O que se passa na Venezuela é, a
todos os títulos, grave. Sob o domínio de uma ditadura demagógica e populista,
um país rico encontra-se falido, dá sinais de caos e miséria, em permanente
revolução e à beira de uma perigosa insurreição. O seu governo é imprevisível e
goza de uma grande tolerância internacional, talvez por ser uma ditadura
esquerdista e tropical, que destruiu, em pouco mais de quinze anos, um país
moderno e em desenvolvimento, apesar de muito desigual. Os primeiros anos de
ditadura serviram para uma radical distribuição de riqueza e uma diminuição da
pobreza, facilitadas pelas receitas do petróleo, cujas reservas estão entre as
mais vastas do mundo. A política americana em relação à Venezuela pecou várias
vezes por interferência. A quebra de proventos do petróleo e a política dos
governos de Chavez e Maduro são as causas essenciais da actual desordem.
Há muitas décadas, os emigrantes Portugueses
elegeram a Venezuela como um dos países de destino favoritos. Talvez sejam hoje
quase 500 000, ninguém sabe ao certo, mas este número deve incluir muitos de
segunda geração. Parece que haverá quase 200 000 pessoas inscritas nos
consulados. É muita gente. Com a evolução da situação actual, muitos vão querer
regressar a Portugal. Não se sabe quantos. Mas o país precisa de estar pronto para
que regressem muitos. Mais vale estar preparado a mais do que a menos. A
Madeira é a principal origem de emigrantes para a Venezuela. Será também o principal
ponto para retorno.
Já regressaram à Madeira, em
poucos meses, cerca de mil. Ao todo, em dois ou três anos, perto de quatro mil.
Mais de 800 já se inscreveram nos centros de emprego. Muitos procuram casa. E
lugar nas escolas para os filhos. O governo da República tem a estrita
obrigação de fazer tudo e mais alguma coisa. Directamente e através do governo
regional. As instituições europeias têm a obrigação de apoiar estes refugiados
que não podem ser penalizados pelo facto de não serem africanos ou asiáticos.
Tanto quanto sei, o governo
regional está a fazer o que pode. Se está, muito bem. Mas deve ser pouco. Tem
de ter o apoio do governo da República, assim como das instituições europeias.
Se Portugueses regressarem da Venezuela, serão, a muitos títulos, refugiados.
Mais ainda, serão também retornados. Sobre estes, temos obrigação de saber
aquilo de que falamos. Não é possível imaginar que os Portugueses da Venezuela
sejam tratados como foram muitos retornados das colónias, em 1975, nem como
muitos refugiados Muçulmanos e Africanos que hoje chegam à Europa. Convém não
esquecer que não é apenas à Madeira que aqueles emigrantes estão a regressar, é
a Portugal!
O governo não deve falar alto.
Deve estar calado. E ser discreto. E não fazer demagogia. Mas deve estar pronto
e mostrar aos Portugueses de lá que está preparado. O governo não deve fazer
barulho a mais sobre este problema. Um Secretário de Estado foi a Caracas e
tratou do assunto com cuidado? Muito bem. Há dispositivos de segurança que
começam a estar preparados, para as viagens e os transportes? Há sistemas
prontos a funcionar para a saúde, os cuidados de emergência, a habitação e as
primeiras necessidades? Há cuidados para crianças e idosos? Há sistemas
imaginados para rapidamente ajudar quem pode trabalhar? Há apoios para apoiar
quem quiser criar empresas? Há uma boa articulação, sem política de permeio,
entre o governo da República, o governo regional e as instituições europeias?
O facto de a ditadura venezuelana
ser de esquerda não deve embaraçar o governo português. O facto de os
Portugueses da Venezuela não serem muçulmanos não deve inibir o governo. Esses
mesmos factos não deveriam impedir a imprensa de estar mais atenta. A
discrição, em todo este tema, obriga o governo e as autoridades, não os
privados, nem os jornalistas. O que, neste caso, se fizer a mais, com ruído
excessivo e exibicionismo, será criminoso. Tanto como se não se fizer nada nem
o suficiente.
DN, 4 de Junho de 2017
1 comentário:
Reconheço que todos os que emigraram continuam portugueses e têm direito a regressar e ser integrados no país de origem que, neste caso, é o nosso. Mas lembro a integração dos retornados das ex colónias e não me parece que tenha sido modelar. Com o país no estado em que está, só sonhando se pode pensar nessa integração que providencia tudo e até empregos, como seria desejável. Ora, não existem nem habitações nem empregos em número suficiente para os jovens - ou jovens adultos - que aqui nasceram e estudaram (e note que não estou a pô-los na frente da lista de espera), o que digo é que assistência na saúde julgo que o Estado português não lha vai negar - mesmo que os serviços fiquem ainda mais sobrecarregados; subsídos de desemprego parece-me outro direito inalienável ainda que nunca tenha visto verbas que esticam e não me ocorra uma solução mágica. Parece-me mais uma vez que, se caem aqui todos ou a maior parte, precisaremos de uma ajuda europeia: Como diz, são uma espécie de refugiados. Veremos o que sucede.
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