa com entusiasmo mentiras, insulta e apedreja a bel-prazer. O seu atrevimento é proporcional à sua ignorância. E não é mais do que mero lixo doméstico!

bea disse...

Julgo que sim, António Costa soube ganhar distância do PS de Sócrates feito que o valoriza a ele e a seus ministros; e põe o PS de novo na liça; haja o que houver, para já, o PS remoçou.

Unknown disse...

Concordo com muito do que é dito....imagina-se que pensar ,em pessoas que se interessam por falar de forma individual e nao em grupo politico nao seja o mais comum. Paciencia precisa-se. Stella Teixeira

Anónimo disse...

Bea,
AB debocha de António Costa e gostaria de ver os socialistas à batatada. É um dos profissionais da caça aos socialistas ao serviço da direita. Não tenha dúvidas sobre isso.

A direita, que investiu tudo no caso Sócrates para o afastar da política, está histérica. O problema deles agora é que, afastado o Sócrates, o PS continua a geringonçar com 40% de popularidade. A direita não se conforma.

bea disse...

Tout va bien

é assim, quem fala mal também faz falta, ajuda a endireitar o que está torto se torto esteja. Não sei na verdade o que AB sente em relação ao socialismo português ou se alinha à direita ou à esquerda; e comento apenas o texto presente, sem pensar para além dele. Ora, não me parece que escarneça de alguém, encontro-lhe mesmo certa razoabilidade e fluidez.
Também me parece natural que a direita não se conforme. Se tal acontece, deixa de haver oposição. A saúde política vem da tensão entre os partidos; é um bocadinho como dizia o outro, a harmonia nasce da tensão entre o arco e a lira.
Quanto a Sócrates, está politicamente bem arrumado. Passou.

Anónimo disse...

Bea,
Concordo muito com o que diz. A crítica e o contraditório são essenciais à saúde da nossa democracia. A liberdade de expressão é também um direito de todos.
Com AB, o spin doctor, o essencial é saber ver como ele torce e retorce os temas, o que implica conhecer este artista e a sua obra.