domingo, 19 de outubro de 2008

O envelhecimento da população: a saúde e novos desafios sociais


QUANDO SE FALA da “parte fraca” da sociedade, sempre pensamos em crianças, nos idosos e nos doentes.
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Uma inspiração marcante no desenvolvimento do Estado de protecção ou no Estado Providência é justamente essa: no cuidado a ter para com os mais fracos: as crianças, os doentes e os idosos.
Acontece que, pela minha observação pessoal (que não reputo representativa), noto os imensos progressos feitos no cuidado das crianças e dos doentes e sublinho a menor atenção, a muito menor atenção prestada aos idosos.

Nas últimas décadas, ao mesmo tempo que os cuidados destinados às crianças e aos doentes não cessaram de aumentar, a marginalidade e a solidão dos idosos não parou de crescer.
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Ao mesmo tempo que as crianças devem ter toda a espécie de cuidado, protecção e instituições (até para os pais poderem ir trabalhar) e vão-no recebendo, são cada vez mais os idosos que devem deixar a casa da família, ir viver sozinhos, ir residir em lares especializados, arrastarem-se sozinhos por hospitais e casas de saúde, enfim, morrer sozinhos.

Os doentes serão amanhã saudáveis (a não ser que sejam velhos...). As crianças serão amanhã homens e mulheres, trabalhadores, técnicos e profissionais. Os idosos amanhã não serão nada. Deles nada ou pouco se espera. Eles próprios, muitos deles, não têm esperança.

Olhemos para eles, num jardim público, num supermercado, sozinhos ou aos pares, arrastando-se devagar. Por vezes, atrás dos filhos, com sinais no rosto de estarem “a ser passeados”, nem sempre com afecto e vontade suficientes. Ficam horas a olhar para as montras. Sentam-se em bancos de improviso. Não têm poder de compra, poucos se interessam por eles, não são bons clientes. Já não têm força para subir escadas, nem para carregar embrulhos.

Quantos deles não desejariam, acima de tudo, ser independentes, não estar a viver à custa de outro ou não precisar dos outros para tudo! E, no entanto, são muitas vezes a imagem mesmo da dependência. O que só aumenta o seu sofrimento. Porque padecem de tudo: da dependência e da solidão.

A sociedade, para os velhos, nunca mais voltará a ser o que muitos pensam que foi (e nem sempre foi verdade): o fim de vida passava-se com as novas gerações. Por mais que não me queira sentir resignado, não consigo ver uma evolução do sociedade tal que os idosos possam um dia terminar os seus dias em companhia daqueles de quem gostam, os do seu sangue e das suas histórias.

A sociedade conheceu mil e um progressos e melhoramentos de toda a espécie: culturais, políticos, sanitários, tecnológicos, no conforto e no bem-estar. Mas, num caso, talvez num só caso, conheceu mais regressos e mais crueldade do que progressos: foi no caso dos idosos. As gerações adultas e activas separam-se dos seus idosos de modo crescente e irreversível.

Se não é possível voltar atrás (não tenho aliás a certeza de que seja esse o caminho...), então pelo menos temos a obrigação de pensar, imaginar e pôr em prática soluções que criem para os idosos um fim de vida menos dramático e menos doloroso. Com uma certeza: não são os meios materiais, nem sequer organizativos, que constituirão as verdadeiras soluções. Se não forem humanas, não serão soluções.

Para além de tudo o mais que não possuem (energia, saúde, resistência, esperança, força física, poder de compra...) os idosos não têm capacidade reivindicativa. Quer isto dizer que os poderes públicos, os afortunados, as organizações sociais, as associações e todos os grupos humanos nunca acodem aos idosos por necessidade. Ou por a isso serem forçados. Por isso os esquecem e desprezam. Só se acode aos idosos por profundo sentimento humano. Por solidariedade. E por afecto. O tratamento dos idosos é assim a mais séria e mais drástica prova que as sociedades enfrentam. A prova da sua humanidade.
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Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, 4 de Dezembro de 2000

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