A direita diz que não, a esquerda
diz que sim. Mas esquerda e direita ainda existem e são diferentes. Quando
ambas são democráticas, o que pode acontecer, não são totalmente contraditórias
e exclusivas. Distinguem-se, entre outras, pela eficiência (do lado da direita)
e pela igualdade (do lado da esquerda). Uma é mais individualista, a direita,
outra mais colectivista, a esquerda. Uma, a direita, presta mais atenção à
propriedade, outra, a esquerda, prefere a posse comum. Uma olha com especial
interesse para a empresa, a direita, outra para o Estado, a esquerda.
Mas também têm valores comuns,
como a liberdade. Ou então a democracia, a política externa e muitos aspectos
do Estado providência, hoje Estado social europeu. Quem negar esta comunidade
de valores e de história pretende regressar à política da luta de classes e da
guerra civil e não parece ter muito empenho na liberdade. Quando se regressa à
retórica da esquerda contra a direita, da classe contra classe, há razões para
recear o pior. Em particular, há motivos para pensar que a esquerda democrática
deixa de considerar a liberdade como a prioridade da sua política.
Ora, a política portuguesa mudou desde
há quase um ano e tem agora uma nova semântica. A oposição entre esquerda e
direita voltou à primeira página. No poder e a tentar construir uma solução
parlamentar inédita, a esquerda reintroduziu uma liturgia repetitiva que agora
serve de pensamento. O que é de esquerda bom. O que é de direita é mau. E não
há mais espaço para argumentação. O Partido Socialista tem-se deixado contaminar
por este palavreado.
No parlamento, é frequente ouvir
esse supremo insulto que consiste em designar “de direita” uma opinião ou um
projecto. Nos comícios de fim-de-semana, preparados para encher os tempos
mortos da televisão, socialistas, bloquistas e comunistas surgem com
assiduidade e mostram a delicadeza do seu raciocínio: é de direita, é mau. É de
esquerda, é cá dos nossos, é bom.
É grave o facto de o Partido
Socialista ter vindo a adoptar clichés da extrema-esquerda, com os quais se
entretém a substituir o pensamento. Em particular, tudo o que respeita à
liberdade e à igualdade. O PS prefere a igualdade e o Estado. Se o PS envereda
por este caminho suicida, não só se prepara para se afastar da área do poder
por muitos anos, como está a fazer com que Portugal fique privado de soluções
de governo que tenham inspiração no universo da esquerda democrática. O melhor
da esquerda consiste em ganhar o centro e convencer parte da direita às suas
ideias e aos seus programas. O pior da esquerda consiste em transformar-se em
porta-voz do jacobinismo e da longa tradição anti-democrática de uma parte
dessa esquerda.
O Partido Socialista de António
Costa está a contrariar relevantes tradições da esquerda democrática,
nomeadamente a “equação” liberdade versus igualdade. Há várias décadas que o PS
entendeu que a liberdade era o programa prioritário, a causa primeira e a
inspiração principal. O que distinguiu o PS dos outros grupos de esquerda e de
extrema-esquerda, designadamente o Partido Comunista, era, entre outras, essa
questão. Para os esquerdistas mais robustos, a prioridade é a igualdade e a
liberdade deve-se-lhe subordinar. Para os socialistas, a liberdade, como valor
e objectivo, ou como instrumento, impõe-se. Esta diferença foi actualmente posta
em causa. Para obterem o apoio parlamentar de que necessitam, assim como a
complacência nas ruas ou a cumplicidade nas instituições e nas empresas, o PS e
o governo dão todos os dias sinais de que a igualdade é o seu combate
primordial. Nenhuma revolução vale a liberdade.
DN, 14 de Agosto de
2016
3 comentários:
O receio da falta de liberdade só existe na cabeça de AB. O estado de direito não está ameaçado e as tentativas de AB incendiar o parlamento também já foram denunciadas. Ou seja, o regime não está ameaçado e só uma mente fantasmagórica é capaz de criar a imagem do caos iminente do PS e, consequentemente, do país.
Mais que a caricatura deste argumento dicotómico sem sentido entre esquerda /direita e liberdade/ igualdade, existe a personagem AB que, no passado, se serviu do PS para se afirmar no teatro político nacional tendo depois abandonado o palco por falta de habilidade. Porém, com o tempo, a personagem tem dedicado, de forma ressentida, muita da sua energia a diminuir a habilidade e a capacidade daqueles que ficaram e elevaram o PS, dizendo-lhes de várias maneiras mais ou menos isto: vocês têm a habilidade, mas eu tenho o talento e a sabedoria. Ora, nada mais presunçoso e mentiroso.
Na verdade, o personagem tem atravessado na garganta os atores Mário Soares, Jorge Sampaio, Constâncio, Guterres, Sócrates e agora, naturalmente, António Costa. Temo, sinceramente, que o personagem morra, brevemente, asfixiado.
Mas, como diz o outro, é a vida! Ou melhor, o outono da vida!
A ousadia de questionar a agremiação que se entende dona do regime, bem como a actuação dos seus membros, os mais destacados desde logo, é para algumas pessoas algo de facto intolerável. Tanto assim é que, na falta de argumentos substantivos, não hesitam em recorrer a uma prática historicamente muito comum nas esquerdas: a liminar desconsideração intelectual do oponente. O comentário acima ilustra-o bem.
Mas numa coisa, conceda-se-lhe, terá SC razão. O PS talvez não caia no caos (e repare-se na equivalência automática traçada entre caos no PS e caos no país, clara demonstração de que entre essa gente reina de facto a mais descarada presunção de que são donos disto tudo). Talvez não caia no caos porque para aguentar o poder que da forma que se sabe conquistou - inclusivamente aceitando ficar refém de quem sempre tomou o PS como um partido traidor e "de direita" e proclama valores que, a imperar, acabariam com o PS de um dia para o outro -, o PS tudo fará. E esse "tudo" é bem capaz de exigir o inimaginável. O que só se consegue matando a dissidência logo à nascença.
Mas o PS cairá, pela simples passagem do tempo e pelo instalar do caos em que vai lançando o país.
Nós cá ficaremos para pagar mais esta aventura impune. Nós, SC incluída (a menos, claro, que SC pertença à casta de eleitos do regime, abundantemente povoada por gentes do PS; o que talvez explique o seu comentário).
Costa
Viva, sobrevive-se!
Viva!
Bom, já que se deu ao trabalho de comentar o meu comentário, venho acrescentar que, se ao defender a liberdade, a igualdade dos cidadãos perante o Estado e a justiça social faz de mim uma socialista, então eu sou uma socialista assumida em qualquer lugar.E uma idealista, como não posso deixar de o ser!
Quanto a AB, bom, é um personagem interessante porque paradoxal, mas ignorado, há muito, pelos socialistas do PS. Para mim, é uma pena que se tenha transformado no escriba favorito da direita em Portugal.
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