Mais uma vez, Israel está a ser miseravelmente atacado por terroristas. Mais uma vez, os Palestinianos vão ser a principais vítimas. O Próximo Oriente vai ser novamente sítio de desordem e de horror, de sangue e de morte. Para lá da região, grande parte do resto do mundo vai sofrer graves consequências desta guerra. O terrorismo inicial foi o que foi, terrorista. A reacção de Israel está a ser desproporcionada. Na continuação, haverá mais desproporção, que é o próprio das guerras. Não se conhecem guerras equilibradas, proporcionadas e com a justa medida! Se fossem, não eram guerras. Mesmo reconhecendo que Israel tem o direito e o dever de se defender do terrorismo e da guerra não provocada, é previsível que a resposta acrescente violência à violência.
É possível que esta guerra e suas consequências tenham efeitos sobre a política israelita, sobre um futuro governo e sobre as políticas ulteriores. E que mudanças políticas em Israel sejam inevitáveis. Como talvez se possa acreditar em que um ou outro grupo terrorista sejam definitivamente derrotados. Mas de uma coisa podemos estar seguros: no mundo actual, a liberdade e a democracia estão ali em causa. Como na Ucrânia. Espera-se, todavia, que o mundo ocidental e democrático, geralmente apoiando Israel, não se deixe também arrastar para aprovar as políticas erradas do governo israelita.
A infame ofensiva do Hamas contra Israel provocou milhares de vítimas inocentes. Por falta de preparação e excesso de presunção, a derrota do governo de Netanyahu está também na origem de milhares de vítimas igualmente inocentes. A reacção das Forças Armadas de Israel provocou já milhares de mortos e feridos sem culpas. É provável que esta guerra dure ainda bastante tempo e é possível que se alargue geograficamente. Não está fora de questão que outros países, Estados vizinhos ou distantes e outros movimentos políticos, incluindo milícias, mercenários e grupos terroristas intervenham e se envolvam no conflito. Dadas as circunstâncias da guerra e a configuração do meio geográfico, vai ser, ou já é elevadíssimo o número de mortos e feridos civis, de crianças sem protecção e de idosos indefesos.
É provável que as consequências desta guerra sejam terríveis, durante anos, para vários povos e muitos países. Tudo leva a crer que os efeitos económicos, políticos e sociais sejam destruidores e que a paz naquela região e no mundo esteja ameaçada e periclitante. É possível prever consequências muito negativas e efeitos devastadores para as sociedades e as economias europeias, ocidentais e outras. Tudo o que se pode prever quanto a conflitos locais e regionais, graves perturbações económicas e aumento da pobreza e da desigualdade acontecerá. Mas será ainda pior do que se imagina hoje.
Uma coisa é já clara nos espíritos: tal como em todos os conflitos locais e regionais, entre os efeitos imediatos e desmesurados pode contar-se o exponencial aumento de refugiados e de migrantes. Como sempre e em todas crises políticas nacionais ou internacionais, sobretudo nas que envolvem violência e guerra, há refugiados, há milhares de famílias à procura de paz e de casa, dezenas de milhares de crianças sem nada nem sequer pais e mães. Também haverá, certo e seguro, às dezenas ou centenas de milhares, simples candidatos à emigração. Os países europeus e da América do Norte, assim como alguns asiáticos, já se ofereceram para ajudar. Portugal também o deveria fazer, seja isoladamente, seja, de preferência, no quadro do esforço europeu. Mas, espera-se, com uma intenção política clara: a de separar a questão da emigração do problema dos refugiados de guerra.
Portugal não tem influência neste conflito, nem força política suficiente para se envolver. As questões militares estão fora do nosso alcance e dos propósitos actuais do Estado português. Também não temos peso suficiente para uma qualquer intervenção de carácter económico. Sobra, evidentemente, a eventualidade do contributo humanitário, essa sim, possível. Os emigrantes, as vítimas, os feridos, os sem abrigo, as crianças sem escola, os idosos sem sítio e os refugiados serão aos milhares. Um dos mais felizes destinos para tantos será, novamente, o dos campos de refugiados (alguns parecidos com campos de concentração) espalhados pela região. Neste capítulo, Portugal pode contribuir com significado. Afastar os campos e acolher crianças desalojadas e sem família, idosos desamparados e doentes ou feridos, pode ser um contributo real e humanamente significativo para um mundo decente.
Portugal tem uma larga experiência nestes domínios demográficos e populacionais. Uma longa e vastíssima vida de emigração, mas também, recentemente, um conhecimento directo da imigração. Além de um violento drama de repatriamento de portugueses. Tratou-se, histórica e actualmente, de movimentos descontrolados, sempre ao sabor das ondas, sempre com experiências dolorosas e perigosas. Então como hoje, na emigração de portugueses ou na imigração de estrangeiros em Portugal, o descontrolo, o acaso, a ilegalidade e a exploração foram quase regras. Mas há agora memórias e conhecimentos para mudar de atitude, para tornar humanos estes movimentos demográficos, para ajudar uns e outros, emigrantes e imigrantes, a usufruir de uma vida decente. Sabemos já que o controlo dos movimentos e das deslocações pode contribuir de modo decisivo para manter a realidade dentro das possibilidades. Como sabemos que esse controlo, com apoio e acompanhamento, pode ser crucial para evitar a exploração e a marginalidade criadas pela ilegalidade.
Toda a Europa, além de outros países, está à beira de conhecer e de viver episódios perigosos de conflitos raciais, culturais, religiosos e políticos directamente ligados com as migrações descontroladas. Estas resultam de situações económicas e sociais conhecidas, de desastres de toda a espécie, mas também de guerras e conflitos. Intervir depois dos acidentes e dos incidentes é sempre negativo e perigoso, para não dizer inútil e ineficaz. Esta situação de guerra, tão perto de nós, pode ser uma oportunidade para mostrar que aprendemos com a história. Impõe-se uma acção solidária e humana, como também um esforço de controlo dos acontecimentos. Portugal tem o direito de escolher as populações que quer receber. Como faz actualmente com brasileiros e falantes de língua portuguesa. Pode fazê-lo também com crianças e vítimas da guerra. Palestinianos e judeus sobretudo.
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Público, 13.10.2023
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