domingo, 12 de outubro de 2008

A nossa Casa do Douro

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TARDIAMENTE ALERTADO para a edição de um número especial do “Notícias do Douro” dedicado à nossa Casa do Douro, não tive tempo para escrever o artigo que desejaria. Mas não quero deixar de estar presente, nem que seja sob a forma singela de um testemunho breve.
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Todos sabemos que existe uma crise. Ela tem todos os condimentos: financeiro, político, legal, social e técnico. As razões e as causas desta crise são muitas. Estão, em maioria, detectadas. Algumas residirão seguramente na lavoura e nos seus representantes. Ninguém está isento de responsabilidades. Ninguém poderá atirar a primeira pedra. Mas a maior parte das causas pertencem ao governo. Aos governos que, nas três últimas décadas, mudaram várias vezes de política e de atitude, ignoraram os problemas do Douro, julgaram ser omniscientes, tiveram ideias e invenções ou, mais prosaicamente, desprezaram a região, os lavradores e a sua organização.
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Trinta anos não foram suficientes para que as autoridades, governos e parlamento, dessem à região um figurino institucional estável e sério. E sobretudo compatível com duas realidades que parecem, e por vezes são, contraditórias: por um lado, os interesses, a especificidade e as tradições da Região Demarcada do Douro; por outro lado, as realidades contemporâneas e as necessidades de adequação aos mercados e às instituições europeias. Assim foi que a Casa do Douro, ora deixada a si própria, ora vergada sob a autoridade do governo, assistiu ao seu próprio declínio.
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Uma vez mais, não se devem enjeitar as responsabilidades próprias, nem por cumplicidade ou solidariedade, aquelas que levariam os durienses a vituperar contra os de fora, os governantes e outros. A melhor maneira de alguém se fortalecer exige que conheça os seus próprios erros e defeitos. Os representantes da lavoura duriense nem sempre tiveram ideias claras sobre a Casa do Douro que queriam, com que funções e com que poderes. Hesitaram entre o organismo majestático ou corporativo; entre a associação obrigatória ou livre; entre a assembleia regional ou apenas da lavoura; entre a empresa comercial e o sindicato. Essa falta foi grave, pois retirou à lavoura a capacidade de persistir num combate coerente e defender uma ideia firme.
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Está chegada a altura, creio, de organizar a Casa do Douro à volta de uma ideia partilhada pela maior parte da lavoura. Não me compete sequer sugerir qual é. Nem sou, infelizmente, produtor ou membro da Casa do Douro, apesar de a considerar também “minha”. Sei que a Casa deveria representar a lavoura, desempenhar as funções da sua “cabeça” junto do comércio, das autoridades, das entidades europeias, da região no seu conjunto e das outras regiões demarcadas. Que, para isso, deveria proceder a todos os passos necessários de reflexão, de congregação de vontades e esforços. Que deveria obter apoio legal e jurídico junto dos políticos e dos juristas capazes de ajudar a desenhar o figurino institucional mais adequado. Que deveria desempenhar funções de relevo junto dos agricultores, tanto nos planos técnicos como nos económicos. Que deveria levar a cabo acções de formação, designadamente na área da gestão empresarial e cooperativa, que exibe tantas deficiências na região e que cada vez mais se revela crucial para o desenvolvimento. E que não deveria desistir de ser parceira essencial e indispensável na definição e aplicação das regras de disciplina no sector.
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Este último aspecto é dos mais importantes. Sem disciplina, os sectores do vinho do Porto e dos vinhos DOC estão ameaçados de morte. Sempre foi assim no passado, sempre será assim no futuro. Os durienses sabem isso muito bem. Ora, com as pressões recentes da União Europeia, há perigos no horizonte. Além disso, há operadores económicos, sobretudo fora da região, que gostariam de destruir muitas das normas de disciplina que fizeram a glória e o êxito do vinho do Porto. A ideia de que um sector de vinhos excepcionais pode sobreviver numa situação de total liberdade de produção e comércio é absurda. A hipótese de abolir as demarcações de origem e as respectivas regras é simplesmente uma hipótese de morte para a região e os seus vinhos. Deve haver evolução das regras, adaptação a novas realidades, capacidade para introduzir inovações e flexibilidade suficiente para fazer novas experiências. Tudo isso é verdade e é necessário dizê-lo, pois a estagnação e o imobilismo também fazem mal à região. Mas essa evolução não deve nunca prescindir de algumas ideias fortes: os princípios da demarcação de origem, do estabelecimento de regras de autodisciplina, do controlo da qualidade e da orientação ou contenção da produção e do mercado.
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Sem a participação da Casa do Douro, esta disciplina tem todos os defeitos. É imposta do exterior. É legal e politicamente mais frágil. Pode, a qualquer altura, ser destruída com um simples decreto ou uma mera norma europeia. Corres os riscos de não ser respeitada pela própria lavoura que a considera estranha. Fica vulnerável às modas europeias dos mercados de produtos indiferenciados. Finalmente, será um produto de tecnocratas e burocratas indiferentes e ignorantes das realidades e das necessidades de uma lavoura de região demarcada. Por isso, a Casa do Douro não deve abster-se de lutar pela sua participação nas instituições e na elaboração das regras de disciplina. Não deve permitir que o governo a esbulhe do seu património, tanto os vinhos, como os edifícios, o cadastro ou as suas funções.
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Os durienses em geral e a lavoura duriense em particular têm diante de si uma luta difícil e longa. Contra as forças que querem destruir a demarcação e a disciplina. Contra o governo que se delicia numa espécie de braço de ferro com a Casa do Douro, em vez de procurar a cooperação. Mas também, dentro da região e dentro da lavoura, por uma Casa do Douro renovada e sólida. Os durienses, tão orgulhosos dos seus antepassados, designadamente os famosos “Paladinos”, têm a obrigação de fazer hoje aquilo de que os seus filhos e netos se poderão orgulhar dentro de décadas.

3 comentários:

Dinis disse...

Tanto que havia a dizer sobre A Casa do Douro. Mas sobre o Douro e para já, esta: está em curso um "plano" de regularização de vinhas ilegais (sustentando em legislação, como é óbvio)que consiste no seguinte procedimento: o vitivinicultor arranca e depois planta. No mesmo sítio e nas mesmas condições as mesmas castas. Após esta operação a vinha (que são videiras...) passa de ilegal a legal. Não sei se ainda anda pela região a filmar para o seu documentário...era uma boa "cacha" - As perplexidades, ou os paradoxos de uma das mais belas regiões do mundo podia ser o título...
Respeitosos cumprimentos,
Dinis Costa

Dinis disse...

sustentado em legislação (o plano)
;)

António Barreto disse...

Caro Dinis,
Já tinha ouvido falar. E já vi uns avisos oficiais publicados na imprensa.Só não conhecia esse pormenor de que se podia arrancar e replantar, no mesmo sítio, nas mesmas condições, as mesmas castas! Se eu fosse lavrador no Douro, palavra que arranjava maneira de fazer todas as fraudes. Inventaria maneira de provar que arrancara e replantara, sem o fazer, a fim de receber os subsídios todos. Quem assim faz legislação e toma medidas, merece ser aldrabado!